Depois que O Exorcista, clássico de 1973 nasceu, é difícil inovar no terror com possessão. A película de William Friedkin e William Peter Blatty deixou um legado no arcabouço que um filme do gênero tem de ter. Décadas se passaram, e ainda assim essa receita é complicada. O Exorcismo de Emily Rose (2005) emerge com uma pegada investigativa de um tribunal. Já a franquia Invocação do Mal tem de certa forma um tom mais aventuresco. É como se a Turma do Scooby Doo fosse transplantada para o mundo real na pele do casal Ed e Lorraine Warren. Nessa mistura de sangue e ossos, O Exorcista do Papa (2023) parece beber do cálice desse gênero e se lambuzar. Por isso, é bom levar uma água benta na mochila enquanto investiga um mundo em que os Monstros de Van Helsing (2004) não são nada na tela do Max.
O Exorcista do Papa, para o nobre leitor e espectador diz se basear em um dos inúmeros casos de possessão demoníaca em que Gabriele Amorth, o Exorcista real do Papado atuou. No caso do filme, um garoto, após a perda de seu pai e sua mudança para a Espanha passa a agir de maneira estranha. Seu novo lar, uma Catedral em frangalhos foi o tesouro da família que restou. Mais ainda, como qualquer Catedral ou Abadia e da mesma forma que A Freira (2019), o ambiente sagrado parece esconder algo bem mais profano do que sonha a vã filosofia mortal, montando ao período da Inquisição Espanhola. A estética da construção, a péssima iluminação mais assustam e fazem com que o lugar seja tudo, menos sagrado. Não demora muito para que a entidade chame diretamente o nome de Amorth.

TODOS NÓS SEREMOS JULGADOS, ASSIM COMO ESTE FILME O É:
E é talvez na atuação de Russell Crowe como Amorth que temos o melhor de O Exorcista de Papa. Claro que não é passível de uma premiação de um Óscar ou um Bafta, mas rende um novo olhar ao filme. Amorth se apresenta como um padre extremamente irritante com suas convicções e brincalhão com todas as almas que tem que enfrentar. Seus métodos de expulsar criaturas indesejadas são extremamente heterodoxos, o que o faz ser visto de forma negativa até dentro das paredes de São Pedro. Algo que John Constantine adoraria ver. Porém, o Papa confia em suas habilidades e o envia até a Espanha. Em pouco tempo, Crowe consegue convencer que, embora singular, o jeito de Amorth consegue eliminar todos os problemas, por mais diferente que seja e com seu passado sombrio. Afinal, ele possui pecados que o atormentam profundamente.
Estabelecido o problema da possessão, temos um filme que abusa de todos os clichês. Sendo que não é tão apelativo quanto A Morte do Demônio, seja o reboot de 2013 ou o de 2023. Isso quer dizer que temos abuso de efeitos especiais. Temos ventania, ilusões promovidas pelo demônio, voz pavorosa de quem comeu um maço de Derby no almoço. Um check-list completo que O Exorcista já havia descrito. Acontece que esse ímpeto se eleva e ultrapassa a barreira da descrença, especialmente quando da história por trás da Catedral. Trata-se de um dos lugares onde um Anjo Caído despencou depois da Guerra no Céu. É neste momento que a investigação ganha contornos de aventura com toques de terror, e não o contrário. Do meio da película até o seu fim, o roteiro de Evan Spiliotopoulos e Michael Petroni não sabe como terminar o que estabeleceu.

