A Idade Média revelou histórias macabras. Nesta era de castelos e realezas, a Europa foi palco para a Peste Negra, assim como guerras religiosas para todo o lado, em especial no Leste e no Oeste, entre cristandade e islã, um Civilization da vida real. A caça as bruxas também deixava o ambiente mais alegre. E, nos Cárpatos, junto de Vlad III, o Empalador (1431-1476), Voivoda da Valáquia e personagem a inspirar o Drácula de Bram Stoker, temos um outro membro da aristocracia com um passado mais sombrio que magia negra. É Erzsebet Báthory, uma condessa húngara que a história destacou como uma das mais prolíficas serial killers de seu tempo. E não por menos figura chave na criação de mito do vampiro. Tanto que seu apelido, a “Condessa de Sangue”, a transformou em personagem de Castlevania: Nocturne, série da Netflix com personagens dos games da japonesa Konami.
Primeiramente, a ideia não é explicar nos mínimos detalhes a personagem de Castlevania: Nocturne. Mas sim trazer a história da aristocrata que existiu no mundo real. Erzsebet Báthory, que também pode ser chamada de Elizabeth Báthory, foi uma nobre húngara do ramo protestante da Casa Báthory. Essa Casa, por volta do século XVI era importante no Leste da Europa. Possuidora de terras no Reino da Hungria e no Principado da Transilvânia, locais que deram origem a Hungria e Romênia modernas. Nessa pompa em que a família era um banco do poderoso Rei da Hungria, algo como os Lannisters de Game of Thrones, da HBO, nascera Erzsebet Báthory. A região era Nyírbátor, condado que até hoje leva a partícula final de seu nome em homenagem a família. Acontece que desde pequena, Erzsebet Báthory tinha problemas de saúde que não eram explicados na época.
Nascida na Hungria, Erzsebet encontrou no marido um companheiro.
Atualmente, acredita-se que Erzsebet sofria de epilepsia desde a infância. Entretanto, isso é apenas a ponta do iceberg e não explicaria seu apelido de “Condessa de Sangue”. Na verdade, a história de Erzsebet Báthory marcha para outros rumos depois que ela se casa com o Conde Ferenc Nádasdy, se mudando assim para a húngara Sárvár. Era neste local que ficava um dos castelos da família Nádasdy e claro, ganhando o título de “Condessa”. Um detalhe: como os Báthory eram mais poderosos que os Nádasdy, Erzsebet não alterou o seu nome. Ela manteve o status de sua família e o agregou para seu marido. Agora, o que o Conde agregou na personalidade de Erzsebet foi a vontade sádica de resolver conflitos com seus súditos. Era comum que qualquer castigo fosse revidado da maneira mais violenta possível, algo que o Marquês de Sade ficaria feliz de ver.
Em termos medievais, é algo normal o castigo de servos. Vale lembrar que isso aconteceu até mesmo com a escravidão moderna. Acontece que os castigos propagados por Erzsebet Báthory e seu marido iam ao extremo. Como é o caso de colocar objetos pontudos debaixo das unhas das criadas. Também é conhecido o castigo em que o casal despia os castigados no frio europeu e jogavam água gelada em seu corpo até que congelassem. Essas práticas se tornaram rotina no Castelo de Sárvár, e mesmo quando o Conde Nádasdy não se encontrava presente, sua doce esposa fazia questão de prosseguir com esta forma de educação. Se o parafuso ainda não tinha torcido, ele desandou completamente na mente de Erzsebet Báthory com a morte de Ferenc, em 1604. Um detalhe, desde 1578, o casal já era conhecido pela rigidez e o sadismo de seus castigos.
Uma trama que facilmente entraria em qualquer livro de vampiro.
Com a morte do Conde, a Condessa Erzsebet Báthory se muda para Viena e depois para o Solar de Čachtice, onde hoje se encontra a Eslováquia. É neste local que ela se instaura como uma das maiores serial killers de seu tempo. Seu intuito era assassinar sem piedade servas e membros da baixa aristocracia local. Aos poucos, era comum que as servas do Solar de Čachtice desaparecessem e Erzsebet necessitasse cada vez mais de novas pessoas, notavelmente mulheres sempre mais jovens que ela. As lendas começaram a se espalhar, inclusive a principal delas, de que a Condessa se banhava em sangue de virgens para tentar se manter sempre jovem. Era comum acreditarem que toda noite, as criadas e amantes, dada a bissexualidade conhecida de Erzsebet, a auxiliassem em seu quarto para o seu banho com sangue humano. Assim, entende-se literalmente a alcunha de “Condessa de Sangue”.
Como até mesmo naquela época pobre nunca tinha vez, enquanto a Condessa de Sangue usava de vítimas pobres, nenhum membro do governo real da Hungria se fez presente. Afinal, de família poderosa, não havia o que se questionar. Porém, essa sorte parece ter mudado por um motivo: a dívida cada vez mais exorbitante do Rei Matias II da Hungria perante a família Báthory. É somente em 1610 que o governo abre uma investigação, não para punir Erzsebet Báthory de seus possíveis assassinatos, mas para tomar a maior parte de suas terras e quitar a dívida da coroa húngara. Neste mesmo ano, é realizado o julgamento da Condessa, onde algumas provas foram apresentadas, entre elas um caderno. Nele constavam cerca de 650 nomes de mulheres, na caligrafia da própria Erzsebet. Esses seriam os nomes de suas vítimas.
No fim, uma prisão domiciliar de maneira perpetua para a Condessa.
As masmorras e algumas partes do Solar continham uma centena de restos humanos, o que complicou ainda mais a situação de Erzsebet. Seus lacaios, em especial sua amante, Erzsi Majorova, além de ser a responsável por guiar Erzsebet nas artes ocultas, também foi a responsável pela brilhante ideia de trazer jovens da baixa aristocracia para o castelo. Já naquele momento, o talento em se tornar lenda urbana da Condessa de Sangue tinha ultrapassado seus muros. Com as histórias de crimes, mutilações e torturas dentro do Solar, os servos das proximidades chegavam a mentir ao falar se conheciam alguma jovem que gostaria de trabalhar no castelo. Cada vez mais, ficava difícil encontrar jovens que estivessem dispostas a servir Erzsebet Báthory. O pontapé da investigação de 1610 inclusive foi exatamente um estranho suicídio de uma jovem aristocrata no castelo.
Mas o destino ainda seria benevolente com a Condessa de Sangue, o que ela nunca foi aos seus servos. Um ano depois, de fato, Erzsebet Báthory foi declarada culpada. Porém, não foi sentenciada a morte, diferente de sua amante. Devido ao poder de sua família, mesmo com um primo como carrasco, Erzsebet Báthory foi condenada a prisão perpétua. Assim, ela passaria seus dias dentro de um quarto no Solar de Čachtice. Não haveria janelas neste quarto, e sua única comunicação era por uma porta, onde receberia comida e ar fresco. Outras histórias dessa parte dizem que ela nunca ficou trancada, e até o fim de seus dias, em 1614, ela podia passear tranquilamente pelo seu castelo como se nada tivesse acontecido. Mesmo assim, o nome de Erzsebet Báthory já estaria banhado em sangue para a história.