Quem assistiu o Academy Awards, vulgarmente conhecido como a Cerimônia do Óscar de 2024, percebeu que Oppenheimer bombardeou o evento, levando sete estatuetas. Incluindo o de Melhor Filme, Melhor Diretor e o de Melhor Ator. Por outro lado, o cinema japonês não foi esquecido no churrasco, Godzilla: Minus One levou a estátua de Melhor Efeitos Especias com o orçamento tímido de 15 milhões. Já O Menino e a Garça (2023), do mestre não tão aposentado Hayao Miyazaki levou o prêmio de Melhor Animação, desbancando os Elementos da Pixar e as teias da Sony. Entretanto, se esse texto começou engraçado, ele termina por aqui. Pois o que há de comum entre os caminhos dos dois primeiros filmes e do estúdio que produziu O Menino e a Garça são os bombardeios realizados pelos Estados Unidos nas Cidades de Hiroshima e Nagasaki durante os eventos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Um Crime de Guerra que até hoje não se responsabilizam os seus culpados. Dessa forma, Oppenheimer tenta passar uma visão dúbia e mais problemática do lado americano e do uso da arma atômica. Contudo, é do lado japonês que temos a verdade, o sofrimento ocasionado não somente pelo fim da Guerra e por ser o lado perdedor. Mas também pelo uso em suas cidades de armas tão mortais. Capazes de quebrar o átomo. Então, entender o Japão pós Segunda Guerra Mundial e todo o seu cinema antiarmamentista e antibelico é possível com animações como Túmulo dos Vagalumes e Gen Pés Descalços, ou filmes como o próprio Godzilla: Minus One. Esse lado mais assustador, sombrio e real da guerra pode é visível nessas películas. Se é claro você tiver estômago, lágrimas e um psicológico relativamente estável para acompanhar a aventura de seus personagens. Isso não é agenda Woke, é a realidade.
UM AVISO NECESSÁRIO PARA OS DESAVISADOS:
Aviso: O Guariento Portal e seu Redator, Vitor Hugo Guariento alertam aos leitores que grande parte das animações dispostas nesta Lista são fortes, tristes, pesadas e reflexivas. Então, não é força de expressão quando se relata que para asssitir esses filmes, há a necessidade de um bom psicológico. Como se você estivesse por concluir o game Shadow of the Colossus da Sony ou a franquia Ori da Moon Studios. Nesse caso, o leitor ou leitora pode até continuar nessa Lista, mas tenha ciência deste preparo. Desaconselhamos especialmente o longa Túmulo dos Vagalumes, que embora maravilho e uma obra prima dos Estúdios Ghibli, é um dos mais tristes e sombrios da carreira do estúdio japonês, porém extremamemte necessário. Dito isso e feito o recado, não poderíamos começar por ninguém mais ninguém menos que o próprio, Túmulo dos Vagalumes.
#1 – TÚMULO DOS VAGALUMES, OU A TRISTEZA EM ESSÊNCIA.
Não há nada na filmografia ocidental ou oriental mais triste, melancólico e verdadeiro do que Túmulo dos Vagalumes. Hotaru no Haka (火垂るの墓), seu nome em japonês, foi lançado em 1988 e é uma produção característica dos Estúdios Ghibli. Onde a arte pode ser fofa, mas sua mensagem é bem mais profunda do que seus aparentes traços. No filme, o espectador acompanha o dia a dia, na cidade de Kobe, dos irmãos Seita e Setsuko. Em um mundo que sofre pela guerra, é possível observar as mazelas desse período de diversas formas. A falta de esperança e a frieza dos adultos, a perda física de lugares e símbolos e a destruição completa dos vínculos sociais. Há um foco gigantesco na sobrevivência do par de irmãos, que se veem sozinhos nesse mundo destrutivo. Ao ponto de que água e comida se tornam itens de luxo para a população local.
Mesmo assim, Túmulo dos Vagalumes brinca sorrateiramente com o psicológico do espectador em inserir momentos de esperança. Como em qualquer relação saudável, Seita, sendo o irmão mais velho tenta manter as esperanças de sua irmã mais nova, Setsuko. Uma criança cuidando de uma criança ainda menor. Algo que A Vida é Bela, de 1997, também usaria, mas no contexto de pai e filho nos Campos de Concentração. Acontece que esses momentos de esperança são despedaçados pela realidade. Até que ela simplesmente aparece. O filme ainda conta com metáforas profundas, como a morte no contexto da guerra, seja de soldados ou civis, e os vagalumes do título que vivem tão pouco. Mesmo sabendo nos primeiros minutos do filme qual será o destino dos personagens, o espectador não estará preparado de forma alguma quando ele surge, incólume na tela.
#2 GEN PÉS DESCALÇOS, OU O PINGUINHO DE ESPERANÇA.
