Dor e prazer. Não, não se trata de um meme do Twitter, mas o resumo de uma frase sobre o que exatamente pensam os Cenobitas. Se você apareceu de paraquedas por aqui, o Guariento Portal explica. Os Cenobitas são seres extradimensionais, que buscam a borda, o limite de todas as formas de prazer. Isso é claro dentro da extensa mitologia por trás de Helrraiser. Iniciada por Clive Barker em 1987 com o filme Hellraiser, Renascido do Inferno – que traz certo bom uso do trabalho original em livro – o espectador é apresentado a esse grupo que faz de tudo, com direito a correntes e muito sangue, em uma brutalidade absoluta. E essa brutalidade está de volta com o reboot lançado pelo streaming Hulu em 2022. Agora, será que deu certo e a Configuração do Lamento foi corretamente aberta? É o que veremos nesta Review / Crítica aqui no Guariento Portal.
Atenção: Como toda Review / Crítica de Filme, é óbvio que o Guariento Portal tem a obrigação de contar certos momentos do filme. E isso não será diferente com o reboot de Hellraiser. Só que desta vez, ao redigir esta Review / Crítica, faremos uma consideração de não falar aspectos completamente fundamentais pois o filme não foi lançado oficialmente no Brasil até o momento. É possível ver de outras formas – até pelo fato de que o Hulu parece não gostar da Terra Brasilis e nem deu suas caras por aqui – alternativas por sinal. Então, pela primeira vez, essa “Atenção” tem um gosto de doce de leite, vai ser doce e bem calmo para que sua experiência não seja dilacerada ou cortada com Hellraiser, quando aqui for lançado. Feito o ajuste, seguimos então para a Review / Crítica que tem muito sangue para rolar.
Um Pinhead andrógino caiu muito bem. E que imponência!
Primeiramente, temos que ser francos, Hellraiser é uma franquia sofrida e que dá dó. Desde os anos 80 do século passado, filmes foram sendo produzidos que era preferível queimá-los no mármore do Inferno a vê-los. E aliás, esse era o medo com o atual reboot. Afinal, trazer uma franquia dos mortos – e bem mortos – é algo de extrema dificuldade. E mais, o inglês Doug Bradley, o padawan que viveu o personagem Pinhead, nosso eterno cabeça de prego deixou o legado para Jamie Clayton. Sim, uma mulher. É claro que uma galera nerdola piscou, retrucou e tudo mais. Claro, como se não soubessem que na mitologia original, Pinhead tinha conceitos mais andróginos do que o apavorante ser de Bradley. Porém, essa Review / Crítica vem acalmar os corações, pois Hellraiser se sai bem nesse ressurgimento como franquia.
Explicamos melhor: em Hellraiser de 1987, o espectador emerge dentro de todo o conceito da Configuração do Lamento, uma caixa que na verdade é a chave de um portal que invoca criaturas sadomasoquistas. E como tal, buscam todas as formas extremas de dor. O Hellraiser de 2022 acerta ao aumentar essa mitologia, mostrando outras formas de Configuração, assim como o papel dos Cenobitas mais como de sacerdotes do que simplesmente arautos do caos ou serial killers. Aliás, o Departamento de Maquiagem e a galera de efeitos práticos simplesmente trouxeram novos Cenobitas que causam o asco necessário desse grupo da Ordem de Gash. De certa forma, cada um dele tem suas especificidades, e seus cortes, feridas e tudo mais os deixam completamente apavorantes. Até mesmo o seu andar, lento e previsível equivale você estar vendo o Belzebu sorrateiramente chegar perto de você. E você sabe o resultado disso.
A trilha original marca presença, mas o silêncio também brilha.
O Pinhead de Clayton é diferente do de Bradley, mas ainda marca uma imponência. Ousamos dizer na verdade que é ainda mais. Pois há um ar de sacerdócio dentro dela – e menos de sadomasoquismo – do que seu antecessor. No entanto, ainda assim os mesmos pensamentos ali estão presentes. Demônios para alguns, anjos para outros. E sua forma de diversão, de trazer o prazer inenarrável é através de muito sofrimento, com o uso e abuso de cenas altamente gráficas. Então, é óbvio, Hellraiser também se destaca no contumaz uso – e correto – de sangues e machucados vazando para todos os cantos. Só que, diferente do impossível Terrifier 2, que chega a abusar da escatologia e sanguinolência, Hellraiser é tipo um remédio amargo que você bebe de pouco em pouco. Essas cenas mais gráficas são apresentadas em doses cautelares no decorrer da narrativa.
