Mitologias ao redor do mundo são fascinantes. Servindo como explicação para a mudança das estações na Grécia ou como proteção de criaturas que levam bebês na Suméria, estes mitos fazem parte da cultura local. E, uma das mais intrigantes é a criação de Kali, a deusa da destruição na crença hindu. Que, para quem não sabe, é a principal religião da Índia e de países como Nepal e Sri Lanka, assim como a Ilha de Bali, na Indonésia. No caso, a questão é a forma que Kali é apresentada. De pele azul, com a língua para fora e com uma guirlanda de crânios. Não é algo que alguém queira ver numa sexta feira 13. Contudo, é essa mesma Kali a responsável por salvar o mundo da destruição de Raktabija. Curioso? Pegue o seu exemplar do Rigveda, e vamos para o Rajastão neste Especial de Mitologia aqui no Guariento Portal.
Atenção: A história do “nascimento” e da “dança da destruição” de Kali é parte integrante da tradição e do folclore hindu. Que, para os mais leigos, é uma das religiões mais importantes no Subcontinente Indiano. Então, é claro que tal história serve de culto para uma galera e deve-se ter um mínimo de respeito. A abertura do Mar Vermelho na Bíblia ou as andanças de Maomé no Alcorão são compartilhadas em suas religiões da mesma forma que Kali é para os hindus. Então, o que o Guariento Portal ordena – isso mesmo – é que o leitor ou leitora tenha respeito, por mais que não acredite em tal história dentro da mitologia. Com este aviso carinhoso, vamos seguir com este Especial de Mitologia, especialmente se você já jogou Smite (PC, Switch, PlayStation, Xbox), da Titan Forge ou então o indie da Nodding Head Raji: An Ancient Epic (PC, Switch, PlayStation, Xbox).
Existe o Pai de Todos no Extremo Norte, e a Mãe Suprema na Índia.
A primeira coisa que é importante destacar neste Especial de Mitologia é a etimologia do nome da deidade. Kali vem do sânscrito कालिका, sendo uma forma feminina de Kala, um epíteto de Shiva. Assim como também é a personificação do tempo e da questão de que tudo sempre acaba. É deste nome que vem sua descrição como “A Negra” ou “A Terrível Mãe”, representado a sua dualidade como força criadora ou destruidora. Uma analogia ao seu consorte, Shiva, que também partilha em ser o destruidor do mundo. Seu nascimento guarda certa semelhança com a Athena da Mitologia Grega, uma vez que nasceu da cabeça de alguém. O porém e as diferenças são relativos a quem deu origem assim como o que estava acontecendo no momento para que ela surgisse e livrasse o mundo do mal. Não, não estamos na Asgard dos Cavaleiros do Zodíaco, mas sim nos Puranas.
Esses textos escritos antes do nascimento de Cristo trazem histórias de criaturas como os asuras – como o Rakshasa – e os devas, criaturas celestiais e demoníacas que marcam o plantel hindu. Pois bem, dentro dos Puranas, existe a lenda de que Durga, a Deusa Mãe, detentora de oito mãos, foi chamada pelos deuses para derrotar o terrível asura Raktabija (do sânscrito रक्तबीज), um demônio bem especial. Com seus assistentes de primeiro escalão, Durga iniciou sua caça ao demônio, e o encontrou. A questão é que Raktabija também era chamado de Semente de Sangue não é por pouca coisa não. Era um presságio de que, ao ser ferido e uma gota de sangue caísse no chão, um clone de Raktabija era automaticamente criado. Era uma criação automática de exército tal como a cabeça da Hidra de Lerna. A questão é que Durga não sabia dessa bênção demoníaca.
Asuras e Daevas: a dualidade védica, e Kali está do lado dos bons.
Então, a deusa afligiu a criatura que começou a clonar toda vez que gotas de sangue caiam no chão. Isso levou com que uma raiva descontrolável entrasse na consciência de Durga, e da testa da Deusa, saiu sua contrapartida mais sombria. Essa entidade, virada na cólera do ódio e da fúria, tinha uma pele negra. Seus olhos eram vermelhos com a vontade de vingança de matar a todos os inimigos. Em suas quatro mãos, armas como a khatvanga – um cajado com caveira, uma corda e um laço eram os seus equipamentos para derrotar o asura. No seu corpo, além da guirlanda de cinquenta crânios humanos em seu pescoço, uma pele de tigre era sua roupa. Mas nada era tão pavoroso quanto seu rosto, com algumas presas saindo da boca, o cabelo negro completamente desgrenhado e a língua, seu principal instrumento de batalha para fora.

