O terror de sobrevivência, como gênero no mundo dos jogos, acolhe as mais diversas expressões. Desde games em que o jogador ainda pode se defender, como Resident Evil da Capcom e seu expoente remake Resident Evil 4. Ou então títulos apavorantes como os horrendos – no bom sentido – da franquia Outlast, da americana Red Barrels e os da independente e extinta Renegade Kid, que produziu dois títulos chamados Dementium para o Nintendo DS. Porém, esse mesmo gênero marca em seus punhais e garras, sem sombra de dúvida, o DNA da sueca Frictional Games. A desenvolvedora detém parte dessa importância no terror em que você está completamente indefeso em sua franquia Amnesia. Disponível para uma gama de plataformas, é melhor apagar a luz, usar um bom fone de ouvido e embarcar nessa atmosfera caótica conhecendo um pouco da franquia Amnesia aqui no Guariento Portal.
Antes de entrarmos nos castelos e nos açougues que nos esperam, é importante falar da Frictional Games. Fundada por Thomas Grip e Jens Nilsson, a desenvolvedora tem sede na cidade sueca de Mälmo. Porém, nem sempre foi assim. No começo de sua existência, a empresa se estabeleceu em Helsingborg, enquanto a maior parte de seus funcionários trabalhava remotamente por toda a Europa. Além disso, Amnesia não foi a primeira aventura da Frictional Games, mas sim Penumbra. Uma outra franquia que já demonstrava o trabalho com o survival horror. Se já não bastasse, o estúdio fez questão de criar uma Engine para chamar de sua, a HPL. Ela tem esse nome em homenagem ao escritor H.P Lovecraft, responsável por uma dezenas de contos de terror cósmico e conhecido mundialmente. Com tudo isso, os sinais estavam claros e evidentes ao mostrar o que a Frictional Games estava focada.
Amnesia: The Dark Descent. O Começo de Tudo.
E era o Terror, aquele terror de sobrevivência que machuca você sem dó nem piedade. Aqui, você não é um atirador de elite que nem Chris Redfield. Mas sim uma mero mortal – muitas vezes burro por suas escolhas – mas com um passado que deve ser revelado. E é claro que tudo conta com criaturas estranhas, esquisitas e que estarão prontas para acabar com a sua jogatina. E não importa onde você esteja. Então, para jogar os games da franquia Amnesia, é fundamental que o jogador, ou jogadora, esteja ciente, o game abusa da temática de sobrevivência, colocando ainda alguns puzzles que devem ser realizados na pressão, enquanto sua sanidade praticamente vai para as Montanhas da Loucura. Acredite, esse é o prelúdio do primeiro game, Amnesia: The Dark Descent, lançado originalmente em 2010 como um título independente no Leste Europeu e na Rússia, que ganhou o mundo logo depois.
Em Amnesia: The Dark Descent, o jogador controla o jovem Daniel, um rapaz que acorda no Castelo de Brennenburg, na Prússia. Ao acordar, o personagem não lembra de nada, e ao seu lado observa que antes de algo acontecer, ele escreveu em um papel que deliberadamente tirou suas memórias e que está sendo caçado por uma sombra. Com todas estas parcas informações, o jogador tem todo um castelo – gigante por sinal – para explorar, coletando as informações para encaixar a história em The Dark Descent. A questão é que temos um pequeno problema, Daniel parece ter Nictofobia, nome científico para o medo do escuro. A questão é que o medo dele o faz surtar, sua aba de sanidade, toda vez que fica muito tempo no escuro, cai a níveis críticos e isso parece fazer com que criaturas cada vez mais bizarras aparecem para o jogador.
Um castelo no Leste Europeu é palco para a perda de sua sanidade.
Então é claro que o jogador teria de jogar a todo o momento nos lugares mais iluminados possíveis, e de preferência com um crucifixo ao seu lado. Acontece que estamos falando de um game de Survival Horror, e como tal, se estivéssemos nos Jardins das Tulherias não haveria graça alguma. Então, espere por poucas lamparinas para forçar o jogador a usar a iluminação nos momentos certos. E é claro, se esconder a todo o momento, pois a Sombra ainda lhe caça. Aos poucos, o jogador entende – sendo necessário o mínimo de inglês, já que o game está nesse idioma – que essas esquisitices tem haver com um orbe retirado da Tumba de Tin Hinan, no Sul da Argélia. Aliás, guarde esse nome, é importante para a franquia. Entre 8 até 11 horas o jogador entenderá o que está acontecendo no Castelo de Brennenburg.

