EU TENHO UM SENTIMENTO DE QUE ESTE É O SEU CHAMADO

Muitos buscam na religião uma resposta ou um caminho par a vida. Seja nos Evangelhos de Jesus, nas Suras de Alá ou no comportamento de Buda, a humanidade tem na religiosidade uma oportunidade de se apegar a conceitos que a razão parece não explicar. Acontece que, como tudo na vida, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, e a deturpação da fé se torna algo comum. É com esse conceito em mãos que a Polônia cria o atmosférico O Monastério (Hellhole em inglês, Ostatnia wieczerza no original), sob a tutela da direção de Bartosz M. Kowalski. Com menções e influências óbvias de grandes ícones do horror como O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968) e A Profecia (The Omen, 1976), O Monastério incita uma investigação policial por paredes escuras. Mas que escondem bem mais do que crucifixos em chamas, sendo outro filme no catálogo da Netflix.

A ESTRUTURA GÓTICA NA AMBIENTAÇÃO DEIXARIA BRAM STOKER IMPRESSIONADO:
Primeiramente, o ponto de maior destaque em O Monastério é a sua fotografia. E, de forma concomitante, sua parte cenográfica e a edição. Desde o início, o uso de cores frias e sombrias aprofunda uma sensação de isolamento de que algo naquele mosteiro está terrivelmente errado. É um claro estudo da atmosfera gótica que permeia clássicos escritos como O Castelo de Otranto (The Castle of Otranto, 1764). As vielas e os corredores guardam uma escuridão incômoda, enquanto os salões são pequenos e extremamente mal iluminados. Nem mesmo durante o dia há rastros de luz. Todos os locais passam uma sensação de frio, sem nenhum tipo de calor ou fraternidade, mesmo se tratando de um monastério destinado a Deus. Isso, aliás, é fruto da ótima produção cinematográfica de Cezary Stolecki e da edição de Jakub Kopec. Sem dúvida, são esses elementos que conseguem criar a atmosfera necessária em O Monastério.
De outra forma, O Monastério é um filme de atmosfera, o que já inibe o espectador em esperar sustos desvairados nos chamados jump scares. O longa polonês está muito mais próximo de A Bruxa (The Witch, 2015) e Nosferatu (Nosferatu, 2024), ambos do diretor Robert Eggers do que de A Freira 2 (The Nun, 2023) ou Annabelle (Annabelle, 2014), representantes do Invocaverso criador por James Wan. E isso é auxiliado pela trilha sonora, discreta de fato, mas eficaz naquilo que propõe. Corais religiosos podem ser tanto épicos quanto assustadores, e o uso dessa distorção, além de elevar a tensão, demonstra os caminhos fora da virtude que aquele grupo de monges buscam. O uso de sussurros, ecos e ruídos, com pouca ou praticamente nenhuma trilha, aprimora esse sentimento de imersão, e faz do trabalho de Carl-Johan Sevedag mais um forte elemento no qual O Monastério consegue se destacar.
UM PROTAGONISTA PRECISARIA DE UMA BOA HISTÓRIA:
De outra forma, já fica bem claro que o filme tem um grande destaque em sua parte mais técnica, incluindo evitar o uso exacerbado de efeitos especiais. Não por menos, quando se utiliza, temos um dos poucos tropeços no poço do inferno. Toda essa estrutura tem o auxílio de seu protagonista, o policial Marek (Piotr Zurawski) que inicialmente se disfarça de um monge para investigar estranhos desaparecimentos que ocorrem pelas redondezas. Marek é a tentativa de racionalizar os eventos que o público testemunha dentro daquele lugar. Entretanto, sua vida pregressa já o havia ligado para aquela região da Polônia, ele só não sabia que os monges o esperavam pacientemente para que através dele, o mal fosse liberado. Não é nenhuma questão de spoiler, mas O Monastério não cria nenhum subterfúgio desde a primeira cena. A história, que se passa em 1987 prossegue de forma tradicional e bastante arcaica nesse gênero.

É então que temos os grandes deslizes de O Monastério, que se encontra especialmente em sua narrativa. Evidente que há uma homenagem ao menino Damien Thorn logo no prólogo do filme, mas que acaba contribuindo para a diminuição da potência da história. No fim das contas, tal introdução não auxilia em nada na progressão do mistério, mas apenas a encaixa no óbvio. E isso se manifesta inclusive no final, quando as forças das trevas se libertam. Esteticamente, o terceiro ato se torna um primor ao demonstrar o cúmulo do uso da fé, com direito a escuridão e cruzes invertidas. Contudo, esse clímax, pelo menos aos espectadores mais atentos já era um destaque desde os primeiros minutos do filme. Sua confirmação apenas o leva para um caminho já conhecido e trivial, algo que A Primeira Profecia (The First Omen, 2024) e Imaculada (Immaculate, 2024) fazem melhor.