O PECADO QUE ACHA ESTE FILME É SE ENGRANDECER SEM PRECISAR:
Se por um lado, o roteiro não é o ponto forte de O Exorcista do Papa, a direção de Julius Avery é competente em promover certo surrealismo nos momentos mais poderosos do filme, onde a suspeição da descrença vai com Deus. Os poderes da entidade são fortes e ela não quer de forma alguma sair daquele corpo. Na verdade, ela espera algo bem mais diabólico e conta com o desespero do Padre Amorth. O embate lembra o visto em O Ritual (2020), porém com mais luzes piscando. A luz amarelada do quarto cria uma curiosa atmosfera, assim como na parte externa. Afinal, São Pedro tem que ajudar a limpar o ambiente com uma tempestade colossal. Há um leve subtexto no terceiro ato, deixando a resolução na mão de um terceiro, o jovem Padre Esquibel com um pecado em seu coração.
A sonosplastia e a direção de fotografia novamente andam na margem segura do rio que é a produção de O Exorcista do Papa. Os momentos de silêncio são o prelúdio para a diversão da entidade em atazanar aquela família. Da mesma forma, a visão do pequeno Henry garante algumas noites pensativos e a certeza de que jamais você gostaria de ser chamado para ficar ao seu lado. Aliás, se é possível dizer algo sobre atuação, além de Crowe como Amorth é do garoto possuído e do padre local. O primeiro, sabe como assustar, dando aulas de que aprendeu com o Pazuzu de Reagan Macneil ou com Valak de A Freira 2 (2023). Já o segundo, é um padre que se vê dentro de algo que apenas aprendeu no catecismo e que precisa deixar seu passado para trás. Se quiser é claro sobreviver aquela situação.

O EXORCISTA DO PAPA PODE SER UM FILME ORGULHOSO, MAS COM DEFEITOS:
No fim das contas, O Exorcista do Papa não é inventivo de forma alguma. Porém, é uma espécie de filme de possessão que tomou esteroides e perdeu a noção de malhação na academia. Tem sua diversão descompromissada caso o espectador saiba se tratar de uma aventura que abusa do argumento do gênero terror de possessão. Isso não quer dizer que não existe bons sustos. Mas o roteiro acaba se direcionando para uma investigação que de certa forma, poderia criar um “Amorthverso”, da mesma forma que temos um Invocaverso. Lar de de Anabelle e suas tríade solo, em 2014, em 2017 e em 2019. Assim, a possessão é o problema, mas a investigação da criatura ganham mais destaque do que o ritual. A atuação de Crowe como Amorth consegue garantir que a narrativa não caia no ostracismo, embora existam lacunas no roteiro que leva 143 minutos para ser solucionado.
Somando tudo que foi apresentado, O Exorcista do Papa é mais um filme que tenta pegar a fórmula de O Exorcista e mesclar com outros elementos. De fato, não inventa a roda pois todos os clichês possíveis estão ali, mesmo com um padre inteiramente devoto a sua função. Toda a parte técnica auxilia nos sustos e na imersão do perigo promovido por Asmodeus, a entidade do filme. Seu passado na Inquisição Espanhola também engrandece a narrativa, porém ultrapassando a represa de todas as crenças. Impossível ser tão horroroso quanto o reboot de O Grito (2020), e melhor que Rogai por Nós (2021) e O Exorcista: O Devoto (2023). Porém, no queimar de todos os ovos, provavelmente esta película que tinha o condão de marcar presença nas listas de filmes mais apavorantes, apenas será esquecida em breve. Mesmo com todo o orçamento e o marketing promovido pela Sony Pictures.
Números
O Exorcista do Papa (2023)
O Exorcista do Papa pode até começar como um filme de horror de possessão demoníaca. Porém, durante seus 143 minutos de duração, o que temos é uma aventura com muitos clichês e espalhafatosa, Isso diverte, mas peca bastante, assim como são os seres humanos em sua vida real.
PRÓS
- Um filme que consegue seguir a cartilha completa de O Exorcista, com todos os clichês possíveis, porém bem executados.
- O protagonismo de Russel Crowe é iminente e seu padre Amorth consegue manter a narrativa inteira nos eixos do que é possível.
- Há uma tentativa de criar um arcabouço histórico para a entidade, o que auxilia a entender os planos investigativos.
- Bom uso de efeitos especiais, mesmo que saturados demais. Percebe-se que a entidade é realmente poderosa com uma ambientação assustadora.
CONTRAS
- A direção é mediana e acompanha com segurança tudo o que é previsível, sem muitas firulas ou novidades, o que poderia ser bom no gênero.
- Os efeitos especiais ultrapassam o essencial no ápice da jornada, levando a derrocada da suspeição de descrença do espectador.
- Há um conflito aparente entre um filme de investigação e de horror, levando inclusive a criação desnecessária de uma franquia.