Você pode não gostar, mas a Copa do Mundo de Futebol mexe com o psicológico do brasileiro. Bandeirolas e camisas da seleção voltam a ser usadas do jeitinho que devem ser. E não por certo grupo de pessoas que continuam questionando aspectos eleitorais. Porém, não é disso que o Guariento Portal vem falar, mas sim de um encontro que o destino fez questão de trazer ainda na primeira fase da Copa do Mundo do Catar. Estados Unidos e Irã se enfrentam para decidir simplesmente quem entra e quem vai embora da Copa. É questão geopolítica que faz internacionalista delirar. Então, sente-se, prepare uma Coca-Cola bem geladinha e esconda sua refinaria de petróleo, pois neste especial, do nosso jeitinho, vamos mostrar que EUA e Irã são mais do que rivais, e sim inimigos mortais.
Atenção: Este Especial do Guariento Portal mistura futebol, o mundo dos games, geopolítica e opinião. Então, não espere pela imparcialidade. Contar uma narrativa histórica exige de fato entender os acontecimentos do mundo, o que não quer dizer que não há lado neste Narrador. No Contexto das Relações Exteriores entre EUA x Irã, o país do Médio Oriente tem todo o direito do mundo de detestar seu antagonista. Seus métodos são questionáveis? É claro que são. Mas diante de tudo que os americanos e britânicos intervieram na história moderna do Irã, achando que poderia mexer e fazer o que quisessem com o país sem nenhuma represália. Pois então, estavam completamente enganados. A Copa do Mundo da FIFA no Catar foi apenas um lembrete de todo contexto histórico dentro das relações desses dois países, e que o Guariento Portal trás até você nosso estimado leitor.
Você pode mandar, mas tem aquele amigo petulante e chato.
Vamos fazer um exercício de interpretação com o uso de Civilization (Switch, PC, Xbox, PS4), série de games de estratégia em turnos. Se imagine como uma sociedade que, durante milênios foi um império, sendo convertido ainda na Idade Média para o islamismo. E que com isso a maior parte da atual sociedade professa a fé de Maomé. Imagine também que no decorrer das Eras, mesmo com a terra árida em que vive você encontra ouro negro, o petróleo, e isso faz com que seus olhos brilhem com os cifrões que podem vir desta extração. No entanto, quando você vai fazer a extração, recebe menos da metade dos lucros e dividendos. A maior parte vai para uma nação que disse ser sua amiga, mas que adora dar pitaco aqui e ali em tudo que você faz. Aquele seu amigo inconveniente.

Ou melhor, em termos futebolísticos, se imagine com uma seleção que está perfeitamente montada para a Copa do Mundo. Ou para uma partida de FIFA (Switch, PC, Series, PS5), game da Electronic Arts. Quando outra seleção amiga começa simplesmente a dar pitaco na forma que seu time deve jogar. Você com raiva expulsa esse seu amigo do Centro de Treinamento e diz que vai fazer tudo o que ele disse, só que ao contrário. Esse seu “amigo” então retorna com um novo técnico, com novos financiadores e um novo presidente da seleção inteira. Agora, é ele quem será o responsável por todas as ações do time que até então era seu, dos convocados até o banco de reservas. Você, no caso, é demitido com uma mão na frente e outra atrás sem direito de 13º ou férias proporcionais, com chances de ser preso se reclamar.
Você é dono de tudo, com exceções. Ou seja, é dono de nada.
Era basicamente o que o Irã vivia em sua relação, mas não com os Estados Unidos, mas sim com o Reino Unido. Ajudados por este amigo, a Pérsia se transformou em Estado Imperial do Irã em 1925, já com um Golpe de Estado, com a queda da Dinastia Cajar e ascensão dos Pahlavi. Não que antes o Irã estivesse acomodado, muito pelo contrário. O que não faltavam eram problemas políticos, com o Xá anterior sempre tentando ser o poder moderador em tudo. Porém, em 1925, uma monarquia constitucional foi instalada neste estado que em uma direção tem o Afeganistão e do outro o Iraque como vizinho. Quanto à exploração do petróleo, bem, esta ficava na mão da Anglo-Persian Oil Company, que hoje em dia tem o carinhoso nome de British Petroleum. Sim, uma das maiores empresas do ramo petrolífero do mundo começou metendo o nariz onde não era chamada.