O primeiro ato inclusive praticamente o espectador sente o sofrimento alheio. Porém, a câmera e a boa direção de David Bruckner fazem com que o espectador não veja a sangria desnaturada. Mas o amargor, a tortura em sua essência está naquele momento. Mesmo nos gritos dos personagens – pelos menos em alguns – é possível sentir que vieram do âmago de seus atores. Aliás, a sonoplastia e trilha sonora são um êxtase, e no bom sentido, para quem se interessa por filmes de terror. Carregando alguns arranjos tradicionais do clássico de 1987, Ben Lovett consegue ir um pouco mais além, trazendo momentos certeiros de silêncio que aterrorizam com os acordes mais pesados quando da aparição dos Cenobitas. Essa mescla faz com que Hellraiser se destaque como um interessante filme de terror, que diante de um bom orçamento, soube se utilizar de efeitos práticos e uma boa trilha sonora.
O filme não é um slasher. Então, momentos sorrateiros são necessários.
Por experiência própria, aprendi que devemos ficar com um pé muito lá atrás toda vez que alguém anuncia releituras evoluídas de obras que amamos. Mas no caso de Hellraiser, acredito que a visão moderna funcionou bem. Mesmo que não cause o mesmo impacto do filme original, essa nova jornada horrivelmente bem orquestrada pelo mundo dos seres que podem ser anjos para alguns e demônios para outros, está muitos passos à frente de todas as sequências do clássico de Barker.
Ed Walter, em sua Crítica / Review de Hellraiser em Sangue Tipo B (em português). 7/10.
Finalizando a parte boa antes de começarmos a sofrer, os efeitos visuais em CGI também são competentes, mas são deixados para trás com o primor do destaque gráfico de todas as roupas e maquiagens utilizadas. Ademais, a direção é coesa ao apostar na criação de um terror que consegue mesclar cenas grotescas – que tem várias, especialmente a partir do segundo ato – com a suspeição. Afinal, Hellraiser não é, e nem nunca foi uma série Slasher. Então, não faz sentido a corrida desenfreada. A ótima iluminação, com raios e trovões ao chamar da tempestade não inibem a visão, mas sempre deixam o ambiente mais apavorante. E o melhor, todos os sustos ali presentes estão bem montados, sem aquele uso insuportável a torto e a direito dos jump scares. Que vamos falar, estamos cansados de ver em filmes questionáveis.
Os personagens são rasos. Empatia realmente, devemos ter?
Mas então, vamos para a dor e choradeira a partir de agora. Hellraiser de fato acerca em muita coisa em seu retorno dentro do Streaming Hulu. E esta Review / Crítica não tem nem o que mencionar quanto a isso. Porém, alguns aspectos são deixados grosseiramente de lado. De um lado você espectador viu que foram falados dos Cenobitas e de como são impactantes. Mas nada foi dito dos personagens humanos que aqui simplesmente servem como gado pronto para o abate. Com exceção de Odessa A’Zion, que vive a ex ou ainda drogada Riley, os personagens estão ali mais rasos como uma banheira de hotel de beira de estrada. Eles servem apenas para fazer com que a história siga seu roteiro em Belgrado, capital da Sérvia, e suas mortes até chocam, porém não pelo impacto da empatia, mas pelo fato de serem gráficas mesmo.
Então, é possível dizer que onde mais Hellraiser definha é em sua história. Por mais que por detrás de toda a Configuração do Lamento tenha um homem que busque a sua redenção após ser presenteado pelos Cenobitas, tudo é muito simples e banal. Até mesmo o modus operandi de buscar a alma das pessoas é forçado com movimentos que ninguém faria – falando desta forma para não dar spoiler. Então, com um conceito desse, o espectador se apega mais nos momentos em que Pinhead e sua comitiva aparecem na tela. E que não são poucos. Fazendo praticamente roubarem o filme ao invés da torcida para com a protagonista e seu grupo. Nem mesmo seus conflitos mais internos são utilizados. Mas apenas jogados e em cerca de vinte minutos esquecido no churrasco ali da esquina.
Falta couro nessa caracterização aí, sem sombra de dúvida.
Essa questão de empatia, que falta bastante, também faz com que o filme se perca no tempo. Ao todo, Hellraiser conta com quase duas horas de duração. Tempo mais do que o suficiente para contar uma ótima história. Porém, como os personagens não são introduzidos de maneira correta, existem momentos que se arrastam e são completamente desnecessários. Fazendo com que o longa tenha algumas picos e vales em termos de narrativa. Algumas quebras de expectativas são vistas, e são ruins. Com um roteiro melhor, onde os atores pudessem dar uma substância maior em seus personagens não haveria sequer a necessidade maior de tempo. Com o roteiro de Hellraiser então, isso se tornou praticamente desnecessário e causa alguns flagelos na trama, embora não seja a coisa mais horrenda em termos de narrativa que você verá no gênero terror.