NEM SEMPRE CRIAR ATMOSFERA SIGNIFICA QUE O FILME PRECISA SER LENTO:
Esse terceiro ato inclusive termina como um momento de contemplação, o que deixa uma sensação agridoce se comparado com o seu desenvolvimento. De certa forma, O Monastério parece não encaixar a ideia de investigação policial com o lado sobrenatural, fruto do roteiro de Mirella Zaradkiewicz e de Bartosz M. Kowalski, que também assina a direção. É interessante notar que a ideia de exibir uma atmosfera mórbida se relaciona com a lentidão do filme. Afinal, a direção é coesa em não apostar na facilidade de sustos. Porém, ao longo de seus 91 minutos de duração, esse lado contemplativo atrapalha, até mesmo pela obviedade. Os monges, desde os maiores até os menores da hierarquia, não são amigáveis, e desde o começo, é fácil perceber que algo ocorre nos calabouços do lugar. Além desse ambiente que não é acolhedor, há pinceladas de terror psicológico, mas que são deixadas completamente de lado.
Embora O Monastério pareça um filme inventivo por explorar a ideia do terror religioso sem um aparente exorcismo como peça principal, temos a nata do tradicionalismo desse gênero. Mesmo que não seja um O Exorcista (The Exorcist, 1973). O ritual do exorcismo é colocado em escanteio, mas não se pode dizer que o filme polonês inova. Afinal, ele acrescenta elementos como o “filho do demônio” e o “Apocalipse” por partes de elementos da própria Igreja. Essa ideia de fé deturpada, onde há a necessidade do mal dominar para que o bem salve os justos dos ímpios não é incomum. Por esse motivo, paralelismos com outros filmes que tratam de crianças demônio são inegáveis. Há sim uma identidade própria em O Monastério, porém muito mais pela sua parte técnica e criativa. Não por sua história.

O MONASTÉRIO É UM QUADRO BONITO, MAS SEM UMA HISTÓRIA PARA CONTAR:
No fim das contas, O Monastério entra como um filme regular no catálogo da Netflix. A produção da Polônia sabe muito bem apostar em uma atmosfera coesa, de tons góticos, que impressiona em pouco tempo. A direção também é sagaz ao criar a todo momento uma linha tênue entre a verdade e a escuridão que esconde segredos, muito através de seu protagonista. Enquanto isso, o espectador se une ao jovem policial em busca de suas respostas. Entretanto, O Monastério acaba se perdendo por entre as próprias paredes em seu roteiro. Na tentativa de contemplar e obter uma atmosfera de opressão, o filme se torna lento demais. Seu prólogo inclusive é capaz de contar, em pouco tempo, o que se espera do protagonista. De outra forma, o filme acaba sendo um terror religioso correto. Pode ser divertido se o espectador, é claro, souber exatamente o que busca.
Números
O Monastério (Hellhole) - 2022
Vindo da Polônia, O Monastério (Hellhole) de 2022 se destaca pela beleza de sua produção. Um verdadeiro filme de estética gótica bem produzido, que consegue criar uma atmosfera de opressão onde deveria haver luz. Porém, sua história acaba sendo questionável com uma lentidão desnecessária.
PRÓS
- O filme consegue transmitir uma legítima atmosfera opressora na imersão de sua história, e não uma atmosfera barata.
- O protagonista consegue manter o interesse e o andamento da narrativa, mesmo com todos os antagonistas sendo óbvios demais.
- A direção do polonês Bartosz M. Kowalski é bastante eficaz em manter uma trajetória, mesmo que óbvia, mas contemplativa.
CONTRAS
- O roteiro de O Monastério é sem sombra de dúvida, seu pior aspecto, beirando ao tradicional do terror religioso.
- Mesmo presumindo que seja inventivo com o passado do policial, o filme não é, entregando logo nos primeiros minutos parte desse mistério.
- O tom contemplativo do filme, especialmente seu desfecho podem deixar com um gosto amargo.
- Mesmo não sendo um filme de sustos, mas de atmosfera, O Monastério acaba se perdendo com a sua extrema lentidão.
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