Pois então, após este Golpe de Estado que estabeleceu uma separação de poderes dentro do Irã, o Xá se tornou uma figura controversa, igual o VAR na Copa do Mundo e seu uso na partida Equador x Catar. Em uma nação de a maioria muçulmana, trazer uma ocidentalização na educação e nos costumes desagradou desde o primeiro segundo do primeiro tempo. Contudo, o Xá Pahlavi, muito ajudado pelo ímpeto das democracias ocidentais fez o que queria, e aos poucos Teerã por exemplo, a Pérola do Oriente, se parecia cada vez mais com uma cidade importante do lado Ocidental do mundo. Desde é claro que a Anglo-Persian Oil Company continuasse como sendo a principal empresa da extração de petróleo do Irã. Ninguém poderia mexer em time que está ganhando, pois assim os aliados sempre ficariam desse lado, como aliados.
Se o seu amigo te invade, acredite, ele não é seu amigo.
Em 1941, o Irã foi “amistosamente” invadido pelo Reino Unido, no melhor estilo fogo amigo. Pela data, rolava a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e o Reino Unido deu a desculpa de que precisava assegurar os poços de petróleo do Irã. Sim, os poços! Esqueceram o povo iraniano. Findo a guerra com a derrota do Eixo, outro fantasma assombraria as relações exteriores, o Comunismo – que de vez em quando volta na mente de uma galera perdida no século XX. Entretanto, fundamental é a figura do Primeiro-Ministro Iraniano Mohammed Mossadegh (1880-1967), alçado a esta função em 1951, mesmo que a contragosto do Xá e defendendo o estado laico. Detendo grande apreço de diversos espectros da população, Mossadegh, nacionalista como só, fez questão de colocar um barril de pólvora e tacar fogo de uma só vez com apenas uma lei; a nacionalização do petróleo.

Em março de 1951, o Parlamento Iraniano, o Majli aprovou e nacionalizou todas as empresas petrolíferas dentro de seu território, levando a Crise de Abadã e uma tremenda dor de barriga para Londres. Se de um lado, Teerã achava o correto e tinha o apoio da população para essa medida – já que o Estado ficava com apenas 20% dos rendimentos – Londres surtava e falava a mesma coisa que liberal fala de imposto, que é um roubo. O surto londrino foi tamanho que eles entraram em contato com seu parceiro e ex-colônia, os EUA. O assunto era a tentativa de inserir sanções contra o petróleo do Irã. A questão é que os EUA, com medo de que isso fizesse o Irã se aproximar da União Soviética não entrou no barco do Reino Unido. Era o Reino Unido levando cartão amarelo.
Mexeu com o petróleo, mexeu comigo. É a frase do Reino Unido.
No entanto, que nem partida de Copa do Mundo, os americanos, do jeito que só eles sabem fazer, percebiam a situação peculiar. E que merecia uma medida corretiva de levar a democracia como sempre fazem, como se jogassem Democracy 4 (PC). Mesmo que no então Irã, do jeito deles, houvesse um corpo legislativo e um executivo monarca que – ainda – respondia a um regramento. Durante dois anos, a CIA ficou infernizando a vida do Xá, que não podia dizer não aos seus dois maiores amigos, mesmo que Mossadegh também não lhe fosse agradável. Somente em 1953, muito instigado pela CIA, que de boba não tem nada, o Xá Pahlavi demitiu o Primeiro Ministro Mossadegh, levando a completa insatisfação popular. O caldo entornou de tal maneira que o próprio Xá deixou o Irã e se refugiou em Roma, esperando a poeira abaixar e que seus amigos ocidentais dessem um jeito na bagunça.
É então que tem início a Operação Ajax, nome de time de futebol neerlandês. Ou no Irã conhecida como Golpe Mordad 28. Temendo que Mossadegh, que havia retornado ao poder após a expulsão do Xá virasse sua camisa para o lado vermelho de Moscou, a CIA e o MI6 orquestraram a queda do Primeiro Ministro democraticamente eleito, sem mais nem menos. Simplesmente pegaram a bola da Copa do Mundo e levaram para casa sem terminar a partida. Ao lado de uma junta militar, que aparece nesses momentos para algum golpe, o novo governo colocou Fazlollah Zahedi como Primeiro Ministro. O Xá, que estava esperando a parceria dar certo, retornou ao Irã. Os principais aliados de Mossadegh foram presos, torturados e mortos, e o Parlamento Iraniano foi fechado. A receitinha básica dos EUA em seus golpes de Estado e aplaudido foi na arquibancada e no campo pelo Reino Unido.
Com a CIA envolvida, o ranço com pelos americanos cresceu.
