QUAL O PROBLEMA COM AQUELE URSO?
Que o gênero de terror tem inúmeras vertentes, todo mundo sabe. E, às vezes, é comum unir esses subgêneros. Hellraiser (2022) retornou aos holofotes com a junção do gore com o sobrenatural dos Cenobitas. Já Casamento Sangrento (Ready or Not, 2019) e Abigail (2024) unem um tom de comédia agressivo que em muito lembra os filmes Terrir como os da franquia Evil Dead e Arraste-Me Para o Inferno (Drag Me To Hell, 2009). Buscando essa junção inusitada entre comédia, terror de mutilação e uma pitada do trash da década de 80, Elizabeth Banks embarca em uma viagem inacreditável com O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear), de 2023. Baseado em uma história inacreditável onde um urso negro viciado em cocaína nas florestas da Geórgia, o longa é totalmente insano. Afinal, somente um urso drogado poderia ser capaz de tais situações vindo da mente da Universal Studios e disponível na Netflix.
QUE HISTÓRIA É ESSA MEU IRMÃO?
Primeiramente, além é claro da história inacreditável que O Urso do Pó Branco proporciona, o filme é simplesmente louco e frenético. Como se usasse a própria cocaína que caiu do avião em seus primeiros minutos. Esse, sem sombra de dúvidas, é um dos maiores acertos de sua direção. Acontece que o filme tinha todas as características para se transformar em mais um filme questionável, como é a franquia Pânico no Lago (Lake Placid). Porém, ao abraçar esse lado alucinógeno, é possível rir da sua desgraça desde o início. É impossível não mencionar que a criatura bebe da fonte de Tubarão (Jaws, 1975), de Steven Spielberg. Sua trilha sonora e os momentos de aparição de sua criatura não causam terror, mas conseguem encantar pela boa produção técnica. Afinal, o Ursídeo em questão é feito completamente em computação gráfica. Não era possível dar entorpecentes para um animal desses do mundo real.
Essa história de uma criatura assassina é contada de maneira rápida, em seus 95 minutos de duração. E, pela primeira vez em muito tempo, os seres humanos à disposição da fúria animal não são irritantes. Embora grande parte deles seja destroçada e banhem o urso com sangue e mais pó branco. As crianças que lembram o estilo infantil e adulto dos anos 80 de Os Goonies (The Goonies, 1985) são os maiores atrativos do lado dos seres humanos. Há também os traficantes atrapalhados que buscam incessantemente o restante do que sobrou das drogas. Toda essa cúpula poderia ser completamente desinteressante, até pelo fato de que quem deve brilhar ainda mais é o urso, ou melhor, ursa. Mas de certa forma, a história humana consegue evoluir sem estragar o longa, algo que, por exemplo, Godzilla 2: O Rei dos Monstros (Godzilla: King of The Monsters, 2019) falha com maestria.

O FILME NÃO SABE SE VAI PARA O BESTEIROL OU PARA O HORROR ANIMAL:
Em termos técnicos, a sonoplastia consegue criar momentos de total surrealismo do que um urso fora de suas faculdades mentais pode fazer. Ele é imponente com seu rugido, e a edição de Joel Negron é competente em destacar a criatura. Os momentos de gore inclusive são exagerados na medida certa em O Urso do Pó Branco. Afinal, trata-se de uma comédia absurda com toques de assassinato animal. De forma geral, a direção de Elizabeth Banks consegue transformar essa aventura, dando um passo em sua carreira, em todos os sentidos. Há uma tentativa de engrandecer a história com questões de relacionamentos familiares, mas o ótimo trabalho de Banks, na verdade, deve-se à sua criatividade com cenas. Ora abusando dos momentos de horror, com muito sangue e carnificina, ora abusando de uma comédia que cheira bastante do besteirol americano como Apertem os Cintos … O Piloto Sumiu (Airplane!, 1980).
Claro que, depois de uma onda proporcionada pelo filme, O Urso do Pó Branco tem seus problemas. E eles não são poucos, focando-se na narrativa. O roteiro, assinado por Jimmy Warden tem um excelente primeiro ato e ótimos momentos no segundo ponto de O Urso do Pó Branco. No entanto, há um vácuo de mais de trinta minutos onde se tenta desenrolar os personagens, criando camadas mais profundas que acabam não funcionando, deixando o urso em um segundo plano desnecessário. Não que os personagens sejam ruins, em especial o núcleo infantil com Henry (Christian Convery) e Dee Dee (Brooklynn Prince). Porém, eles se tornam menos interessantes quando sozinhos. Agora, quando contracenam com o urso, seja fugindo ou se escondendo, surte um efeito interessante no espectador e uma sinergia. Essa brincadeira acaba levando o filme para excessos que fazem parecer que perdeu o rumo depois do abuso de entorpecentes.
