TREVAS AMEAÇADORAS, OUÇAM O MEU APELO:

Um ano depois da revitalização de uma das mais nobres franquias da Hanna-Barbera, a Mistério S/A voltava novamente com uma aventura onde o vilão mascarado não era apenas uma pessoa de carne e osso. Após um passeio relaxante na Louisiana da Ilha Moonscar de Scooby-Doo, na Ilha dos Zumbis (Scooby-Doo on the Zombie Island – 1998), foi a vez dos ares de outono da Nova Inglaterra. Essa é a mesma terra que condenou um grupo de mulheres por bruxaria nos Julgamentos de Salém. No meio desse mito está Sarah Ravencroft, um antepassado do escritor de horror Ben Ravencroft que, supostamente, foi condenado por atos de bruxaria. Essa é a aventura de Scooby-Doo e a Bruxa Fantasma (Scooby-Doo and the Witch’s Ghost – 1999) em que Fred, Daphne, Velma, Salsicha e Scooby terão de desvendar esse mistério com direito a música de ecogóticas e aparições assustadoras.

JOGAR UM FEITIÇO EM ALGUÉM PARECE SER BEM DIVERTIDO EM SCOOBY-DOO:
Como parte da parceria formada pela Hanna-Barbera e o estúdio japonês Mook Animation, temos uma das melhores animações para um filme de Scooby-Doo. Com uma paleta mais colorida que seu antecessor, mas com a lembrança de seus traços, A Bruxa Fantasma cria uma ambientação típica da Nova Inglaterra puritana. Uma versão cartunesca e sem o bode falante de A Bruxa (The Witch – 2015). Não somente isso, mas seus personagens secundários têm traços definidos e personalidades próprias. É o caso do grupo formado por Thorn, Dusk e Luna, as Hex Girls, detentora de uma trilha sonora ímpar. Essa combinação, mesmo que em uma estrutura batida de investigação com toque sobrenatural, acaba não sendo cansativa justamente por seus personagens conhecidos e carismáticos. E de fato, não há um único, dos protagonistas ao antagonista, que não use bem o seu tempo de tela.

Obviamente, é em Salsicha e em Scooby-Doo que paira o tom de comédia, mesmo com fantasmas prontos para transformar qualquer um em pó. A fome infinita de ambos é contraposta à sua necessidade de correr diante do perigo. Ao mesmo tempo, Fred, Daphne e Velma são o ponto racional da gangue, funcionando como o momento Sherlock Holmes de A Bruxa Fantasma. Um grupo enorme de suspeitos é apresentado, enquanto a lenda local reverbera em dinheiro e prestígio. Acontece que a grande jogada de A Bruxa Fantasma é se alternar entre a racionalidade e o sobrenatural. Se uma parte do mistério é resolvida ainda no segundo ato do filme, logo surge um elemento que leva ao encontro do verdadeiro fantasma. Em uma análise fria, A Bruxa Fantasma conta com duas histórias, uma mais humana e tradicional aos eventos de Scooby-Doo, e outra com os contornos típicos de terror.
O MISTÉRIO CONTINUA, AGORA NA NOVA INGLATERRA DE O MUNDO SOMBRIO DE SABRINA:
Assim como Na Ilha dos Zumbis e seus sucessores, Scooby-Doo e os Invasores Alienígenas (Scooby-Doo and the Alien Invaders – 2000) e Scooby-Doo e a Caçada Virtual (Scooby-Doo and the Cyberchase – 2001), A Bruxa Fantasma tem um lado espiritual legítimo. Sarah Ravencroft tem sua história revelada, sendo de fato uma bruxa. Seu livro de cura, na verdade, se trata de um livro de feitiços. Essa mudança, ou melhor, mutação do mal para o bem, existe em Rogai Por Nós (Unholy, 2021). Mas é claro que no filme da Mistério S/A há uma maior diversão. Afinal, A Bruxa Fantasma não se disfarça de Virgem Maria. Ela é malvada e busca acabar com aqueles que a aprisionaram em seu livro. Porém, mesmo tendo invocado as trevas ameaçadoras, Ben é deixado em segundo plano pela imponência da verdadeira vilã do filme.

