QUANDO OS ELEMENTOS PODEM ENSINAR AOS HUMANOS SUAS DIFERENÇAS
Existem fórmulas que uma vez construídas, dificilmente são alteradas. No mundo dos games, isso é ainda mais impressionante. Grand Theft Auto, Super Mario e Pokémon podem trazer novidades, mas a essência de cada uma dessas franquias se mantém. E o mesmo pode ser dito no mundo do cinema. A fórmula Disney dos contos de princesas com vilões memoráveis com direito a músicas assustadoras marcou uma geração. E o mesmo aconteceu com o estúdio Pixar, que fez nada menos que Toy Story (1995) e Procurando Nemo (2003) e é o responsável por Elementos, filme em animação de 2023 que começou tímida nos cinemas, mas se trata de uma das primeiras comédias românticas do estúdio. E mais, é uma viagem interessante por um mundo desigual cheio de metáforas que cabem na palma de qualquer mão, onde as diferenças são completamente normais, disponível no Disney+.
UMA CIDADE LINDA COM O QUE HÁ DE MELHOR NO MUNDO ANIMADO:
Primeiramente, é impossível não dizer que Elementos, em seus primeiros segundos de tela, não seja um absurdo de beleza visual. O filme, que aborda o contato dos quatro elementos clássicos como se fossem seres humanos, consegue dar vida a uma sociedade com suas diferenças e com construções belíssimas. É impressionante o detalhamento das águas, as plantas que crescem junto ao elemento terra e até mesmo o vislumbre do fogo. A paleta de cores é riquíssima, indo do extremo azul até o vermelho, criando momentos que facilmente podem ser emoldurados em um espelho falante dos Irmãos Grimm. Mesmo sendo uma animação inteiramente digital, diferente do tradicionalismo das princesas da Disney como Branca de Neve e Os Sete Anões (1937), o longa sem dúvida mostra o alto cuidado na criação de uma animação extremamente fluida e que consegue ter uma vida própria.
Claro que não há como ter uma boa animação se a parte sonora não auxiliar. E Elementos também consegue impactar o espectador nesse aspecto, além de sua fotografia deslumbrante. Há um cuidado evidente tanto nos sons ambientes, de uma cidade cosmopolita, como também das reações de cada elemento. Quando o fogo reage violentamente, sons únicos são criados. O mesmo para os mais sentimentais do clã da água. Esses sons que podem ser secundários em outras narrativas aqui passam a ser fundamentais. Afinal, estamos falando de criaturas que vieram do fogo, da terra, da água e do ar. E que buscam viver pelo menos de maneira coesa dentro de uma cidade. Esse prestígio na sonoplastia é auxiliado também pela ótima escolha de elenco. As vozes conseguem se encaixar em cada um dos personagens, não sendo necessário muito tempo para se apegar à pequena família da jovem Faísca.
A AVENTURA É SECUNDÁRIA. AQUI, ESTA NOITE O AMOR CHEGOU:
Esse apego é claro, tem certo aspecto inventivo. A mesma empresa que fez Os Incríveis (2004), por exemplo, se aventurou em algo mais voltado para a comédia romântica. De fato, é impossível esperar por ligações de amizades de peixes pelo oceano ou de carros em corridas. Aqui, temos uma relação entre pessoas diametralmente opostas. Ou melhor, de elementos opostos. De um lado, um jovem de água chamado Gota, que despretensiosamente encontra uma jovem de fogo, Faísca. À primeira vista, não há como essa relação dar certo. Mas Elementos, de maneira bem simples mostra que, assim como na vida real, diferenças podem ser superadas, se assim ambos quiserem. Como já aconteceu em outros clássicos como Aladdin (2019). Isso leva a um terceiro ato comovente, que embora não arranque lágrimas, ainda assim consegue aquecer certos corações. Até mesmo aqueles mais duros do que o da Princesa de Gelo.
