ELES ACHAM QUE NÓS SOMOS OS INIMIGOS
Antes de Canibais, ou The Green Inferno em inglês, o diretor norte-americano Eli Roth já escrevia seu nome no subgênero mais sanguinolento do terror, o splatter, com O Albergue (Hostel, 2005). Aqui, tendões eram cortados e cabeças decepadas para o prazer de espectadores e de milionários. Seguindo essa lógica, o diretor retorna tempos depois, trocando desta vez a Eslováquia para as densas florestas do Peru. Em uma homenagem até no nome para filmes como Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980), Roth retrata Canibais de maneira crua quando o assunto é desmembramento. Porém, seu texto, que parece tentar algo mais, com profundas críticas à moral e ética ocidentais, são completamente abandonados. Dessa forma, pegue seu remédio de enjoo, tome sua vacina de febre amarela e embarque em uma jornada vermelha neste filme. Uma produção do Chile e dos Estados Unidos e publicada no Brasil pela Paris Filmes, disponível na Amazon Prime.
VIOLÊNCIA EXPOSITIVA NA FLORESTA PERUANA É O QUE TEMOS:
Primeiramente, e antes de mais nada, Canibais parece saber de seus defeitos. Então, o seu foco claramente é naquilo que está disposto a mostrar, a violência gráfica, seus efeitos práticos e a sonoplastia. Quando da captura do grupo após um acidente de avião, temos uma jornada que não perdoa ninguém. Este é o marco do segundo ato do filme. De forma ritualística, vemos sem pudor algum a retirada de olhos, da língua e o desmembramento de um personagem na tela, cobrindo de vermelho o lugar ao qual indígenas já se pintam com essa cor. A construção do cenário também é elegante e contrasta em termo de cores. A floresta verde, intacta ao fundo, com restos mortais enfileirados na entrada da aldeia indígenas, seus moradores com cores vermelho rubro esperam o próximo jantar. Muito dessa qualidade estética se deve à boa maquiagem da produção, que causa muito desconforto.
Depois da captura, temos um foco no grupo de sobreviventes, em especial Justine (Lorenza Izzo) filha de um advogado das Nações Unidas, que decidiu fazer a diferença com um grupo de ambientalistas rebeldes. Se por um lado, o foco nos protagonistas leva a uma sensação de perigo. Por outro lado, os personagens são pessimamente escritos e estereotipados, mesmo que alguns tentem possuir camadas, algo clássico no gênero. De certa forma, a protagonista, que é idealista, se vê marcada por um mundo brutal. Onde até mesmo quem estava em prol do meio ambiente, na verdade, se vende para as grandes corporações. Junto dela, os clássicos nos quais Pânico (Scream, 1996) já debochou também se fazem presente. Temos o nerd que nunca foi a uma floresta, o casal de lésbicas e o líder duvidoso que apenas servem como plantel de mortes.
A NARRATIVA DE CANIBAIS É RASA, SE FOCANDO NA MORTE DOS PERSONAGENS:
Em termos de narrativa, Canibais também possui uma imensa cachoeira que separa a ação da enrolação. É importante estabelecer parâmetros mínimos para que o espectador crie alguma empatia. É o que ocorre em A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead: Rise, 2023) e Abigail (Abigail, 2024). Dois títulos inclusive com alto teor de gore, mas Canibais se perde completamente. Em seu primeiro ato, temos a formação do grupo de ambientalistas, todos da Universidade de Nova Iorque. Aqui, os diálogos são pífios e arrastados ao ponto de durar cerca de 45 minutos dos 100 de todo o longa. Após se unirem, o grupo resolve salvar algumas aldeias indígenas nas florestas do Peru, que seriam dizimadas por madeireiras e mineradoras capitalistas. O gesto parece nobre, e após conseguirem adiar o inevitável, o avião que se encontram sofre uma pane e eles se encontram perdidos na selva amazônica.
É então que finalmente temos a homenagem propriamente dita a obras como Holocausto Canibal, do italiano Ruggero Deodalto e que foi um percursor do subgênero de canibal e do estilo Found-Footage nas décadas seguintes, como Entrevista com o Demônio (Late Night With the Devil, 2023). Roth abandona o estilo de gravação do italiano para criar sua própria essência, muito já construída com seu trabalho antecessor. Contudo, é nesse segundo ato que temos basicamente um grupo, paulatinamente devorado por indígenas canibais, enquanto buscam uma forma de escapar. De outra forma, Canibais se torna um filme resumido de cenas de alto impacto para chocar o espectador e ganhar uma classificação indicativa das mais altas pela exposição de violência extrema. Sem dúvida alguma, Canibais poderia apresentar inovações ou uma jornada melhor se seu roteiro, assinado por Roth e Guillermo Amoedo, não fosse ruim.