EXPECTATIVAS SÃO CRIADAS, MAS ACABAM NÃO SENDO RECOMPENSADAS:
Além disso, O Urso do Pó Branco cria certas expectativas por ter um início interessante e momentos que vão além da compreensão humana. Porém, seu terceiro ato acaba sendo simples. É exatamente nesse momento que se descobre que a ursa, na verdade, tem um casal de filhotes, e tenta-se, pela direção e pelo roteiro, fomentar um paralelo entre Sari (Keri Russell) e sua filha Dee Dee, assim como outro personagem que recentemente tinha perdido a esposa. Essa toada de um subtexto parece ser a tentativa de Elizabeth Banks em criar certa identidade em sua nova figura como diretora. Porém, não é no O Urso do Pó Branco que ela consegue criar. Na verdade, toda essa história acaba destoando da espetacularização que foram os dois primeiros momentos da película, fazendo até mesmo o filme ter uma espécie de mudança de estilo para depois tentar retornar aos seus trilhos.

No fim das contas, O Urso do Pó Branco parece ser inventivo por sua história mirabolante verídica. Contudo, em termos de estrutura, tudo que é possível observar aqui já foi visto em filmes de animais monstruosos dos anos 80 e de tempos mais atuais. Aliás, toda a energia da década de 80 está impregnada em O Urso do Pó Branco, seja em seus personagens, do figurino e até nos aparentes absurdos que crianças podem fazer ou falar. Além disso, a inclusão do humor cria uma dicotomia que não incomoda, mas que às vezes pode fazer o espectador não entender o motivo de alguns cortes ou a sua falta em cenas longas. O roteiro brinca tanto com esses dois gêneros que parece perder a mão em alguns momentos da edição. Algo que acontece em alguns momentos. Ainda bem que estes momentos são poucos no filme.
O URSO DO PÓ BRANCO É UMA HOMENAGEM DIGNA AO TRASH:
Desta forma, O Urso do Pó Branco facilmente poderia ser um filme de sábado à tarde. Ou pelo menos poderia ser se não tivesse o uso do gore por um urso que é fofo, até mesmo coberto de sangue e cocaína. Longe de ter a agonia de Jogos Mortais X (Saw X, 2023) ou de Canibais (The Green Inferno, 2013). Tecnicamente competente, com uma direção que acerta bem mais do que erra e com um grupo de personagens que possuem seus momentos. É uma pena que o filme ficou tão fora de si que acabou se perdendo, em especial no seu roteiro e em seus momentos finais. Mesmo assim, O Urso do Pó Branco consegue revelar algumas boas jogadas nesse universo do Terrir, acompanhado como uma espécie de homenagem saudosa ao gênero trash, o que o torna um bom passatempo, desde que não esteja sob o efeito de narcóticos.
Números
O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear)
Quando um carregamento de cocaína cai nas florestas da Georgia, um urso acaba cheirando o que não devia, e se transforma em uma criatura insandecida. Baseado em uma história inacreditável, O Urso do Pó Branco, filme de 2023 tem uma junção curiosa de violência e comédia.
PRÓS
- A antagonista, a ursa, é capaz de roubar a cena em todos os momentos, e é responsável pelos melhores efeitos especiais.
- Os humanos dispostos na fúria animal não são insuportáveis, sendo na verdade até interessantes, em especial o núcleo infantil.
- A edição não se perde na maioria das vezes, tendo uma fotografia coesa e até mesmo simpática ao horror e a comédia.
- A direção do longa como um todo é competente na maior parte de seus atos, trazendo momentos inacreditáveis, em companhia de uma história absurda.
CONTRAS
- Parece ser inventivo mas não é. Embora um urso viciado em cocaína seja singular, sua estrutura é idêntica com tudio da década de 80.
- O roteiro é seu momento mais fraco, com o desaparecimento do urso em determinado momento e um terceiro ato sem muita coesão.
- Esses percursos entre a comédia extrema e um gore típico dos filmes de animais assassinos criam uma expectativa que não se resolve.
Galera, só passando pra avisar que, por questões editoriais, estamos deixando aos poucos o X. Afinal, não é possível questionar uma rede social e se manter nela sabendo que existem similares. Desta forma, optamos pelo Bluesky. Além deles, também começamos a colocar as nossas coisas no Threads e no Youtube. Então, agradecemos se quiserem dar aquela olhada e seguir tudo isso e mais um pouco.
Bluesky: https://guarientoportal.bsky.social
Threads: https://www.threads.net/@guarientoportal
Youtube: https://www.youtube.com/@guarientoportal