Vamos ser honestos, o que seriam as melhores histórias se os vilões também não tivessem sua importância? A Branca de Neve, coitada, teria sua vida pacata e nem seria envenenada se não fosse pela Rainha Má. É justamente por isso que o Guariento Portal vem com uma lista vilanesca de respeito. Pois um vilão bom tem que ter uma música de impacto. Que mostre sua crueldade, sua vilania ou tudo isso misturado em algum filme da Disney. O vilão tem que se sentir na Broadway para mostrar essa sua faceta musical. Da Paris medieval de Claude Frollo com Hellfire, passando pelos despenhadeiros da África do Scar de Be Prepared. Ou quem sabe o calor das noites árabes com Prince Ali de Jafar, até o fundo de Atlântida com a burlesca Úrsula com Poor Unfortunate Souls. Não importa o lugar, importa o show, o momento do vilão no streaming Disney+.
#1 – Hellfire, de O Corcunda de Notre Dame.
Não existe chance alguma de começar qualquer lista vilanesca de canções e não mencionar Hellfire. A canção, que em bom português é traduzida como “Fogo do Inferno”, é o grande ato de Claude Frollo, o vilão de O Corcunda de Notre Dame, animação de 1996. Para começo de conversa, Frollo é um dos poucos vilões que tem certeza de que tudo que faz é certo. Sua raiva pelo povo cigano que habita Paris só piora após sua paixão ao simplesmente ver Esmeralda dançando em frente a Catedral da cidade. É a partir de então que Hellfire praticamente é uma confissão do personagem ao pecado da luxúria, querendo de todas as formas que Esmeralda seja dele e de mais ninguém. Algo pouco polêmico dentro da estrutura narrativa da Disney. Aliás, a letra de Hellfire é absurdamente densa e até hoje deixa dúvida em como foi parar neste filme.
Com a mescla de cantos gregorianos e cerimonial católico – até pelo fato de que o vilão é baseado em um arquidiácono – temos a citação do inferno pelo Juiz várias e várias vezes. Na verdade, a danação eterna e o pecado são o cerne de Hellfire, que o leva para o caminho do pecado. É como um paladino da justiça que não sabe controlar a paixão incubada por alguém, e vê em todo mundo, inclusive em Deus o erro. Ele é claro, é o alecrim dourado que jamais erra, diferente da plebe tão vulgar. Seus erros na verdade vêm da cigana bruxa que o enfeitiçou e por isso ele pede a misericórdia de Maria. Mesmo Esmeralda queime na fogueira. Acho que depois disso tudo não tem como realmente Hellfire não ser uma música vilanesca respeitável, seja na voz de Tony Jay, no original ou do Rodrigo Esteves, em português.
#2 – Be Prepared, de O Rei Leão.
Preste atenção! Se em 1998 a Disney se atreveu a trazer Hellfire em O Corcunda de Notre Dame, antes, em 1994, estreava a animação que destruiria recordes, O Rei Leão. A história de Simba e do assassinato de Mufasa só é tão poderosa pois seu vilão é igualmente dramático. Na verdade, é muito dramático. Scar é aquele irmão que era deixado de lado, e que aos poucos, foi criando um rancor tão grande no coração que desejava vingança. Ascender ao posto de Rei, mesmo que para isso tivesse que fazer seu sobrinho e irmão cantarem para subir. E aliás, cantar é o que ele realmente faz com Be Prepared, ou “Se Preparem” em português. Apoiado nas hienas, Scar praticamente ecoa tudo que pensa, mostrando seus planos e também sua personalidade. Alguém com mania de grandeza, e que não tem pudor em método algum para conseguir. Apenas escute o professor!
Aliás, para quem não sabe, O Rei Leão é baseado na tragédia shakespeariana Hamlet, então o drama realmente é algo que não pode faltar. Ironicamente, mesmo que a letra de Be Prepared seja sombria destacando o golpe do século, a nova era que se aproxima e persuasão usada por Scar para convencer as hienas, ela é animada. Diferente de Hellfire, que você encontraria tocando em uma igreja de costumes não convencionais. No número musical, Be Prepared é o momento em que as ambições de Scar são expostas ao público, e a partir desse momento é desgraça para todo o lado, inclusive para o espectador. Infelizmente, o filme live action de 2019 fez questão de picotar uma música tão icônica e igualmente polêmica, uma das razões de ter ficado tão sem emoção. Afinal, a voz de Jeremy Irons (no original) ou de Jorgeh Ramos dão ainda mais impacto na canção.
#3 – Poor Unfortunate Souls, de A Pequena Sereia.
Por enquanto só homens ou animais do sexo masculino apareceram. Mas isso acaba neste momento com a Bruxa do Mar Úrsula de A Pequena Sereia, animação de 1989. Tal como Be Prepared, Poor Unfortunate Souls ou “Pobres Corações Infelizes” no Brasil é o tipo de canção que apresenta ao espectador a verdade sobre a vilã da animação. Contudo, ela tem um recheio especial. Praticamente, a música na verdade é um acordo com o Diabo, já que em troca de pernas, a jovem Ariel deveria dar a sua voz para a Bruxa. Então, cabe a Úrsula convencer de todas as formas possíveis a pequena apaixonada de que está fazendo um bom acordo, mesmo que a caverna com todos aqueles que não cumpriram sua parte no contrato esteja a mostra. Os próprios trejeitos de Úrsula indicam que ela sabe que nunca perdeu. Fausto sem dúvida alguma ficaria orgulhoso de ver algo assim.