Seus rugidos enchiam o céu e a terra de pavor. Sua função era única, devorar todo o exército adversário até chegar ao seu chefe final, Raktabija. Porém, nesta Mitologia, como derrotar uma criatura que ao ser empalada, cortada, ferida ou mutilada dá lugar há uma dezena ou centenas de novas criaturas prontas para devastar o mundo? Durga tem a resposta que você leitor desse Especial tanto quer. A Deusa pede para que Kali lamba toda gota de sangue que sair de Raktabija e de seus asseclas antes que caia no chão. E assim foi feito. Kali trucidava cada um dos meliantes comendo sua carne e bebendo seu sangue. Isso levou a um frenesi como nenhum antes, em que a deusa se intoxicou com todo seu apetite. Em uma cena em que Kali mostra seu lado mais sombrio – aquele de Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984).
Na Batalha do Apocalipse, Kali lambia o sangue das inimigas.
Quanto mais ela matava, mas era sua vontade de destruir tudo, levando a uma loucura que até mesmo os outros deuses começaram a perceber que algo de errado não estava certo. O destino de Raktabija não poderia ser outro, morreu pelas mãos de Kali. A questão é que tentaram tapar o sol com a peneira, e Kali, embriagada com todo o excesso de ira da batalha, começou uma dança de destruição que se continuasse destruiria o mundo. Seus pés andavam pelos cadáveres e ela segurava a cabeça de Raktabija. Temendo o fim do mundo através de sua própria criação, Shiva – que também é um destruidor – decide mostrar sua face caridosa. O Deus deita entre os corpos e espera que Kali dance em cima de seu corpo. Percebendo a cena, Kali tem um surto de sensatez.
Vendo seu amado ao chão, e seu pé no peito dele, Kali percebeu que estava passando de todos os limites. Afinal, tinha matado todo um exército e bebido sangue a torto e a direito. Shiva consegue acalmar Kali, e assim o mundo é salvo no mesmo dia duas vezes, após a derrota de Raktabija e depois de se controlar Kali. Essa história, dentro do Especial de Mitologia aqui do Guariento Portal mostra o mais sombrio e destrutivo lado da deusa hindu. Afinal, são poucas as deidades adoradas em algum lugar que curtem beber sangue de demônio em uma batalha apocalíptica. A questão é que, mesmo parecendo maligna para os conceitos ocidentais ligados ao Cristianismo, Kali apresenta outras facetas, como a de mãe devotada e a responsável pela vida. Sim, é paradoxal, disso não temos dúvida alguma. Mas, toda esta estrutura narrativa faz parte da mitologia hindu.
Brutal, mas também acolhedora. Essa é a Senhora da Destruição, Kali.
O lado de mãe e responsável pelo renascimento está atrelado à própria imagem de Kali. Os cinquenta crânios da guirlanda da deusa representam as cinquenta letras do sânscrito, a língua sagrada dos deuses. Além disso, o modo de ver o mundo hindu não personifica a maldade e a bondade tal como o céu e o inferno da escatologia cristã. Aqui, temos um ciclo de carmas, uma roda de vida, morte e renascimento. Não por menos, deuses associados à destruição e a morte também estão elencados com o responsável pela vida na mitologia hindu. É o caso do próprio Shiva e de sua consorte azulada, Kali. A deusa aliás não estaria em um rol de entidades a ter muitos seguidores. Não é a verdade. Na Índia, Kali é adorada justamente nestes dois aspectos. Sendo parte importantíssima do ciclo do mundo e do universo como portadora da criação e da destruição.

É por isso, aliás, que Kali tem sua ligação com o Tempo, voltando a etimologia de seu nome visto neste Especial de Mitologia. Sua fala de que ninguém deve temer o passar do tempo se anexa como a ceifadora de vidas, em que a “Mãe Negra” busca a todos como filhos para que tenham uma morte sem sofrimento e que não sofram as consequências dos ciclos de reencarnações. É por isso que locais de crematórios, como a beira do Ganges em Varanasi são locais que Kali pode “assombrar” se você não seguir suas palavras e se seu carma estiver presente. Afinal, é você, com suas atitudes, quem produz o carma que carregará por vidas. Porém, a questão da cremação dentro da Mitologia Hindu, o ritual de Antyesti (em sânscrito अन्त्येष्टि) é palco para outra história, e quem sabe num outro Especial, abençoado por Kali, aqui no Guariento Portal.
Kali, a deusa da criação e da destruição. Uma ótima postagem de vocês. Fale mais sobre outras deidades de outras mitologias, e como sempre, seu portal tem muito conteúdo. Não é a primeira vez nem será a última que venho para cá.
Sérgio, que bom que você apareceu. E pode deixar que seu pedido é uma regra aqui. A gente vai buscar fazer mais postagens sobre Mitologias, tema que ficou em escanteio mesmo durante um tempo. Mas como foi pedido, não há nada que não possa ser atendido. Abraços e mais uma vez obrigado por comentar aqui.
Hello. I have already traveled to India and the cult of Kali is really an important part there. But I say it isn’t all of India. There are areas where Shiva is more important, in others Vishnu gains prominence. But in all cases Kali’s main story is this one against Raktabija.