Claro que o Guariento Portal não irá dar spoilers, mas Amnesia: The Dark Descent conta com participações de magos do passado. Sim, exatamente o que você leu. A dupla de ocultistas Henrich Agrippa e seu estudante Johann Weyer – responsável pelo grimório Pseudomonarchia Daemonum – aparecem para compor um dos três finais do game, a depender de sua escolha. Sim, Amnesia: The Dark Descent marca as suas escolhas para produzir o seu final. Então, para conquistar os três, será necessário retornar para a aventura. Produzido pela HPL Engine 1, Amnesia: The Dark Descent conquistou o público e outras plataformas. Depois de desembarcar no Windows via Steam, seus próximos passos sombrios foram o PlayStation 4 (2016), Xbox One (2018), Nintendo Switch (2019) e até mesmo o Android (2021). Então, saiba que não importa qual plataforma queira jogar, Amnesia: The Dark Descent é o sacrifício inicial, que leva ao seu segundo momento.
Amnesia: A Machine for Pigs e sua sanguinária narrativa em um açougue.
Amnesia: A Machine for Pigs é a continuação direta de Amnesia: The Dark Descent. No entanto, a Frictional Games estava com problemas. Embora quisesse evoluir e transformar seu primeiro título em uma franquia, o estúdio não tinha tempo nem condições, isso pelo menos até eles conhecerem Dan Pinchbeck, da britânica The Chinese Room. O evento era a GDC Europe de 2011, e o combinado é que A Machine for Pigs fosse inicialmente um mod do primeiro game. Acontece que o desenvolvimento ficou tão interessante que a The Chinese Room se transformou em desenvolvedora, enquanto a Frictional Games se tornou a publisher desse segundo game. Essa é a única vez dentro da franquia que a Frictional não foi desenvolvedora e produtora ao mesmo tempo. Em A Machine for Pigs, o jogador é transportado para uma Londres Industrial à beira da passagem do milênio.
Na pele de Oswald Mandus, sobrinho neto do Daniel, protagonista do primeiro game, sua vida parece ser a melhor do mundo. Afinal, você é um rico industrial dono de um açougue bastante potente em Londres. No entanto, as coisas começam a ficar estranhas depois que o personagem acorda de uma longa febre – de meses – depois de uma visita nas ruínas astecas em algum lugar do México. Seus filhos, Edwin e Enoch não aparecem, embora suas vozes sempre os guiam pelos cenários. Entretanto, a história de A Machine for Pigs é mais grotesca em termos de carnificina do que em seu antecessor. Sem conceber muitos spoilers para os leitores, basta saber que ao invés de uma Sombra, temos agora o “Engenheiro”, que não é o criador dos Cenobitas de Hellraiser, embora tenha o mesmo nome. Porém, ele é o responsável pelo rapto dos filhos de Mandus. Seus filhos no caso.
Até onde você sacrificaria o mundo para um solução de paz?
Aos poucos, a história que também une a exploração de seu enorme complexo industrial de matar porcos ganha contornos apocalípticos. Mandus, além de rico, é criador de uma máquina que busca “purificar” a humanidade. Durante sua estadia no México, ele foi consumido por uma visão do futuro de sua família, tanto Edwin quanto Enoch morreriam na Batalha de Somme, um dos eventos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Essa visão foi produzida por um objeto que se assemelha a um ovo ou orbe, mantendo a mitologia de seu antecessor. Contudo, o “Engenheiro” tinha outros planos e depois de tomar a máquina, libera as terríveis criaturas que dão as caras nesse game, os Manpigs. Simplesmente monstruosidades que misturam homens com porcos deformados. Porém, eles ainda se alimentam de seres humanos, que são triturados dentro das máquinas do açougue de Mandus para servir como refeição.

Porém, isso não é tudo, e Amnesia: A Machine for Pigs consegue atolar ainda mais o seu pé na lama quando o assunto é uma história bizarra. Contando com sacrifícios humanos e visões de um futuro real, como os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki e passando por uma jornada de quase heróis na redenção. Entretanto, o final é fixo, e o ano de 1900 finalmente começa depois do fim do game. Amnesia: A Machine for Pigs pode apresentar um level design diferente de seu antecessor, e sua história é ainda mais caótica, porém sua jornada é bem menor, de 4 horas. Mesmo sendo produzido por outro estúdio, A Machine for Pigs também usou a HPL Engine 1 e está disponível para uma gama de plataformas, até de graça, desde seu lançamento em 2013 no Windows via Steam, como o PlayStation 4 (2016), Xbox One (2018) e Nintendo Switch (2019).
Amnesia: Rebirth. Nem mesmo o calor e o deserto são seguros.
Pois bem, o tempo passou, e foi necessário esperar por sete anos desde o lançamento original de Amnesia: A Machine for Pigs para uma continuação da franquia. Amnesia: Rebirth, é, para começo de conversa, um upgrade de tudo aquilo que já foi estabelecido em Amnesia. Então, espere por uma aventura em que o jogador se apresenta em uma perspectiva em primeira pessoa, como nos games antecessores. Além disso, esqueça qualquer tipo de iluminação, o game propositalmente é escuro para lembrar que a “Sombra” está a sua procura, e agora mais um encosto, a Imperatriz. A resolução de puzzles é ainda mais necessária para que o jogador, ou jogadora possa evoluir em sua narrativa, que agora ganha contornos fora do eixo europeu. Amnesia: Rebirth se passa em 1937, em plena África Colonial, mais precisamente na Argélia, na pele de Anastasie “Tasi” Trianon.
