QUEM QUER BRINCAR? CHEGOU A HORA DO PIQUE-ESCONDE!
O casamento é uma cerimônia milenar. Datada pelo menos da época fértil da Mesopotâmia, essa celebração é vista como um rito de passagem emocionante. E, não por menos, pode ser usada como a premissa de um longa de terror, gênero acostumado à subversão. Afinal, o ato de dormir já se transformou em algo aterrador com A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984). Da mesma forma que a leitura de um livro em A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead: Rise, 2023). Em Casamento Sangrento, Ready or Not em inglês, filme de 2019, o espectador acompanha o casamento de uma jovem com o herdeiro de uma família extravagante. Em sua noite de núpcias, eles devem jogar um jogo, o Pique-Esconde. O problema é que tudo isso é um ritual demoníaco com um humor desconcertante produzido pela antiga Fox Searchlight Pictures e disponível na Netflix.
ACREDITE, O ROTEIRO É INVENTIVO MESMO QUE SE PAREÇA SIMPLES:
Pode soar estranho, mas o primeiro ponto que se sobressai em Casamento Sangrento é o seu roteiro inventivo, construído por Guy Busick. Ele também foi responsável por Abigail (2024). Na verdade, as duas películas guardam similaridades. Desde o primeiro ato, é possível sentir que a família Le Domas, uma poderosa linhagem de produtores de brinquedos, é estranha. Claro que esse fato pode soar pela diferença de classe social da noiva, julgada como interesseira. A questão é que, após a celebração, Casamento Sangrento parte para um jogo de pique-esconde. Mas que, na verdade, se trata de uma oferenda para o Sr. Le Bail, um anagrama criativo para o nome Belial, um demônio, que se subentende ser responsável pela fortuna dos Le Domas. É então que o filme se torna um título de plena caçada, com doses cavalares de sangue para todos os lados em uma enorme mansão.
Muito da estrutura de Casamento Sangrento é sustentado pela noiva Grace (Samara Weaving). O roteiro oferece momentos diversos para a personagem que vão desde o pânico e desespero até a raiva e ódio, utilizados com mestria pela final girl. Ademais, todo o corpo coadjuvante é histriônico, o que poderia ser um defeito se o filme não se comportasse como algo megalomaníaco. Tony Le Domas (Henry Czerny), o pai do noivo, a cada dez minutos xinga em desespero, enquanto a irmã Emile (Melanie Scrofano) é uma viciada em cocaína que não consegue disparar uma arma. A questão é que, em filmes normais, todos esses personagens poderiam ser estereotipados. Contudo, desde o início, Casamento Sangrento é um filme de excessos interpretativos e de estrutura, algo típico do terrir e de outros títulos, como Arraste-me Para o Inferno (Drag Me To Hell, 2009).
UMA MANSÃO MACABRA, QUE SÓ FICA AINDA PIOR COM A TRILHA SONORA:
Em parte de seus termos técnicos, o longa também é igualmente competente. A sonoplastia de Brian Tyler, que trabalhou com os diretores em Pânico VI (Scream VI, 2023), é fundamental em unificar melodias clássicas de vinil e faixas mais modernas. Além disso, sons ambientais complementam a criação de expectativa e a imersão do espectador. Junto da trilha de Tyler, o uso de efeitos práticos cria ainda mais vida em um longa tão sanguinário, indo no mesmo caminho de Alien: Romulus (2024). Essa plasticidade, mais uma vez, é excessiva. Porém, a comédia contida em Casamento Sangrento acaba sendo o fator de permissão para que esse upgrade possa ser acrescentado em toques nada amistosos durante a narrativa. Essa interação de gêneros tão distintos parece se acomodar nos 96 minutos de duração do título. Isso é mais do que o suficiente e não cria confusões com o roteiro.
Não menos importante, nada seria possível se a direção também não soubesse criar a expectativa necessária com suas câmeras. E, de fato, ela é bastante agradável para o gênero terrir pelas mãos de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett. Se, por um lado, o roteiro entrega em diversos momentos as quebras de expectativas e mantém a ação constante. Por outro, a partir do segundo ato, da mesma forma que a evolução da protagonista, a direção aperfeiçoa as cenas. A mansão dos Le Domas, onde praticamente toda a história é contada, é um elemento vivo na narrativa. Seus imensos corredores e passagens secretas demonstram, desde o primeiro momento, que existem segredos como se aquilo fosse uma sociedade secreta. Embora elegantes, misteriosos e com uma edição rápida que inibe momentos de despersonalização, Casamento Sangrento acaba tendo um pequeno defeito em sua parte técnica. É a fotografia extremamente escura.