Túmulo dos Vagalumes se foca mais nas adversidades da guerra do que no uso do armamento nuclear. Diferente é o caso de Gen Pés Descalços, filme de 1983 baseado no mangá biográfico de Keiji Nazakawa. Sim, você não leu errado. Nazakawa foi um dos sobreviventes ao ataque a cidade de Hiroshima, no dia 05 de Agosto de 1945. E é por isso que Gen Pés Descalços se foca no desastre da explosão e suas consequências. Isso sob a ótica de uma criança que observa as piores cenas possíveis. E quando digo piores, é simplesmente a desintegração de pessoas pela explosão. Ou os efeitos das queimaduras em quem sobreviveu e até mesmo a região contaminada, que proíbe que qualquer coisa seja ingerida, de água até os alimentos. Mais para frente na narrativa, temos uma semelhança com o filme antecessor.
Afinal, em uma terra arrasada, a busca por recursos se torna necessária para a sobrevivência, mesmo que com a perda de amigos e familiares. Mesmo assim, Hadashi no Gen (はだしのゲン), como é conhecido no Japão, não abandona a esperança de dias para um futuro melhor. Mesmo com uma terra destruída e que muitos diziam que nada poderia florescer, semanas depois de suas provações, Gen observa algumas mudas de trigo crescerem naquele ambiente inóspito. Um claro sinal de que mesmo ali pode haver alguma tipo de vida e beleza. Até mesmo a soltura de uma lanterna de papel é uma espécie de homenagem a todas as almas que partiram. No Japão, no Festival Bon (entre Julho e Agosto), essa cerimônia guia as almas dos falecidos para o mundo espiritual. Acontece que essas águas marcam o nosso terceiro filme, Godzilla: Minus One.
#3 – GODZILLA: MINUS ONE, OU O MEDO EM FORMA DE KAIJU.
Vencedor no Oscar de 2024 da categoria de Melhores Efeitos Especiais, Godzilla: Minus One não é uma pasteurização da criatura pelos estadunidenses. Na verdade, é tão raiz quanto os seus primeiros longas, produzidos ainda na década de 50, logo depois da Segunda Guerra Mundial. Em uma nação marcada pelo medo da partida do átomo, Godzilla nada mais é do que a personificação desse medo tecnológico. E dos estragos que ela pode causar. Em Godzilla: Minus One, a mutação que levou a criação do Kaiju mais conhecido do cinema se deu nos testes da Operação Crossroads, próxima do Atol de Bikini. No entanto, após alguns acidentes, Godzilla retorna na verdade em 1947, agora no contexto da Guerra Fria. Diferente dos Godzillas de 2014 e 2019, filmados em Hollywood, esse Godzilla é pura fúria e ódio. Um pinsher gigante.
Claro que, como todo filme de criatura gigante, há um núcleo de personagens humanos. Porém, esses são trabalhados por japoneses, que conseguem como ninguém trazer a sensação de desolação e reconstrução de suas vidas após os eventos devastadores da Guerra. Godzilla é então esse saurópode com poderes radioativos e um raio incinerador capaz de acabar com uma cidade ou uma guarnição inteira com apenas um de seus sopros. Porém, diferente do que se espera, a criatura não é um vilão em sua essência, mas por representar a tecnologia usada contra seus próprios autores, o Japão. Não por menos, durante todo o longa, Godzilla acaba sendo o pensamento do retorno daquele período tão catastrófico. Uma espécie de pesadelo ambulante. Essa é a mensagem de Gojira Mainasu Wan (ゴジラ-1.0マイナスワン), o nome japonês do filme. E quicá de quase toda a franquia Godzilla.
TRÊS LONGAS COM O OLHAR JAPONÊS DO PÓS GUERRA.
Com Túmulo dos Vagalumes, Gen Pés Descalços e Godzilla: Minus One, o espectador estará suficiente enquadrado em uma outra ótica sobre os eventos da Segunda Guerra Mundial. Em especial o uso das Bombas Atômicas em Hiroshima e Nagasaki, no mês de Agosto de 1945. Como dito, Oppenheimer, o filme quase biográfico do inventor da bomba atômica de 2023 pode ter alcançado a glória cinematográfica, mas é apenas um lado de uma moeda muito mais complexa do que seu roteiro pode mostrar. Como mídia, é respeitado. Agora, como conteúdo histórico, é questionável. Algo que sempre é visto na história é na produção de cultura. Os três filmes dessa Lista justamente partem de uma premissa diferente e distinta do público ocidental, o sofrimento do povo japonês e as marcas deixadas pela guerra mais mortal já produzida pela humanidade.
Claro que o sofrimento de um povo não inibe seus vícios para com seus semelhantes. Assim, a dor e a angústia apresentada neste grupo de filmes não apaga as marcas do Japão na Península Coreana e na Indochina durante seu período Imperial. O Massacre de Nanquim pode não ser tão vislumbrado no Ocidente quanto o Estado Livre do Congo ou o próprio Holocausto, mas impossível este evento não ser mencionado como um dos mais perturbadores períodos da História do Japão. Mesmo assim, o uso de bombas atômicas é um momento de inflexão não somente na história da guerra e da humanidade, como bem evidente, deixa marcas que até hoje não podem ser esquecidas. E os filmes, como componentes culturais são uma das fontes para não se esquecer do que aconteceu.