Por fim, destaque ao qual está Review / Crítica deve fazer para o bem da humanidade é infelizmente a questão dos Cenobitas. Não, não estamos loucos. Eles de fato são o ponto alto do filme, e sempre que aparecem com seu ar de imponência e com aquele olhar de dominação causam medo. No entanto, há uma plastificação no design deles. No original de 1987, via-se com clareza o que devia ser músculo, carne, e muito couro embutido nestes sacerdotes da Ordem de Gash, veneradores de Leviatã. Contudo, no reboot de 2022 temos algo mais clean. Claro que ainda brutal, mas essa sensação de músculo e carne, e até mesmo a falta de couro para em seu lugar colocar a pele humana deixou os Cenobitas mais com cara de robô. Até mesmo Pinhead sofre dessa mácula, embora seja uma mácula prazerosa por assim dizer.
Sem dúvida, é melhor do que Renascido das Trevas, o segundo filme.
No fim das contas, e conforme essa Review / Crítica tem a vos oferecer como presente, como dádiva sobre Hellraiser é que ele é melhor do que 90% de todas as produções desta franquia. O que em termos simples não um parâmetro válido, pois a partir do terceiro longa, Hellraiser vai de ladeira abaixo rumo ao inferno praticamente. E não consegue dar a volta. Porém, é possível sim destacar que esse Reboot é adequado e consegue trazer para uma nova geração aquilo que foi o pavor de uma galera, o Cabeça de Prego e o desvendar de uma caixinha inofensiva. Com a produção do americano David Bruckner, os Cenobitas voltam a todo o vapor com novos designs e com aquele gostinho não tão gótico trevoso, mas que traz um nível altíssimo de gore que vai subindo com o decorrer da narrativa. E muito auxiliado é claro pela excelente trilha sonora.
Toda essa mitologia incorporada, no entanto, acaba sofrendo os males de um enredo bem raso. Que como dito, é digno de gado pastando e pronto para o abate. Os personagens estão ali apenas para ser carne em oferecimento ao deus sombrio dos Cenobitas e terem mortes marcantes e horríveis por sinal. Nem mesmo o antagonista humano, o Sr. Roman Voight (Goran Visnjic) – que convenhamos tem presença e coitado, sofre – é o suficiente para marcar. Junte-se isso ao tempo dispensado em contar esta história, que poderia ter sido menor pela qualidade do roteiro e uma plastificação na carne dos cenobitas, e temos alguns erros que podem ser melhorados no futuro. Porém, não retiram os acertos de Hellraiser, agora na Hulu, deixando evidente a vontade de quem sabe, em algum momento, novos filmes serem feitos. Algo bem ao estilo Halloween por exemplo.
Divertido, desde que você saiba onde está caminhando é claro.
Dito de outra forma e respondendo sempre à pergunta que nunca se cala depois de uma Review / Análise; Hellraiser é bom? Em sua diversão, Hellraiser se sobressai como o segundo melhor filme da franquia do Cabeça de Prego e da Configuração dos Lamentos. O retorno sanguinário em doses homeopáticas, com o bom senso de uma trilha sonora e da imponência dos Cenobitas trazem aquele toque original que meteu medo em uma galera em 1987. Uma nova roupagem em um antigo clássico que conseguiu ser modificado sem perder a essência. Mesmo é claro que seus pontos negativos sejam evidentes. No entanto, no frigir dos ovos e com direito a muito chibatada, Hellraiser é interessante para os fãs do gênero e que curtem sangue na tela. Talvez não seja para todos os públicos já que algumas cenas são realmente angustiantes. Fica a dica aqui no Guariento Portal.
Números
Hellraiser (2022)
Trazendo de volta os Cenobitas e sua eterna busca pelas imensidões inexploráveis da dor e do prazer, Hellraiser, o reboot da franquia de terror mostra como ressuscitar uma série decadente. Com direito a muitas correntes e sangue na tela, a Configuração dos Lamentos e Pinhead tem um retorno que deixa marcas para o futuro... Que esperamos seja melhor que seu passado.
PRÓS
- Os cenobitas retornam com uma mitologia ainda melhor, e são assustadores por natureza.
- Excelente uso de efeitos práticos e maquiagem. É sangue jorrando com muitas correntes sadomasoquistas como a série Hellraiser sempre foi.
- Trilha sonora arrepiante e o bom uso do silêncio nos momentos corretos, trazendo aquele frio na espinha.
- Boa direção trazendo planos escuros e tomadas de visão periférica, trazendo o gore mesmo através do segundo ato.
CONTRAS
- Plastificação dos Cenobitas deixam um pouco a desejar, pois algumas carnes ali presentes são bem falsificadas.
- Duas horas de filme para um roteiro como o deste filme é completamente desnecessário. Diminuiria os vales de narrativa.
- Roteiro só serve para passar o tempo e para dar sangue se sacrifício, nada demais. Nem mesmo os personagens nos fazem ter empatia.