A direção, a cargo de Jim Stenstrum, é eficiente. Ele foi o responsável pela série 13 Fantasmas de Scooby-Doo (The 13 Ghosts of Scooby-Doo – 1985). Porém, em comparação com o seu antecessor, percebe-se uma diferença. Enquanto Na Ilha dos Zumbis o mistério atinge todo o tempo da tela, em A Bruxa Fantasma existem momentos que marcam uma aventura típica de uma animação infantil, com momentos de terror. Durante os 66 minutos de sua duração, o filme é perspicaz em trazer uma aventura agradável de assistir. Que se torna ainda melhor com a dublagem do Brasil. Aliás, o trabalho dos estúdios brasileiros com dublagem é reconhecido mundo afora, e em Scooby-Doo não foi diferente. Não se trata de apenas tradução, mas localização. Esse trabalho é capaz de criar uma identidade que, especialmente ao público infantojuvenil, encanta.
UMA DIVISÃO QUE PODERIA SER MELHOR ESTUDADA:
Se, em termos técnicos e de personagens, A Bruxa Fantasma mantém nas alturas essa revitalização de Scooby-Doo, por outro, não há como falar de questões de inovação e do próprio roteiro, que é inferior ao seu antecessor. No primeiro aspecto, a inventividade, é visível que o sucesso de Na Ilha dos Zumbis fez com que a Warner Bros. não deixasse margem para a criatividade dos idealizadores em uma futura sequência. Se observa os mesmos argumentos apresentados no filme anterior. Um personagem convida a gangue para umas férias ou para conhecer um lugar que possui um mistério. Só que essa pessoa, mais adiante, é um antagonista. A Bruxa Fantasma troca o deus gato e suas sacerdotisas por uma feiticeira, mas todo o argumento de jornada é o mesmo. Isso funciona em séries episódicas, como Sobrenatural (Supernatural 2005-2020), mas não no mundo do cinema.
O outro aspecto, o seu roteiro, pode até inovar no conceito de monstro de mentira com o monstro de verdade. Porém, se torna perceptível uma quebra justamente por essa amarração do estúdio. Sendo um protótipo extremamente sombrio, Na Ilha dos Zumbis tinha liberdade criativa para inventar além do planejado. A Bruxa Fantasma não. Sua primeira metade tem uma cadência que o leva a acreditar na inexistência do místico. Isso se deve ao roteiro inicial de Rick Copp, David Goodman e Davis Doi que aproximava o filme da série clássica de Scooby-Doo. Porém, na última metade, Glenn Leopold, o roteirista do filme anterior, foi chamado e somente então que o conflito com Sarah Ravencroft ganha o público. Pessoas distintas acabam criando histórias distintas, e A Bruxa Fantasma tem dois filmes em um. Existe uma interligação, mas esse encaixe não é perfeito.

SCOOBY-DOO E A BRUXA FANTASMA É UM PARQUE DE DIVERSÕES NA NOITE DE HALLOWEEN:
De maneira geral, Scooby-Doo e a Bruxa Fantasma é uma aventura extremamente divertida de Scooby e sua trupe. Mesmo que episódico, o filme apresenta uma das mais belas animações da franquia. Fruto do trabalho da Mook Animation, ainda na técnica tradicional de animação. Com uma paleta mais vibrante que a anterior, a atmosfera de mistério ainda se faz presente. Na sonoplastia, temos uma das trilhas mais marcantes de toda a franquia. Além disso, a divisão do mistério principal vem como um afago que altera um pouco o comportamento da narrativa linear. Acontece que os encaixes, em especial com o terceiro ato, não são contundentes, e no fim das contas, há uma cartilha seguida da introdução até o desfecho. A criatividade foi deixada de lado. Mesmo com esses defeitos, a direção do filme é consistente e A Bruxa Fantasma entra no rol das melhores animações da Mistério S/A.
Números
Scooby-Doo e a Bruxa Fantasma (Scooby-Doo and the Witch's Ghost) - 1999.
Passando férias na pacata cidade de Oakhaven, na Nova Inglaterra, Scooby-Doo e sua equipe tem mais um mistério a solucionar. Acontece que, mesmo com um pé na realidade, o feitiço se volta contra o feitiço e a verdade é bem mais macabra e vingativa.
PRÓS
- A paleta de cores é bem mais vívida, mas é o suficiente para manter a atmosfera sombria que faltava em Scooby-Doo
- O trabalho da Mook Animation continua um primor, e sua trilha sonora é imbatível com a presença das Hex Girls.
- A direção é prudente de manter seus dois mistérios principais dentro da expectativa, com poucos aborrecimentos.
- Divertido, A Bruxa Fantasma se encaixa em Scooby-Doo como uma luva, em especial pelo seu lado místico verdadeiro.
- A produção segue ainda mais a consistência de um filme Scooby-Doo, alinhando mistério com uma comédia infantojuvenil.
CONTRAS
- Analisando friamente, o filme se apresenta como algo episódico, tendo os mesmos argumentos de seu antecessor.
- Por mais que tenha uma certa inventividade a questão da dicotomia realidade e ficção, é visível que o encaixe da narrativa é falho.
Galera, só passando pra avisar que, por questões editoriais, estamos deixando aos poucos o X. Afinal, não é possível questionar uma rede social e se manter nela sabendo que existem similares. Desta forma, optamos pelo Bluesky. Além deles, também começamos a colocar as nossas coisas no Threads e no Youtube. Então, agradecemos se quiserem dar aquela olhada e seguir tudo isso e mais um pouco.
Bluesky: https://guarientoportal.bsky.social
Threads: https://www.threads.net/@guarientoportal
Youtube: https://www.youtube.com/@guarientoportal