ESSA SUPOSTA REVOLUÇÃO É UMA ABOMINAÇÃO
Existiu, em um passado não muito distante, um medo de adaptações de games. Isso até pelo menos Sonic: O Filme (Sonic The Hedgehog, 2020) e Super Mario Bros. O Filme (The Super Mario Bros. Movie, 2023) atingirem o apreço do público, provando que é possível existir qualidade nessa transferência de informações. Porém, nas animações, esse relativo sucesso era evidente com Castlevania (Castlevania, 2017-2021), série disponível na Netflix que conta com os personagens mais conhecidos da franquia da nipônica Konami. E, buscando manter a tradição, o mesmo streaming conta uma nova história com Castlevania: Noturno, ou Castlevania: Nocturne em inglês. Unindo uma nova linhagem Belmont em plena Revolução Francesa (1789), o sol é apenas um problema. Por isso, cuidado com as trevas e com a aristocracia europeia, ansiosos pelo seu devorador de sol mais até do que o Imperador Hades em Os Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya, 2002-2008).
A ESSÊNCIA DO QUE É CASTLEVANIA ESTÁ PRESENTE EM TODOS OS CANTOS:
Primeiramente, é importante destacar que, sendo uma 1ª Temporada, Castlevania: Noturno surge com a ideia de estabelecer novos personagens e novas situações. E como célula introdutória, a série animada consegue evoluir, especialmente em seus requisitos técnicos. Sendo agora responsabilidade da sul-coreana DR Movie, os traços são ágeis e maravilhosamente detalhados, dando uma vida especial à animação. Essas características são mantidas nas cenas mais frenéticas, que não são poucas, o que fortalece sua qualidade. Tudo auxiliado por uma trilha sonora que sabe o momento de utilizar o silêncio, mas também cantos gregorianos, líricos ou os saraus da aristocracia francesa em vias da Revolução que cortariam diversas cabeças. O deleite artístico de Castlevania: Noturno é evidente, sempre cheio de vida e de perigos, quanto também de seus momentos mais comedidos, necessários para contar uma história diferente daquela vivida na Transilvânia do Conde Drácula.
Aliás, o enredo de Castlevania: Noturno mantém a essência de seu antecessor e de sua franquia originária. Ao mesmo tempo, agrega conceitos para uma nova realidade. Se passando cerca de 300 anos após as aventuras de Trevor Belmont e Sypha Belnades contra Drácula e a Morte, temos a Revolução que levaria à queda de Maria Antonieta, de Luis XVI e de todo o Antigo Regime. Nesse período, os vampiros, em sua maioria pertencentes às mais altas classes sociais, buscam devorar o Sol através da nova Messias (Luciana Baroli). Ou seja, uma alusão profana de Jesus Cristo. Essa entidade é Erzsebet Bathory, uma Condessa das Terras da Hungria, que por algum motivo tomou o sangue de uma deusa egípcia, Sekhmet, e adquiriu poderes além da compreensão vampírica. Desta forma, fica estabelecido o problema maior, evitar que o Sol seja tragado pela Lua e que, assim, os vampiros acabem herdando a Terra.
UMA SALADA DE MITOLOGIAS E TRADIÇÕES QUE NÃO FAZ MAL A NINGUÉM:
Essa salada mitológica digna de Lúcifer em Os Cavaleiros do Zodíaco: Guerreiros do Armagedon (Saint Seiya: Saishū Seisen no Senshitach, 1989) é ainda mais explorada com Annette (Luma Eckert), seu amigo Edouard (Alexandre Apolinário) e o Vampiro Olrox (Rodrigo Nanal). Os dois primeiros são sobreviventes da Revolução Haitiana (1791-1804), a primeira Revolução histórica no qual escravos conseguiram ascender ao poder. Ademais, Annette tem antepassados com ligação aos orixás, e não por menos seus poderes ligados ao ferro vêm de Ogum. Já Olrox tem sua história vinculada aos povos astecas, uma contraposição interessante aos vampiros europeus. Essa distribuição de mitologias ao redor do mundo pode desconcertar certos puristas, embora sem nenhum tipo de base. Basta lembrar que os games da franquia Castlevania, como Symphony of The Night, de 1997, apresentam criaturas além da estrutura judaico-cristã. É o caso da cabeça de Medusa da Mitologia Grega.
Aliás, é essa inclusão de histórias distintas que se unem em um prol comum responsável por uma certa inovação. O mito vampiro é dos Cárpatos e do Drácula do irlandês Bram Stoker. Porém, é interessante notar como elas se adequariam em sociedades tão distintas, como os astecas ou então de religiões de fora do eixo ocidental. A história produzida pelos britânicos Clive Bradley e Temi Oh e pela zimbabuense Zodwa Nyoni consegue trazer a essência de dois títulos-base, o próprio Symphony of The Night e Rondo of Blood, de 1993, com uma nova roupagem. Claro que sob uma estrutura artística e de direção bem executada pelos norte-americanos Sam e Adam Deats. Seus oito episódios com duração média de 25 minutos são suficientes para não criar vales de narrativa. Ao mesmo tempo, consegue contar com qualidade uma ação com fortes toques de terror e violência.