Esse aquecimento, aliás promovido por Elementos, só é possível pela ótima direção de Peter Sohn. Toda a apresentação de cada momento da narrativa parece ser cuidadosamente pensada para criar sintonia com seus próximos momentos. Além disso, quando se unem suas impressionantes capacidades técnicas e sonoras, temos uma animação em que cada quadro que passa ao espectador é deslumbrante e encantador. De fato, o filme tem toda a sua ambientação, a Cidade Elemento feita nos mínimos detalhes, sendo um mundo vibrante e coeso durante os seus 109 minutos de duração. É visível também a mensagem do longa que também ressoa a atualidade da imigração e até a pressão na adolescência para a escolha de seu destino. Isso faz com que essa animação tenha muito a dizer em um público infantil. Porém, ainda mais para jovens e por que não adultos.
ELEMENTOS APENAS TEM O PECADO DO ROTEIRO SER COMO UMA ONDA:
Infelizmente, é uma pena que as chamas flamejantes típicas de um Charizard em Elementos acabam queimando aquilo que mais o alicerça. Ou seja, o seu roteiro. Mesmo navegando por águas misteriosas, a história de John Hoberg, Kat Likkel e Brenda Hsueh peca em ser extremamente simples e previsível praticamente em todos os detalhes, ainda que exista todo um subtexto flagrante no filme. E isso também diz respeito a possíveis reviravoltas. Algumas situações na vida de Faísca e sua família não têm o tamanho do condão de impacto, e o passado do ranzinza pai Ashfan é simplesmente jogado na tela para o espectador. Dessa forma, acaba que o texto de Elementos é tão simples e batido que, embora visualmente lindo, não há a expectativa de algo tão disruptivo, sendo como andar na areia de uma praia já sabendo exatamente o que vai encontrar.
No fim das contas e de todos os rios que aqui passaram, Elementos é mais uma obra do plantel da Pixar de animação que é divertida e com mensagens que chegam até o espectador, tais como Divertida Mente (2015) e Luca (2021). Mesmo tendo como único e exclusivo defeito um roteiro que apresenta pouco do que deveria fazer. A jornada de amor entre a água e o fogo é visualmente um deleite, especialmente em uma animação digital. Não por menos, a sonoplastia é cuidada nos mínimos detalhes trazendo ainda mais vida e diversidade em um mundo que parece tão distante dos seres humanos. Mas que se encontra ao lado de sua casa. Essa comédia romântica, uma diferença drástica no padrão Pixar das animações, ainda assim consegue encantar e ser um exemplo de que algumas histórias podem até ser simples, mas conseguem brilhar em seu próprio mundo.
Números
Elementos (2023)
Em uma cidade cosmopolita e num amor impossível, tudo pode acontecer. Pelo menos é o que Elementos, filme de 2023 da Pixar trás com a história de Faísca e Gota, dois seres completamente opostos, tanto em elementos, quanto em personalidade, mas que se complementam em uma comédia romântica gostosa.
PRÓS
- Uma amostra de que a Pixar sabe até hoje como fazer, em termos estéticos, animações impecáveis em textura, cores e fotografia.
- A sonoplastia é fundamental em Elementos, ao ponto de criar uma vitalidade para cada um dos seres, assim como a vivência em uma cidade tão cosmopolita.
- A direção não deixa passar absolutamente nada dessa beleza, e é competente em criar vida em algo que não deveria ter.
- As vozes dos personagens conseguem convencer e dinamizar cada um dos personagens
- A criação de uma comédia romântica no meio de tantas aventuras com o selo Pixar é uma forma de reinventar, até certo ponto, a roda do estúdio.
- Inegavelmente divertido durante seu tempo de apresentação, passando uma história que tem pontos contraditórios, mas agrada a qualquer espectador.
CONTRAS
- O roteiro fica aquém de todas as informações passadas no filme, incluindo o seu subtexto com vários temas da atualidade.