SE NÃO FOSSE A ESCURIDÃO, A AÇÃO SERIA MAIS COMPENSADORA:
Claro que não era possível produzir uma película de terror à luz do dia. Não é comum. Porém, a arquitetura da mansão e a construção das cenas são impactadas pela fotografia de Brett Jutkiewicz, que abusa das sombras ao ponto de que, em determinados momentos, se torna apenas um borrão negro. É o caso de algumas sequências que ocorrem na floresta e nos jardins da mansão. Entende-se que a ideia do escuro, desde os tempos imemoriais, é a de guardar perigos. É o que ocorre em No Cair da Noite (Darkness Falls, 2003) e Alone in The Dark (2005). Porém, ela acaba sendo um problema que impacta, da mesma forma que a Longa Noite fez com Game of Thrones (2011 – 2019). Seria mais sensato se o filtro da escuridão estivesse melhor calibrado, para que a mansão fosse apreciada em sua imensidão e que, alguns momentos de ação não fossem apagados.
Mesmo apresentando esse pequeno defeito, Casamento Sangrento reúne, em um único espetáculo, tudo que é possível visualizar no terrir. Ou seja, uma comédia nada convencional com doses altíssimas de gore e momentos de ação escancarados. Seu roteiro é inventivo por subverter elementos tradicionais. Ao mesmo tempo, quebra a expectativa na ação dos personagens e da evolução da protagonista, que vai de noiva indefesa para sobrevivente sem pudor. A família Le Domas é digna dos maiores pontos de comédia, e acabam criando certa simpatia pelos seus excessos, contrastando com suas ações sanguinárias e desprezíveis. Esse exagero desproporcional é perfeitamente recebido em Casamento Sangrento, guiado sem dúvida pela personagem de Weaving. A narrativa só consegue fluir de maneira satisfatória pela ligação interessante do bom roteiro com uma excelente atuação. Uma dupla que não é comum em filmes do gênero, que merecem aplausos quando ocorre.
COMO TERRIR, CASAMENTO SANGRENTO É UMA ÓTIMA EXPERIÊNCIA:
Na área mais técnica, com exceção da fotografia, Casamento Sangrento também se destaca. O uso de efeitos práticos e a contenção de efeitos especiais, usados no terceiro ato, criam uma atmosfera mais visceral. Ao mesmo tempo, a trilha sonora de Tyler chega para contrastar uma brincadeira infantil com o assassinato. Não há dúvidas de que dentro do terrir, que conta com Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, 2004) e O Segredo Da Cabana (The Cabin in The Woods, 2011), Casamento Sangrento é um título de peso. Em outras palavras, o filme é extremamente competente em suas ações e divertido na medida certa. O longa sabe exatamente quando acrescentar cenas cômicas sem perder a imagética do terror, e acrescentando uma crítica social inusitada em relação aos trejeitos de famílias mais abastadas. Sem dúvida, elas sempre guardam os segredos, muitas vezes sendo um pacto satânico.
Números
Casamento Sangrento (Ready or Not)
Para algumas pessoas, o casamento é um sonho. E, pelo menos, era para Grace. Noiva do herdeiro da rica e extravagante família Le Domas, em sua noite de núpcias, ela é obrigada a jogar pique-Esconde. Que, na verdade, se trata de um ritual sanguinário em que ela se torna a oferenda de um pacto diabólico com bastante humor.
PRÓS
- Roteiro tem o seu momento de inovação ao subverter a ideia de casamento como um rito de passagem feliz, mesmo com o ambiente indicando algo errado.
- A atuação da protagonista é o condão de guiar a estrutura do filme. Mesmo histriônicos, os coadjuvantes servem aos seus propósitos caricatos e simpáticos.
- A sonoplastia como um todo trabalho de maneira firme com a direção do longa, estabelecendo um ambiente gigante, mas que parece pequeno tamanho a opressão.
- O uso de efeitos práticos em detrimento dos efeitos especiais rendem cenas de extremo gore divertidas e impactantes, mesmo sem perder o tom de humor de seu texto.
- A narrativa é rápida, e com um roteiro bem construído, a história se desenrola sem grandes problemas e com momentos de ação que transformam a protagonista.
- A diversão se encontra na qualidade. A união de terror com o humor, através do terrir, é muito bem representada por seus excessos.
CONTRAS
- A fotografia abusa da escuridão. Tudo bem que se trata de um filme de terror. Porém, algumas cenas ficam imperceptíveis.
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