Não, você não leu errado. Embora diametralmente opostos no que querem passar, Van Helsing: O Caçador de Monstros, de 2004 foi pensado como uma continuação de ninguém menos do que Drácula de Bram Stoker, filme de 1992 de ninguém menos do que Francis Ford Coppola. Acontece que assim como a água de um rio, as coisas se tornam passageiras e mudaram. Foi o caso com Van Helsing. Muito pelo sucesso não esperado de uma outra criatura, A Múmia (1999). Muito pelo coração da Universal Studios, que antes dos Universos Compartilhados de Heróis e Espíritos, queria retornar seus filhos da década de 40 do século XX para as telas do cinema. E angariar muito dinheiro com o público que não esqueceu das principais histórias de horror, muitas delas de escritores dos tempos mais prósperos da literatura gótica. E até hoje mestres de seu gênero.
Claro que, em se tratando do termo Vampiro, é impossível não vir a mente o romance epistolar de 1897 Drácula. Escrito pelo irlandês Bram Stoker (1847-1912), e usando a lenda e as atrocidades de um voivoda da Valáquia, atual parte da Romênia, Stoker fincou as bases da lenda do vampiro. Bem menos intenso em termos de sanguinolência, o romance aposta mais em um ambiente sombrio e na estranheza, típicos do gótico mais tradicional. Com uma mina de ouro em mãos e com o advento do cinema no século seguinte, Drácula seria um personagem recorrente em filmes de terror. Até os mais bizarros, como o do espaço sideral no horroroso Drácula 3.000 (2004). No meio de tantas iterações, Coppola, diretor da franquia Poderoso Chefão e Apocalypse Now decidiu também deixar seu dedo, ou melhor, seus dentes na história deste personagem.

VAN HELSING ERA PARA SER BEM DIFERENTE DO QUE O VISTO EM 2004.
Lançado em 1992, Drácula de Bram Stoker beira ao rococó em extravagância. Porém, além do Drácula de Gary Oldman, é o Abraham Van Helsing que também se destaca, interpretado por Anthony Hopkins, o canibal Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes (1991). Um professor de meia idade inteligente e interessado no ocultismo que aparece no meio do romance de Stoker, Van Helsing é a Kriptonita de Drácula. Com um toque da aristocracia britânica, embora seja holandês, Van Helsing tem mais comparativo com Sherlock Holmes de Sir Arthur Conan Doyle do que com um Indiana Jones de Steven Spielberg. Porém, isso não quer dizer que nos momentos de aflição, ele não seja capaz de arrancar a cabeça das três noivas de Drácula. Acontece que Drácula de Bram Stoker, além de gotículas de terror é um filme mais voltado ao drama e ao suspense.
E essa era a levada original que a Universal Studios queria para com Van Helsing: O Caçador de Monstros. Acontece que no meio do caminho havia uma pedra. Na verdade, um duende. Seu nome era Stephen Sommers e o pote de ouro era a franquia A Múmia. Lançado em 1999, o filme que trás o arquiteto e sumo sacerdote Imhotep, que realmente existiu, como uma criatura de pragas e maldições causou frisson. Leve e divertido, embora com momentos do clássico horror dos anos 40, A Múmia se segurava com um humor caricato e com a dupla principal, composta por Brendan Fraser e Rachel Weisz. Saía então praticamente o suspense de um romance da Transilvânia para uma aventura nas areias egípcias, bem mais embarcada em Os Caçadores da Arca Perdida (1981) ou A Última Cruzada (1989). Com isso, ocorreram mudanças.

COM O SUCESSO DE A MÚMIA, A AVENTURA E A AÇÃO DEU LUGAR AO TERROR.
Com a grana obtida por Sommers, o estúdio, mais feliz do que nunca deu carta branca ao diretor. E, sendo mais aventureiro do que um drama milenar, Anthony Hopkins foi descartado para o papel, adquirido por Hugh Jackman, o Wolverine da franquia X Men quando nas mãos da Fox. O roteiro foi reconstruído agregando outros personagens, e não apenas Drácula. Já que um personagem apenas não parecia ser uma boa opção. É por isso que aparecem o Monstro de Frankenstein, a criatura do Doutor do romance de Mary Shelley, de 1818, e o Mr. Hyde, o maníaco do romance O Médico e o Monstro de Luis Stevenson, datado de 1886. Havia rumores de que, com o possível sucesso, uma sequência seria produzida trazendo ainda mais monstros, como o da Lagoa Negra, sendo esse exclusivo de um filme. Um verdadeiro Monsterverso sem ser do Godzilla e dos outros Kaijus.
Com o lançamento de Van Helsing: O Caçador de Monstros, a crítica especializada deu seu veredito negativo. E em termos financeiros, a arrecadação não foi do mesmo nível de A Múmia. Custando 130 milhões de dólares, Van Helsing arrecadou cerca de 300 milhões, ficando praticamente empatado pelos seus custos de Marketing. Até por ter sido uma aposta altíssima da Universal Studios. Sendo assim, os sonhos de um Universo de Monstros seria adiado até o ressurgimento de A Múmia, de 2017, que enterrou ainda mais esse sonho. Porém, depois desse segundo Reboot, é possível que um novo filme, e uma nova franquia de Van Helsing esteja sendo cogitada ou produzida. Seria uma join-venture entre a Universal e a Atomic Monster, estúdio de ninguém menos do que James Wan (de Invocação do Mal e Jogos Mortais).

SERÁ QUE NA MÃO DE JAMES WAN, O TERROR APARECE EM VAN HELSING?
Quando será lançado? Isso somente James Wan e a Universal Studios é que poderão dizer. Agora, quanto ao romance original de Drácula, seus antepassados não deixam a sua história morrer. Dacre Stoker, descendente de Bram, tentando trazer a história original de volta ao seio da família produziu uma continuação. Drácula, O Não Morto foi lançado em 2009 e conta os acontecimentos depois de 20 anos da suposta destruição de Drácula, em uma Londres aterrorizada por ninguém menos do que Jack, O Estripador. Grande parte deste romance também usa das notas de rodapé que Stoker adorava apensar em suas narrativas. Já em 2018 temos um prequel, Drácula, também pela caneta de Dacre Stoker. Infelizmente, esses escritos ainda não se encontram em Português. Porém, no mundo dos cinemas, tivemos A Última Viagem do Deméter, filme que se baseia no primeiro capítulo do clássico dos clássicos do mundo gótico e Abigail (2024).