QUANDO A HISTÓRIA VIRA UM JOGO ÉPICO DE NOME GHOST OF TSUSHIMA:
Eventos históricos têm servido como fonte inesgotável de inspiração para os videogames. Essa prática é mais evidente em jogos de estratégia, mas que se estende a diversos gêneros. Estúdios ao redor do mundo transformam fatos em experiências interativas envolventes, agregando política e história em suas narrativas. A Ubisoft, por exemplo, ambientou Valiant Hearts: The Great War (2014) na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e levou jogadores à Florença renascentista em Assassin’s Creed II (2009). Já a desenvolvedora americana Sucker Punch trouxe um raro e respeitoso olhar ao Japão feudal com Ghost of Tsushima (2020), cuja ambientação vai muito além da estética. Ela mergulha diretamente em um episódio marcante da história japonesa, a Primeira Invasão Mongol, ocorrida em 1274.
NAQUELE TEMPO, O IMPÉRIO MONGOL ERA O MAIOR DE TODOS OS INIMIGOS:
Neste período, a ilha de Tsushima foi o primeiro alvo das forças mongóis lideradas por Kublai Khan (1215–1294), neto de Genghis Khan (1162-1227). O Kanato já havia dominado a China, a Coreia e empreendido uma vasta conquista até chegar às portas de Viena, na Áustria. Com cerca de 900 embarcações e mais de 20 mil soldados, os mongóis iniciaram uma ofensiva ambiciosa contra o arquipélago japonês. A ilha, localizada entre a península coreana e o Japão, possuía importância estratégica como posto avançado de defesa. Governada pelo Clã Sō, Tsushima tentou resistir com um contingente modesto, mas foi brutalmente derrotada. Confronto este que marcou o início de uma série de tentativas mongóis de subjugar o Japão. Porém, sem sucesso.

Aperfeiçoando essa narrativa com elementos ficcionais, Ghost of Tsushima tem como pano de fundo esse evento histórico real. O jogo reimagina a resistência por Jin Sakai, um samurai que se transforma no “fantasma” disposto a tudo para proteger sua terra natal. Se questionando até mesmo de seu Xogum e de seus valores. Embora Jin não tenha existido, ele simboliza os guerreiros japoneses que enfrentaram a invasão com coragem, honra e sacrifício. A decisão da Sucker Punch em criar um protagonista fictício é correta. Isso permitiu liberdade criativa para construir um enredo emocional e introspectivo, sem comprometer a fidelidade cultural e histórica. Que, junto do desempenho gráfico e design de produção, torna deslumbrante a passagem por Tsushima em busca de vingança.
TSUSHIMA É MÍSTICA. E ELA É MUITO BEM REPRESENTADA EM GHOST OF TSUSHIMA:
Dessa forma, elementos como o bushidō, o código de conduta dos samurais, as técnicas de combate com katana, os conflitos morais entre honra e sobrevivência, e o próprio sentimento de pertencimento à terra, estão fortemente presentes no jogo. Essa reconstrução cuidadosa foi amplamente elogiada no Japão, a ponto de os criadores do jogo, Nate Fox e Jason Connell receberem homenagens oficiais da prefeitura de Tsushima, na província de Nagasaki. Um reconhecimento raro, especialmente considerando que se trata de uma produção ocidental. Não é só a invasão, mas Ghost of Tsushima tem inspirações em filmes chanbara, gênero comum do cinema japonês. Nem mesmo a trilha sonora escapou. Ilan Eshkeri foi o responsável por incluir o gagaku e os cantos busditas shōmyō no jogo.

Além da precisão histórica, a narrativa ainda incorpora mitologia e simbolismo. Uma forma de destacar o excelente estudo da região e de sua cultura. Como deve realmente acontecer. A tempestade que destruiu parte da frota mongol, conhecida como kamikaze, ou “vento divino” é tratada como uma intervenção divina na tradição japonesa. Para muitos, foi a própria natureza que salvou o país da conquista. Mesmo que Tsushima tenha caído. Aliás, a ilha tem seu encanto mitológico. Não por acaso, ela é também considerada uma das primeiras ilhas criadas pelos deuses Izanagi e Izanami, segundo o Kojiki, o mais antigo registro mitológico do Japão. Servir como defesa da invasão mongol era como se os próprios deuses protegessem o Japão por meio de Tsushima.
É UM ESPETÁCULO EM FORMA DE JOGO, E COM SENSIBILIDADE:
Dessa forma, Ghost of Tsushima transcende o entretenimento. É uma ponte entre o passado e o presente. Entre a ficção e os registros históricos. Em tempos em que muitas obras ignoram ou distorcem as culturas que retratam, o jogo se destaca como exemplo de respeito, pesquisa e sensibilidade artística. Ao invés de caricaturar o Japão feudal, Ghost of Tsushima o reverencia e o transforma. De um momento trágico da história, como o de uma invasão, temos uma experiência interativa memorável e esteticamente deslumbrante. Onde até mesmo o pôr do sol tem sua diferença, assim como os campos de arroz. Não por menos, sua qualidade em todos os quesitos rendeu prêmios como o de melhor jogo do ano no Japão em 2020.
- Ghost of Tsushima foi publicado originalmente pela Sony Interactive para PlayStation 4. Ganhou um upgrade gratuito para o PlayStation 5. Logo depois, teve uma versão do diretor para a Steam. Um modo multiplayer surgiu tempo depois. Após o sucesso de crítica e de público, o jogo se tornou uma franquia com o anúncio de Ghost of Yotei (2025), título do PlayStation 5 com lançamento em outubro de 2025. Ao invés de Tsushima, Yotei se passa em Hokkaido, a ilha do norte do Japão que baseou Hisui e Sinnoh, as regiões de Pokémon Legends Arceus (2022) e Pokémon Brilliant Diamond e Shining Pearl (2021), jogos do Nintendo Switch.