Quem passa pelo Guariento Portal, sabe que aqui é possível encontrar Reviews, das mais variadas, assim como Curiosidades e Listas dentro do mundo dos games. Entretanto, há uma óbvia distância. Afinal, ninguém aqui é desenvolvedor de games ou um produtor de filmes. E pensando em evolução, que nem ocorre em Pokémon, partimos em busca de parcerias, e conseguimos. Tempos atrás, falamos sobre games que usam o Acidente Nuclear de Chernobyl, ocorrido na Ucrânia em 1986. Agora, vai ao ar a entrevista com Andrei Hanganu, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Atypical Games, responsável por títulos como Radiation City e Escape from Chernobyl, disponível em dispositivos mobile e no Nintendo Switch. Aqui, entre os assuntos, discutiu-se o mercado mobile, o desenvolvimento de games e os planos para o futuro da Atypical Games. Curiosos? Então veja nossa primeira entrevista aqui no Guariento Portal.
Para a entrevista, além do Sr. Andrei Hanganu, participaram do lado do Guariento Portal, Vítor Hugo Guariento, fundador do Portal, e Zakarias, redator. A entrevista foi originalmente produzida em inglês e traduzida, visto que majoritariamente os leitores e leitoras do site são em língua portuguesa. Para os desaviados, a Atypical Games é uma desenvolvedora com sede em Bucareste, capital da Romênia com endereço também em São Francisco, nos Estados Unidos. Além de Radiation City e Escape from Chernobyl, que iniciaram a discussão para essa entrevista, a desenvolvedora também é responsável por outros títulos, como Sky Gambler – Air Supremacy 2 e Infinity Tanks – WWII, ambos para o Nintendo Switch. Assim, agradecemos de antemão a disponibilidade do Sr. Andrei Hanganu e desejamos todo o sucesso para o time da Atypical Games e pelo intercâmbio cultural feito entre a Romênia e o Brasil. Agora, sem mais delongas e devaneios, a Entrevista.
Entrevista com o time da Atypical Games.
[Vítor]: Primeiramente, em nome do Guariento Portal é um prazer conhecer vocês e agradecemos o tempo que vocês empenharam nesta entrevista. O Guariento Portal é um site brasileiro com foco em games, filmes e curiosidades em geral. A Atypical Games é o estúdio de desenvolvimento de games que vai inaugurar o nosso novo quadro de entrevistas. Muito obrigado por esta parceria. Falo em nomes dos outros membros que não puderam estar presentes, e o Zaka que está aqui e que vai ajudar nas perguntas.
[Zaka]: Olá a todos! Gostaria de registrar que é uma honra poder conversar com desenvolvedores talentosos como vocês. É sempre bom poder ter esse intercâmbio cultural e poder agregar na nossa vida, um conhecimento tão valioso quanto o de vocês. Logo de início, queremos agradecer muito pela disposição do estúdio em nos responder, e já desejar todo o sucesso do mundo e que vocês cresçam ainda mais e sejam sempre reconhecidos pelo ótimo trabalho!
Chernobyl, a história para o desenvolvimento de um game.
[Vítor]: Bem, a primeira pergunta dessa entrevista tem que ser sobre Chernobyl. A Atypical Games desenvolveu Escape from Chernobyl, um survival horror para mobiles e com um port no Nintendo Switch. Mas essa não foi a primeira vez que usaram o acidente nuclear de 1986. Vocês também fizeram Radiation City para as mesmas plataformas. Assim, como surgiu a ideia de não um, mais dois games baseados neste acontecimento?
[Andrei – Atypical Games]: A origem dos jogos na verdade remonta a Radiation Island [game de 2015]. Com ele, queríamos criar um jogo de sobrevivência sério para dispositivos mobile, mas mantivemos a tendência medieval e, sendo honesto, algo mais barato. Isso meio que criou a premissa em termos de tecnologia e mecânicas para Radiation City e Escape of Chernobyl. Os jogos foram pensados inicialmente como um game único, a aventura na cidade terminaria com um capítulo final na usina e as histórias estão de fato conectadas. Você está lá para encontrar sua esposa desaparecida. Acabamos tendo dois games porque naquela época os limites de tamanho dos aplicativos para iOS e Android não nos permitiam enviar o projeto em seu tamanho normal. O game original era muito grande. É por isso que terminamos com dois projetos. Em relação ao que trouxe a ideia; em primeiro lugar, são muitas coisas.
