Que Steven Spielberg é um nome já conhecido no cinema ninguém duvida. Porém, um dos legados do diretor juntamente com George Lucas foi ter produzido uma série de aventura protagonizada por um certo arqueólogo americano vivido por Harrison Ford. O primeiro filme, Os Caçadores da Arca Perdida basicamente detinha todas as características de uma ação e aventura. Em busca da Arca Sagrada, os nazistas e Indiana Jones correm atrás para desvendar os mistérios em volta desse objeto. Dado o enorme sucesso do primeiro longa, três anos depois a parceria retorna, desta vez na Índia. Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) é na verdade uma prequel que se passa um ano antes do primeiro longa. E destoa completamente de seu antecessor. Resta saber se essas diferenças transformam o filme em algo interessante ou simplesmente esquecível.
Primeiramente, o ponto que se destaca em Indiana Jones e o Templo da Perdição são suas características mais sombrias. Isso pode ser visto inclusive na fotografia e na direção de arte. Neste longa, o arqueólogo é levado até uma vila nas montanhas da Índia onde um culto dedicado a deusa Kali está raptando crianças e roubando uma das pedras de Shankara. Segundo consta, estas pedras foram dadas pelo próprio Shiva para trazer prosperidade ao povo. A fraternidade dos Thuges, antigos adoradores da deusa hindu são os responsáveis. Aliás, o local de morada desta fraternidade seria junto do Marajá de Pankot, fato este que leva não somente Indiana, como também Willie, uma cantora arrastada pelo primeiro ato do longa, assim como o jovem garoto Round. Em verdade, o filme tem uma quebra bem discrepante no roteiro em seus primeiros momentos.
Sem dúvida, é o mais sombrio e o singular de todas a franquia:
Para apresentar os companheiros de Indiana, o Templo da Perdição começa na China, com o arqueólogo tentando fazer um acordo com um membro da máfia local. Não espere pelo Indiana Jones do primeiro longa como um perfeito herói em que a moral também se impõe. Aqui, o arqueólogo busca riqueza através de pedras preciosas, e não se importa se for necessário fechar negócios com membros da máfia. O problema é que tudo acaba saindo do controle, em uma cena que já indica que o filme em momento algum deixará o lado aventura cair. Basicamente, somente depois que chegam no Palácio Indiano, é que a lógica do filme se coloca cada vez mais sombria. Até mesmo a fotografia se altera, tendo muito mais elementos em vermelho e tons escuros do que anteriormente.
A história criada no longa também auxilia nesse conflito. Em determinados momentos, rituais são feitos na frente do espectador. Por exemplo, quando o coração de um homem é retirado em oferecimento a deusa Kali, enquanto ele é jogado em um poço de lava vivo. Em companhia, o sacerdote não se intimida de utilizar crânios como cálices, caveiras de animais para enfeite de sua cabeça, e nem de amarrar os sacrifícios em estátuas que parecem feitas de ossos. Muito menos usar do trabalho infantil para encontrar as outras pedras que faltam. Vale destacar que o uso da câmara a partir desse momento não é intimista, mas consegue trazer uma sensação de que o filme buscou uma identidade bem distinta de seu antecessor. Particularmente, essa pegada obscura favorece o Templo da Perdição a criar a sua própria identidade.
Todavia, Indiana Jones e o Templo da Perdição também consegue acertar nos momentos cômicos:
No entanto, não pense que o filme é apenas um foco de situações assustadoras. O humor também se faz presente, contrabalanceando o longa. Quem especialmente é responsável por momentos de risos é de Willie, vivida por Kate Capshaw. A cantora e parceira amorosa do arqueólogo neste longa tira momentos em que acaba sendo mais sincera do que deveria ser. Embora existam momentos que seus trejeitos beiram ao caricato. Não por menos, algumas de suas cenas são as mais emblemáticas do filme, como é o caso do banquete onde se servem iguarias ou quando ela vai até uma caverna cheia de insetos. O roteiro é inteligente ao ponto de conseguir uma equilíbrio entre a situação assustadora e o alívio cômico. Além de Willie, também vale destacar o fiel escudeiro Round vivido por Ke Huy Quan.