UM EMARANHADO DE CENAS FORTES E GROTESCAS:
Excetuando os problemas morais e éticos da apresentação de um grupo indígena como canibais, o filme tenta a todo o momento criar diversas subtramas envolvendo seus personagens. O líder inescrupuloso do grupo, Alejandro (Ariel Levy), além de se envolver com traficantes de drogas, também recebe dinheiro das mineradoras. Logo de início, Justine e sua colega são apresentadas em uma aula de antropologia sobre a mutilação genital feminina praticada em algumas regiões do globo. Tudo isso é jogado de tal maneira que o espectador pode acreditar brevemente que esse texto será incorporado. Mas isso é um ledo engano com Canibais. A estrutura do longa sabe o quanto o seu texto é raso, ainda mais do que Cabana do Inferno (Cabin Fever, 2002) e do próprio O Albergue. E por isso é um simples subterfúgio para que cenas de extremo gore sejam postas na tela.
No fim das contas, Canibais ensaia uma possível continuação com uma cena pós-crédito que virou padrão da Marvel, como em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022). Mas não é o suficiente para criar expectativa alguma. Embora detentor de ótimos efeitos práticos e uma fotografia contrastante que cria uma atmosfera estranha dentro da floresta amazônica, unindo o verde ao vermelho, Canibais não consegue se segurar em nenhum de seus outros aspectos. É evidente o dedo sanguinário de Eli Roth, mas tudo parece desandar com os personagens e a história em si. Holocausto Canibal tem uma expectativa de suas fitas perdidas, ao estilo Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999). Aqui, isso não existe, mas foi o suficiente para uma bilheteria de 16 milhões de dólares e a produção de um game para Android, intitulado The Green Inferno Survival.
CANIBAIS (2013) É RUIM, MAS POSSUI SEU PÚBLICO CATIVO:
Na verdade, o diálogo dos personagens e suas ações são as mais inaceitáveis para o momento, com direito a masturbação no meio do perigo. O início arrastado é tedioso, levando mais de um terço do tempo do filme. Porém, é o texto do roteiro que transforma tudo em algo ainda pior. Um verdadeiro emaranhado de cenas contendo muito sangue. Mesmo com a pincelada de questões importantes como a ética ocidental e as ações do grupo indígena, as respostas estão disponíveis em diálogos expositivos. Tudo que se apresenta em Canibais foi visto de maneira mais polida, tanto na estética quanto na estrutura de narrativa em O Albergue. Assim, no meio de riachos e da mata peruana, Canibais não é um bom filme. Porém, existe um grupo específico de espectadores que conhecem a filmografia de Eli Roth e, é claro, não têm problemas em assistir cenas de impacto considerável.
Números
Canibais (The Green Inferno)
Um grupo de ambientalistas sofre um acidente de avião na floresta amazônica do Peru. O problema é que naquela região, os habitantes locais são adeptos da antropofagia. Melhor dizendo, comem carne humana. Temos então uma homenagem aos filmes da década de 80 do século XX extremamente raso, mas brutal.
PRÓS
- Maquiagem e efeitos práticos são evidentes e marcam o gore ao extremo, com abuso de desmembramento e sangue para todo o lado da tela.
- A direção de Eli Roth é competente na paleta de cores e no uso da sonosplastia, criando uma certa tensão a partir do segundo ato.
CONTRAS
- Personagens são pouco cativantes e os diálogos são extremamente ridículos tamanho o seu caráter expositivo.
- O roteiro é o principal problema de Canibais, fazendo o filme ser apenas um emaranhado de cenas de alta violência para seu público.
- Não há inventividade, uma vez que tudo que foi visto nza floresta amazônica pode ser encontrado em melhor qualidade em O Albergue.
- O longa apresenta uma enorme buraco entre o seu primeiro ato e o segundo. Uma tentativa falha de criar subtramas e maturidade de seus personagens.
- Pouco divertido e tenta criar expectativa com questões sérias, mas o que temos é apenas um longa destinado para um público cativo.
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Filme horrível, e o pior é que eu acompanho ele na hora de ver essas bombas. Filme completamente desnecessário, e a Nota Final ainda está boa, pois merecia ser ainda pior.
De fato, ele não é bom. E pra ser mediano ele teria de melhorar muito. Mas pensa positivo, pelo menos ele fois responsável por criar conteúdo para o Portal. Além disso, tem filme de terror bom que a gente vê junto, Abigail por exemplo é bem interessante, embora não seja o meu estilo preferido de horror. Mas assim, das apostas que fazemos, ele foi um destaque.
https://guarientoportal.com/critica/abigail-2024/