Somos fãs dos livros dos irmãos Strugatsky, cresci com o jogo e o filme S.T.A.L.K.E.R. e Roadside Picnic [Piquenique na Estrada em português] é provavelmente um dos meus livros favoritos. Sabíamos que não poderíamos atingir uma produção AAA, mas buscamos uma vibração semelhante nas restrições do mundo móvel. Em termos de Chernobyl, exatamente, é uma mistura de sentimentos contraditórios. Somos o que chamamos de geração de Chernobyl. Éramos muito jovens quando aconteceu e, embora fôssemos muito jovens, há definitivamente uma marca cultural ali. Não posso dizer que tenho memórias, mas foi algo que marcou definitivamente uma geração. Tudo o que se desenrolou em torno disso, o mistério, o lado romântico da mãe natureza recuperando a zona de exclusão, a cidade fantasma de Pripyat, há algo que nos marcou.
Criação de um game: como foi dar os primeiros passos…
[Vítor]: Ainda nessa questão de desenvolvimento, vocês tiveram a ideia de usar o caso de Chernobyl. Como foi o estudo para o desenvolvimento? Pois pelo que nós vimos, vocês conseguiram recriar com perfeição a planta baixa da Usina em Escape from Chernobyl e os principais pontos de Pripyat, como o parque de diversões abandonado com sua icônica roda gigante e o Hotel Polyssia em Radiation City. Vocês visitaram Pripyat?
[Andrei – Atypical Games]: Engraçado você perguntar isso. Nenhum de nós conseguiu chegar em Chernobyl, mas tivemos um membro da equipe que realmente reservou uma viagem para lá. Infelizmente, acabou sendo cancelada. Posso dizer que visitar não é tão fácil. O estudo [para o desenvolvimento] em si foi fácil, na verdade. Como é um local e um evento muito romantizado, há muitas referências. Posso dizer que usamos muitos mapas online e encontrar a planta baixa da usina é fácil. Estudamos tudo o que pudemos encontrar, desde modelos de artistas até outros jogos, fotos e plantas baixas. No começo, na verdade, sonhamos em tentar recriar uma réplica 1:1 perfeita da cidade e da usina, mas isso se mostrou inviável. Não é tão fácil encaixar um jogo e uma jogabilidade dentro de um espaço adequado para propósitos totalmente distintos.
A questão do custo no desenvolvimento e na produção.
[Zaka]: A Atypical Games tem como foco o desenvolvimento de games para mobile. Nós vimos isso em seu site oficial. Porém, acreditamos que no mundo capitalista, há também a preocupação de vendas para cobrir os custos de produção e gerar lucro. Como vocês pensam esse aspecto dentro da produção de um game? Seria algo tranquilo? Afinal, sabemos que existem games com ótimas notas, mas que acabam não vendendo tanto.
[Andrei – Atypical Games]: Oh, nós sabemos muito bem sobre isso. Nós enviamos muitos jogos. Apenas um punhado deles foi de grande sucesso. Se não tivéssemos um bom relacionamento com a Apple e não tivéssemos os jogos promovidos dentro das lojas, provavelmente não estaríamos tendo esta entrevista. Administrar um estúdio na Romênia é definitivamente mais barato do que em San Francisco. Isso ajudou muito a tornar os jogos lucrativos ou zerar o custo de produção. Como em um estúdio independente, todo projeto é uma pequena aposta e você só pode arcar com alguns fracassos. Naquela época as coisas eram um pouco mais fáceis, pelo menos para nós. Se você criasse valor suficiente em um jogo, havia uma audiência para ele. Também foi na época em que todo mundo estava correndo em direção ao boom do free-to-play, porém mantivemos as nossas concepções. Isso permitiu que as coisas ficassem sustentáveis.
A diferença entre desenvolver no mobile e nos consoles.
[Zaka]: Aliás, mesmo com o foco da produção em games mobile, nós falamos que a Atypical desenvolveu ports para o Nintendo Switch dos já citados Radiation City e Escape from Chernobyl. Então, qual a maior diferença entre desenvolver conteúdo para dispositivos mobile e para consoles de maneira geral, mesmo que o Switch seja um híbrido entre portátil e console?
[Andrei – Atypical Games]: O que posso dizer sobre o Nintendo Switch é que ele salvou a empresa. As receitas móveis estavam diminuindo naquela época e as coisas pareciam bastante sombrias. A primeira coisa adorável sobre o Switch é que ele é compatível com OpenGL. Os outros consoles geralmente executam suas próprias APIs gráficas e o Switch também possui as suas próprias, mas o suporte ao OpenGL fez com que o port parecesse fácil. Em termos de maior diferença entre dispositivos, em vez de segmentar os diferentes tamanhos de telas e desempenhos, você tem um padrão ouro. Isso facilita muito a vida.
E segmentar um dispositivo focado em jogos também traz muito alívio em termos de interações. Os controles também fazem uma grande diferença para o nosso tipo de jogo. Sempre pensamos que nossos jogos de simulação de voo eram melhores para dispositivos mobile, pois você poderia usar o giroscópio do dispositivo e não manter as mãos na tela o tempo todo. Com games de sobrevivência é diferente, esse é um lado do qual não éramos grandes fãs.