Além é claro do humor, e em momentos o horror da narrativa, obviamente um filme de Indiana Jones não seria um filme desta franquia se não existisse a aventura. E, de fato, o que não falta em O Templo da Perdição é o encadeamento da história, mesmo que com erros. Assim, desde o início com o primeiro ato, o espectador se vê sempre em uma situação que envolva algum problema a ser solucionado por Indiana; seja saltar de um avião, se esbeirar por entre cavernas ou simplesmente cortar uma corda de uma ponte ao qual ele se encontra. O filme consegue manter toda a sua estrutura narrativa em alto contraste, muito também pela excelente trilha sonora, alterando de uma situação de perigo constante para outra, sem uma possível quebra.
Entretanto, o roteiro faz com que os mistérios não sejam tão surpreendentes:
Porém, por mais que essa tríplice conjugação em O Templo da Perdição torne o filme único na franquia, ele ainda carece de alguns pontos que seu antecessor criou raízes mais fortes. Sem dúvida, por mais que o roteiro consiga caminhar a história, ele ultrapassa a simplicidade. As situações em que o arqueólogo é colocado, se não beiram ao lógico, são surreais em determinados pontos e perdem a crença do espectador. Além do mais, enquanto Os Caçadores da Arca Perdida se focavam mais em desbravar tesouros e mistérios, aqui o roteiro já é bem direto em informar a aventura, que se manterá até o fim do longa sob essa perspectiva. Essa direção óbvia do roteiro acaba retirando o ponto de mistério do longa. Assim sendo, seu final também se traduz como bastante plausível, embora com certa emoção.
Por fim, Indiana Jones e o Templo da Perdição é o mais diferente de todos. Obviamente, seu tom soturno e mais obscuro, mostrando rituais, crânios, ossos e tudo mais permitem que o arqueólogo entre em um mundo onde a luz parece não entrar. Diante da beleza do Palácio de Pankot, o culto de uma deusa da morte parece prosperar nas profundezas, usando ainda o trabalho escravo. A direção de fotografia e arte é bem trabalhada especialmente nesta progressão. Isso é visto no uso de tons escuros, vermelhos e algumas câmaras por baixo, mostrando os sacerdotes e as estátuas de maneira mais alta. Dando uma imponência assustadora. Porém, o humor também se faz presente, quebrando essa problemática de um filme mais assustador do que o comum.
Por fim, a identidade de Indiana Jones e o Templo da Perdição pode não agradar a todos por ser tão diferente em seu tom:
Neste ponto, a equipe de Indiana não deixa nada a desejar. Willie e Round conseguem dar toques especiais nos momentos de tela, especialmente nos momentos de maior ação. Enfim, o grande problema de O Templo da Perdição sem dúvida é o roteiro, bem mais direto do que o antecessor, o que acarreta uma simplicidade de toda a ação. Assim, todo o mistério que era visto com a busca da Arca no primeiro filme não existe, mas apenas uma aventura que já foi informada ao telespectador. Dito de outra forma, Indiana Jones e o Templo da Perdição tem sua identidade única na franquia. E isso claramente pode causar conflitos de gostos. Sendo mais sombrio, ele abre uma nova ótica das aventuras do arqueólogo mantendo um tom de aventura. Mas desta vez, com um clima acima da média em cenas sombrias.
Números
Indiana Jones e o Templo da Perdição
Com rituais e uma história mais sombria, Indiana Jones e o Templo da Perdição diverte unindo aventura, ocultismo e humor, mas com falhas.
PRÓS
- O plot sombrio é uma novidade na franquia.
- Equilíbrio entre ação, suspense e humor de forma eficaz.
- Parte técnica, como a direção e fotografia elevam a tensão.
- Sensação de aventura não se gosta em nenhuma parte do filme.
CONTRAS
- Roteiro simplório e sem aproveitar os mistérios da narrativa.
- A atuação, em determinados pontos, é quase caricata.