Trazido de volta, a Dinastia Pahlavi ficou ainda mais amiga das potências ocidentais, mas isso não quer dizer democrática. Na verdade, a partir desse momento, o Irã se tornou uma monarquia autoritária em que o Xá detinha plenos poderes. E isso não atrapalhava em nada os democráticos EUA e Reino Unido. Aliás, o Reino Unido, depois de tanto reclamar, conseguiu acabar com a nacionalização do petróleo do Irã. A Anglo-Persian Oil Company foi restaurada como um consórcio internacional, e como prêmio de consolação, o Irã agora ficava com 25% dos lucros auferidos. 5% a mais do que o contrato original. Sem um Legislativo, o Xá mandava e desmandava no Irã, trazendo uma ocidentalização ainda mais forçada. Mossadegh passaria o fim de seus dias em prisão domiciliar, mas isso não tirou o ímpeto das classes que tinham se irritado com a presença americana.

Sendo marcados como os responsáveis pelo Golpe de Estado de 1953, os Estados Unidos eram vistos como os culpados por toda a desgraça. Afinal, é como se tivessem mudado as regras da partida da Copa do Mundo. A mudança nos costumes e o regime autoritário e mortal do Xá, onde os direitos humanos davam tchau e sequer chegavam perto eram as principais mazelas. O Reino Unido fechava os olhos, assim como os EUA para as barbaridades cometidas pela polícia secreta do Xá. Essa burrada coletiva do Ocidente levaria 26 anos depois a uma enxaqueca ainda maior, a Revolução Iraniana em 1979. Para quem não sabe, a Revolução foi responsável por expulsar o Xá novamente do Irã – com o aviso de que se retornasse morreria – e a instalação de uma República Teocrática. O passeio histórico nesse período se intensifica com o game 1979 Revolution: Black Friday, de 2016.
Tem muita história dentro desse encontro na Copa do Mundo.
Todas as modificações culturais pró-Ocidente foram proibidas, e o Irã voltou a compartilhar o costume muçulmano como o padrão de vida. O Aiatolá se tornou chefe acima de todos os poderes, seja Executivo, Legislativo e o Judiciário. Como, desta vez o maior amigo dos EUA dentro do Irã foi deposto, é possível pensar o que foi feito pelos americanos? Desta vez, é claro, sanções internacionais foram postas fruto do “Golpe de Estado” protagonizado pelo Aiatolá, no qual os Estados Unidos e seus amigos Ocidentais indicavam uma ruptura democrática dentro do Irã. Porém, desta vez não houve CIA, MI6, levar a bola do estádio ou comprar o juiz. Nada foi o suficiente para derrubar o novo regime implantado no Irã, que até hoje morre de ódio pelos EUA. Não por menos, este foi mais um dentre os vários países que os EUA interferiram internamente em termos políticos, econômicos e sociais.
Dito isso, engana-se quem fala que o Esporte, especialmente o futebol não pode ser politizado. Na verdade, disputas esportivas são igualmente politizadas, e um Irã x EUA em plena Copa do Mundo de Futebol não pode ser desprezado. Ainda mais em um grupo que ainda conta com a Inglaterra, que não somente tem dedo como uma mão completa em toda a história iraniana moderna. Se os jogadores deixarão para fora do campo às disputas geopolíticas são outras questões, como fizeram na Copa do Mundo da França de 1998. Porém, é necessário muito mais do que um aperto de mão, troca de flores ou de um juiz correto para separar mais de um século de relações extremamente conturbadas. Muito é claro fruto de ações das próprias nações, ditas democráticas, ao redor do mundo. Cuide-se o Catar com suas reservas de petróleo, não sabemos onde será a próxima sanção.
Ótima curiosidade sobre esses dois e conseguindo linkar. Quero ver depois um Suíça x Sérvia que está no grupo do Brasil aliás. Ali também tem tanto pano para manga que ele esgarça completamente.
Olá Archie, que bom que você reapareceu.
Sim, como você poderia imaginar que estamos engatilhando o problema da Sérvia com a Suíça não é mesmo? Então, provavelmente, ela virá sim neste mesmo padrão que foi dos EUA x Irã. Espero que você tenha gostado.
Os Estados Unidos também invadiram a Islândia durante a Segunda Guerra Mundial quase que com o mesmo argumento. Só que ao invés de Petróleo, foi para proteger o Atlântico dos U-Boats da Kriegsmarine Alemã. Sim, é esse nome mesmo se você já escutou alguma música do Sabaton.
Sim, a Islândia se tornou um “protetorado” Norte Americano durante os eventos da Segunda Guerra Mundial. E aliás Yago, prazer em conhecê-lo e que bom que você tem um excelente gosto musical, Sabaton é bom demais. Aliás, espere por novas músicas devido ao conflito da Ucrânia e da Rússia (que aliás são proibidas de jogar como rivais em mesmo grupo pela UEFA). E tem gente que fala que não se pode politizar o futebol. Mas sabem que ele já é politizado.