O relacionamento para a distribuição de games no Nintendo Switch.
[Vítor]: Pegando a pergunta do Zaka para continuar, os dois games que falam de Chernobyl foram portados para o Nintendo Switch. Isso logicamente abre um mercado de consumidores além daquele dos dispositivos mobile. Porém, foi fácil produzir esse port? Como foi o relacionamento com a Nintendo para que fossem possíveis tais lançamentos?
[Andrei – Atypical Games]: Como mencionei antes, foi muito mais fácil do que esperávamos. A plataforma era a mesma, quero dizer, a arquitetura de CPU. A API gráfica foi suportada e essa é uma área perigosíssima em um game normalmente. É por isso que acabamos portando quase tudo o que já fizemos no Switch. Sobre a Nintendo posso dizer que eles têm um excelente suporte. A assistência técnica e o processo de envio com a verificação dos jogos foram um pouco assustadores para nós no início, mas provaram ser menos complicados. Uma das razões pelas quais ficamos longe dos consoles por muito tempo foi o processo mais burocrático de lançar um jogo. O Switch mudou tudo isso com a Nintendo.
O Leste Europeu, assim como a América Latina tem seus talentos.
[Zaka]: Como o Vítor falou, nós somos um Portal brasileiro com foco no mundo dos games. Porém, mesmo com uma indústria eletrônica nascente e com muitos talentos, o Brasil não é visto como um polo de produção de games. Esse lugar é tomado por Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. A Atypical Games tem a maior parte de sua força de trabalho vinda da Romênia, tendo a sede em Bucareste de acordo com o Linkedin. Como é para uma empresa fora desse eixo entrar em um mercado tão competitivo? Como é o mercado de games romeno?
[Andrei – Atypical Games]: Posso dizer que a Atypical Games tem toda a sua força de trabalho de produção na Romênia. A razão pela qual abrimos uma empresa nos Estados Unidos foi apenas para combater um pouco daquele preconceito de que se você é uma empresa ocidental, é mais séria. Acho que ter esse endereço nos EUA em cartões de visita facilitou alguns relacionamentos, mas construímos isso com muito trabalho. Nossa grande vantagem de um modo geral é que entregamos tudo que é pedido. Se recebíamos uma solicitação de uma plataforma para uma alteração de algum recurso ou uma melhoria que colocaria a plataforma em uma posição melhor, nós fazíamos.
Acho que isso vem do nosso próprio sentimento de que viemos de um lugar diferente e éramos um pouco inferiores. É um grande negócio para uma grande empresa do Vale do Silício pedir coisas de nós, certo? Vivemos na Romênia. Ouso dizer que essa opinião mudou com o tempo, éramos jovens e não sabíamos tanto quanto sabemos hoje. Posso dizer agora que o que fez a diferença no final não foi de onde você vem ou trabalha, mas quando você diz algo, você cumpre.
E o mercado romeno de games? Sim, existem semelhanças com o do Brasil.
Sobre o mercado romeno de games, este é um osso duro de roer. Para nós, ele realmente não existe. Nossas receitas nas lojas romenas eram diminutas em comparação com o resto do mundo. Abandonamos até a localização em romeno. Mas muita coisa mudou nos últimos 5 anos. Porém, posso dizer que a pirataria foi a principal fonte por aqui por muito tempo. As vendas de consoles e games para PC foram modestas, o mercado de jailbreak [processo de exploração de falhas em dispositivos bloqueados para a instalação de outros aplicativos] provavelmente era maior do que as vendas de games. Agora tenho orgulho de dizer que temos mudanças. [Na Romênia] por exemplo, está sendo promovido God Of War: Ragnarok. Os games de console e os próprios consoles podem esgotar no dia do lançamento nas grandes lojas. Provavelmente ainda é apenas uma fração em comparação com outros lugares, mas está crescendo.
O início é sempre desafiador; mantenha sua propriedade intelectual.
[Vítor]: Uma última pergunta, o mercado de games vem chamando a atenção de profissionais nos últimos anos, seja em países desenvolvidos, como fora do eixo de produção. Assim é o caso da Romênia, da Polônia e do Brasil. No entanto, a Atypical Games já tem uma experiência de 19 anos no mercado mobile. Então, o que vocês poderiam dizer para aquele jovem rapaz ou moça que está iniciando nesse mundo de desenvolvimento de games? Perseverança seria uma das palavras-chave?