Se, por um lado, Amnesia: Rebirth pega tudo que funcionou em seus antecessores, por outro lado cria uma aura de horror cósmico que fica nos subtextos dos antecessores. Lembrando que a engine da Frictional Games tem a menção de H.P Lovecraft e que o “orbe” já apareceu por diversas vezes. Pois bem, no decorrer da história, Tasi é dona de um medalhão que, após um tempo, descobre ter uma origem alienígena. Assim, ela consegue viajar pelo mundo alien e o seu enquanto está de posse do Amuleto do Viajante. Entretanto, esses seres alienígenas não eram nem o E.T de Steven Spielberg, mas sim eram de raça ruim. Responsáveis por algumas ruínas, os Construtores do Portão tinham a peculiar forma de prolongar sua vida; através do sofrimento humano em massa. E, em uma tentativa de fechar as portas entre esses mundos, uma Sombra foi espalhada.
Uma ode ao terror cósmico lovecraftiano que engrandece a mitologia.
Esse inimigo se manifesta através de pústulas vermelhas que crescem como tumores. Ao lado desses Construtores, existem seres que um dia foram humanos, mas foram transformados em Ghouls. Os cenários, que agora não são nem mesmo castelos empoeirados ou açougues cheios de sangue, são mais amplos, como as longas areias do deserto. Porém, não espere que isso torne toda a atmosfera mais fácil. A inserção de elementos cósmicos torna o game ainda mais robusto dentro de sua mitologia. Prosseguindo na narrativa, a personagem principal dá a luz a uma pequena menina – sim, ela estava grávida desde o início – e agora, além de se preocupar com seu personagem, o jogador também tem o dever de cuidar de sua filhinha, que obviamente será raptada, como de praxe. No fim das contas, Amnesia: Rebirth retorna com o conceito de diversos finais, ao todo três, a depender das ações do jogador.

Aliás, em termos narrativos, Amnesia: Rebirth é um salto com seus antecessores. Até pelo fato de que Dark Descent contava sua história por meio de notas explicativas que o jogador encontrava. Aqui não mais, ela flui enquanto o jogador, ou jogadora explora como pode ser terrível as areias do deserto e algumas ruínas que ali se encontram. Algo que pode ser lido em Esqueletos no Saara, livro que foi uma inspiração para a criação dos cenários desse game. Com duração de cerca de 8 até 13 horas, a depender de como o jogador progride e é bom e produzido na HPL Engine 3.5, Amnesia: Rebirth pode ser encontrado em plataformas mais restritas que seus antecessores. Que até mesmo o Android detém cópias. O título no caso, lançado em 2020 para Windows via Steam e PlayStation 4 ganhou versões para Xbox One e Xbox Series S/X em 2022.
O futuro de Amnesia com a Frictional Games. Não parece desapontar.
Depois de tudo que aqui foi falado no Guariento Portal, a conclusão é óbvia. A Frictional Games vem expandindo sua franquia com sucesso, porém sem esquecer dos detalhes que as fizeram entrar no hall de prestígio de games do gênero de terror de sobrevivência. Mesmo que com histórias macabras e com uma pitada de sobrenatural e quase alienígena, Amnesia consegue brincar com a sensação de que o ser humano, que pode parecer uma força quase heroica na verdade. Porém, ele é tão frágil quanto o Darth Vader sem sua armadura. E, mesmo nos momentos de perigo, é mais fácil fugir e se esconder do que tentar enfrentar algo com garras, unhas e dentes que com toda certeza, em um mundo real, te rasgava e te deixava em picadinhos. Essa imposição de toda a franquia é responsável pela atmosfera aterradora, seja em Londres ou nas areias do Saara.
O primeiro passo desse grupo ritualístico, Amnesia: The Dark Descent trouxe as primeiras amarras deste mundo, que foram multiplicadas pela narrativa e quantidade de sangue e vísceras de A Machine for Pigs. Por sua vez, Rebirth acrescenta aquilo que estava escrito nas estrelas, um terror cósmico que assombrava cada um dos títulos, mas se encontrava na escuridão, que agora foi melhor aberta. A conclusão dessa franquia? Dificilmente saberemos, dado a prolífica criação da Frictional Games. Como um quarto game, de nome Amnesia: The Bunker ainda não foi lançado, não se tem muito o que falar. Mas podemos esperar um ambiente mal iluminado, aterrador e com muita angústia para que os jogadores possam encontrar suas respostas que se rastejam pelo terror do sobrenatural. Da mesma forma que sobreviver ao que de fato existe, está ali e pode acabar em pouco tempo com a sua sanidade. Isso é Amnesia.