O PROTAGONISTA PERDE O CARISMA PARA TODO O RESTANTE DO ELENCO:
Mesmo com tamanha promessa, Castlevania: Noturno apresenta um pequeno defeito quanto à atuação daquele que deveria guiar a narrativa, Richter Belmont (Matheus Ferreira). Embora ciente da necessidade de maior espaço e carga dramática para a vida já difícil do clã Belmont, Richter é um personagem chato e dificilmente agradável. Muito diferente de seu antepassado, Trevor Belmont. Isso prossegue ao ponto de que os membros de sua equipe, como a oradora Tera (Fernanda Bullara) e sua filha Maria Renard (Gigi Patta) passem a ganhar tempo de tela e o apreço do público. Tudo para destruir a general de Erzsebet, Drolta Tzuentes (Marisa Mainarde), e a própria Condessa de Sangue. Mesmo com a melhora no decorrer da narrativa e com a apresentação final de Alucard (Renan Alonso) como um cliffhanger para a 2ª Temporada, Richter Belmont precisa aprender ainda mais a conquistar o público sem parecer um garoto piegas.
No fim das contas, Castlevania: Noturno consegue se equilibrar entre a inovação dos novos tempos, em que se exige contar histórias além da temática europeia e ocidental, da mesma forma que mantém suas origens no mundo dos games. Embora sem Drácula, a Condessa de Sangue é uma adversária igualmente destrutiva e poderosa. A todo o momento, o roteiro não somente ensaia como também fica visível o uso de metáforas entre a Revolução Francesa e a Revolução Vampírica. As castas mais abastadas esperam manter seus privilégios às custas dos mais desfavorecidos. O quebrar da roda que seria proferido por Daenerys Targaryen em Game of Thrones (2011-2019) é bastante ensaiado, mas não chega de fato a acontecer. Pelo menos não por parte dos antagonistas, que obtêm sucesso em transformar a Terra ao devorar o Sol, de maneira metafórica, com um enorme eclipse.
CASTLEVANIA: NOTURNO, EM SUA 1ª TEMPORADA É UMA EVOLUÇÃO EXCELENTE:
Na verdade, essa história acaba saltando aos olhos pelo espetáculo visual, seja artístico e sonoro, que Castlevania: Noturno consegue oferecer ao espectador. Mesmo nas cenas mais caóticas, é perfeitamente visível as ações dos personagens e de seus golpes. A equipe de apoio tem seus momentos de tela, conseguindo cativar bem mais que o protagonista. De outra forma, é Richter Belmont o ponto mais baixo da série, justamente por sua exposição excessiva e a necessidade de uma jornada do herói que ocupa tempo demais. Entretanto, isso é apenas um contratempo em Castlevania: Noturno. Pelo menos nessa 1ª Temporada, a série consegue estabelecer ainda mais qualidade que sua antecessora de tal ponto que assim como os dentes mais afiados da Condessa de Sangue, é um deleite visceral e uma certeza de que é possível transferir mídias digitais para as telas da televisão mediante séries de qualidade que beiram ao quase formidável.
Números
Castlevania: Noturno (1ª Temporada)
Em uma França prestes a eclodir na Revolução Francesa, o menor dos problemas do clã Belmont são os mortais. Com cenários e uma animação de destaque, a série consegue introduzir bons personagens com uma mistura mitológica e a essência da franquia de games que lhe originou, sendo inclusive melhor que parte de sua antecessora.
PRÓS
- A essência de ação e terror dos games da franquia Castlevania está presente, mesmo sem Drácula.
- A animação é absurdamente bem feita, conseguindo conquistar mesmo em mesmos mais calmos, como nos mais caóticos e de extrema voracidade nas batalhas.
- Trilha sonora bem competente, tanto no uso do silêncio como também da cultura a época ou do contexto histórico que está inserido.
- O roteiro, misturando diversas questões fora do eixo judaico cristão é criativo, e consegue criar diferenças e profundidade dentro de vários dos personagens, até mesmo os coadjuvantes.
- Não há buracos na narrativa, mesmo que a exposição e criação possam desagradar um grupo mais purista de espectadores, o que não foi o caso.
- A atuação do grupo de protagonistas, com exceção de Richter consegue criar uma experiência agradável, mesmo com todas as modificações de base dos games.
CONTRAS
- O protagonista, Richter Belmont não é nenhum pouco cativante, e em diversos momentos se apresenta como insuportável.
Galera, só passando pra avisar que retornamos para o X (afinal, mesmo sendo uma rede problemática, ainda é uma rede social importante), assim como estamos no Bluesky. Então, pode nos seguir que já agradecemos desde já. Além deles, voltamos com a nossa programação normal no X e também começamos a colocar as nossas coisas no Threads. Então, agradecemos se quiserem dar aquela olhada e seguir tudo isso e mais um pouco.
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Interessante o seu questionamento quanto a junção de religiões e mitologias. Alguns comentários de outras mídias questionavam essas mudanças como “woke” algo que não vi e nem vocês pela Crítica. E concordo que uma franquia que usa e abusa de mitologias como Castlevania podia ter palco para bem mais coisas.
Ainda não vi a segunda temporada. Porém, Noturno é pelo menos bem melhor que a terceira e quarta de Castlevania, que caíram bastante de qualidade. Mas me surpreendeu uma nota acima de 9. Daria 8.5 ou no mínimo 8 pois ainda acho que poderia ser algo melhor e menos corrido devido aos poucos episódios.
Interessante essa sua questão. Também vi diversas pessoas nas redes sociais, em especial no X (antigo Twitter) dizendo que a série não tem nada de Castlevania e pasteurizaram o que de fato seria a franquia dos Belmont. Eu já acho diferente, mantém uma certa essência dos games originais, mas logicamente é uma adaptação distinta, e assim sendo, tem que se arrumar tanto no momento em que se encontra quanto também em sua história.
Quanto a Nota em si, possivelmente seria 9. Porém, de maneira a agregar cada característica, acabou sendo 0.2 acima do que você achou o máximo. Mas te garanto que a Temporada 2, essa sem dúvida terá uma nota menor pois embora boa, foi com uma qualidade menor que a primeira. E mais uma vez, obrigado por ter comentado.