[Andrei – Atypical Games]: Meu primeiro conselho é procurar um nicho. Vemos muitas pessoas que chegam dizendo “Tenho uma ótima ideia de jogo”. Muitos desses jogos já foram feitos e, ao contrário das lojas de discos, que ficavam substituindo discos antigos por novos, as plataformas têm bibliotecas enormes. Eu diria que é um lugar difícil, a indústria de videogames, mas com grande paixão e, sim, perseverança, pode ser um sonho se tornado realidade, e não apenas um trabalho. Acho que as oportunidades eram muito maiores há alguns anos em termos de financiamento, mas sempre há espaço para bons jogos. Publicar por conta própria e promover seu jogo é cada vez mais fácil.
Hoje em dia, um sucesso fulminante em qualquer plataforma pode ser uma mistura de uma nova ideia de jogo e uma campanha bem executada nas mídias sociais com custo próximo a zero. Mas cuidado, as estrelas cadentes não são tão fáceis de fazer. Para cada título que ouvimos nas notícias, provavelmente existem centenas que só têm um punhado de pessoas vendo, então tente ser corajoso, mas tático, não faça apenas “o próximo clone”, mas melhor, procure coisas que as pessoas querem jogar e que não existe o suficiente no mercado. Uma dica importante: sempre mantenha sua IP (Propriedade Intelectual), independentemente do acordo que você possa fazer com terceiros.
E é claro que tem que ter um recado para todos que leem.
[Zaka]: Então, vocês querem deixar alguma mensagem para os jogadores brasileiros e da América Latina em geral? Dá para falar de algum plano para o futuro da Atypical Games e do que podemos esperar de novas experiências no mercado mobile?
[Andrei – Atypical Games]: Em primeiro lugar, obrigado por esta oportunidade! Para muitos, a indústria é opaca e as pessoas não veem os humanos que estão por trás, e essa entrevista ajuda nesse aspecto. A título de brincadeira, para os jogadores brasileiros, preciso pedir desculpas por qualquer tradução mal-feita. Digamos apenas que ter dois portugueses [na equipe] deixa espaço para erros. O que acho impressionante no Brasil e na América Latina é que em muitos aspectos é semelhante ao Leste Europeu. Ainda não estamos no grupo dos “Estados Ricos”. No entanto, sempre vimos números mais impressionantes dessa área do que da Europa Oriental. Não sei o que sua cultura torna diferente, mas continuem assim! As pessoas que jogam mais videogames geralmente são mais felizes.
Sobre a Atypical Games, não posso compartilhar muito. Nós nos afastamos dos dispositivos mobiles quando os jogos Free-to-play assumiram o controle. Provavelmente já existe muito conteúdo lutando pela mesma atenção, mas posso dizer que obtemos nosso pão do dia a dia dos consoles agora. No momento, estamos trabalhando em algo novo, voltado para PC. Nunca esqueceremos o mobile, e se for um sucesso, com certeza iremos trazê-lo para as lojas mesmo que a aposta seja grande. Ainda está em segredo, mas é um jogo que gostamos e isso é importante. Para o bem ou para o mal, conseguimos fazer os jogos como os imaginamos, não como a tendência do mercado ou os KPIs ditavam e isso já é uma grande coisa para apreciar todas as manhãs, mesmo quando as coisas não parecem tão brilhantes.
Agradecimentos especiais pela primeira entrevista do Guariento Portal.
[Vítor]: Pois bem, em nome do Guariento Portal, agradecemos ao Senhor Andrei Hanganu por ter dedicado esse tempo nesta entrevista para compartilhar informações do como funciona o desenvolvimento de games e as expectativas desse mercado. Nós fizemos um especial sobre Chernobyl onde destacamos Escape from Chernobyl como uma experiência única dentro dos dispositivos mobile para quem quer conhecer um pouco mais do desastre de 1986, e teremos uma Análise, minha ou do Zaka em breve aqui. Assim, espero que tenham gostado. Andrei, se sinta a vontade de entrar em contato novamente quando quiser, o Guariento Portal estará de portas abertas.
Então, podemos esperar por novidades da Atypical Games e seu time de desenvolvimento em relação ao futuro. Mas desta vez, para o PC. Para aqueles que se interessaram nos títulos da empresa, o Nintendo Switch se tornou uma das principais plataformas a receberem seus games. Radiation City e Escape from Chernobyl estão disponível no híbrido da Nintendo, sendo que este último tem a tradução em português – mesmo que produzidas por portugueses e não brasileiros, como o Andrei destacou em nossa entrevista. Entretanto, toda a atmosfera de sobrevivência e o trabalho de estudo para a criação de Chernobyl, sua zona de exclusão, a cidade de Pripyat e Usina estão à disposição dos jogadores. Que também podem optar pelos dispositivos mobile. Assim, seja qual for sua escolha, bom divertimento e esperamos que tenham curtido essa entrevista e tenham uma boa jogatina com os títulos da Atypical Games.