Aliás, Úrsula poderia ser contratada para Broadway somente por sua extravagância ao performar Poor Unfortunate Souls. As modulações na voz e toda a barganha que enfeitam a letra mostra que ela sente por todas as almas tristes e com necessidades que entram ao seu covil. Qualquer um facilmente poderia cair no conto do vigário que Úrsula sabe cantar como se fosse um passarinho de A Bela Adormecida. Afinal, seja pelo amor, por um bom corpo, ela sempre consegue ajudar a todos que chegam até o seu caldeirão. Mas é claro que tudo tem seu preço, e a pessoa deve estar disposta a pagar. No fim das contas, o que Úrsula quer é que através de Ariel ela destrua completamente Tritão, o Rei de Atlântida e o coloque ele de joelhos. Seja na voz de Pat Carooll na animação original ou de Zezé Motta no nosso querido português do Brasil.
#4 – Prince Ali, de Aladdin.
Se Úrsula, Scar e Frollo tem suas próprias canções, que tal uma subversão? Que tal pegar a letra de Simba, Quasímodo ou Ariel e Sebastian e tornar ela sua própria canção. É o que o feiticeiro e ex-vizir de Agrabah faz em Aladdin, animação de 1992. Jafar sem dúvida aparece nas listas de piores vilões clássicos, e não poderia deixar sua comemoração. Assim como em Be Prepared, Jafar tem complexo de superioridade, e não pode ver absolutamente ninguém sendo melhor do que ele ou entrando em seu caminho. Mesmo que esse alguém seja o Príncipe Ali, o alter-ego produzido pelo Gênio da Lâmpada para Aladdin, um ladrão de rua que se apaixona pela princesa. Se Prince Ali, ou “Príncipe Ali” em tradução fácil destaca as qualidades do então Príncipe, a letra cantada por Jafar celebra a mentira, a enganação e a fanfarronice do protagonista.
Aliás, Jafar é um dos personagens que mais se diverte ao cantar uma música vilanesca. Pois para bom entendedor, ela não era. Um perfeito choque musical com a virada da história, que ocorre quando o vizir se torna feiticeiro e controla o Gênio de Aladdin. Então, espere por bastante humor negro, com sorrisos desbocados e uma risada absurdamente maléfica no final de Prince Ali. Jafar simplesmente está se divertindo por contar o segredo da vida de Aladdin, e mostrando para todos, especialmente a realeza de Agrabah que tudo era uma farsa. Nenhum outro vilão rouba a canção do protagonista na história da Disney e faz dela seu parquinho de diversões, uma dura falta no filme live action também de 2019. E é claro que as vozes de Jonathan Freeman, no original, e Jorgeh Ramos no Brasil são clássicas. E sim, em terras tupiniquins, Jafar tem o mesmo dublador de Scar.
O Renascimento serviu tanto para a Disney quanto para os vilões.
Claro que existem canções vilanescas que mereciam estar nesta Lista? Sim. No entanto, caso alguém não tenha percebido, as quatro canções apresentadas são de uma única era da Disney, a de seu Renascimento. Atribui-se esse nome realmente às animações feitas de 1989 até 1999 pela Disney com traços em comum. E isso se refletia na qualidade e no número de bilheterias. Não por menos, é uma das fases mais importantes da Disney, que voltou aos holofotes e foi a responsável por levar a semente das animações para outras empresas, como a Fox, de Anastasia em 1997 e a DreamWorks de O Príncipe do Egito, de 1998. Duas animações que chegaram até mesmo ao Oscar, sendo que a primeira faz parte do monopólio do Mickey já que a Fox foi comprada pela Disney, da mesma forma que a Marvel de Wanda e de Ultimate Alliance 3, do Nintendo Switch.
No fim das contas, Hellfire, Be Prepared, Poor Unfortunate Souls e Prince Ali tem seus trejeitos e suas particularidades. Não é possível pensar em outro personagem como Jafar cantando uma versão deturpada de Prince Ali, da mesma forma que Scar não é Scar sem Be Prepared. E é justamente por isso que essas músicas se tornam tão importantes, elas são integrantes da personalidade de seus vilões. Suas aspirações com o futuro, como a Úrsula faz questão de destacar em Poor Unfortunate Souls ou o medo e a loucura de um amor não correspondido com Hellfire traduzem cada expressão; raiva, rancor ou até mesmo a face do mal. Como dito anteriormente, não há boa história sem um bom vilão, e ao depender de suas músicas, sem sombra de dúvida O Corcunda de Notre Dame, O Rei Leão, A Pequena Sereia e Aladdin são obras espetaculares. Pelo menos as animações originais!
Texto escrito originalmente por Anna Vitória Guariento e Revisado por Vítor Hugo Guariento. A Segunda Parte está disponível aqui no Guariento Portal.