Chocando ninguém, e aproveitando o clima quente vindo do Catar através da Copa do Mundo de Futebol, o Guariento Portal vem com mais um especial deste esporte aclamado por Brasileiros, Portugueses, Angolanos e gente de outros idiomas. Se antes você conseguiu entender um pouquinho do problema geopolítico que significa uma partida entre Irã x EUA, vai precisar tomar um café bem quente para começar. Disse começar a entender a dificuldade que se encontra nos Bálcãs, uma região da Europa onde se encontram duas nações; a Sérvia e a Albânia. A Albânia pode não estar na Copa do Mundo, mas existem albaneses kosovares na seleção suíça de futebol, e eles são odiados pelos sérvios. Mas acalme-se, não exploda, pois entre essas duas nações, houve uma partida de futebol que nunca acabou. É o que você verá aqui no Guariento Portal.
Atenção: De forma idêntica ao que foi falado quando o Irã e os Estados Unidos foram os lados da vez, o Guariento Portal mistura neste especial de Copa do Mundo geopolítica, história, futebol e o mundo dos games. A questão é que não espere por imparcialidade. A Sérvia durante todo o começo do século XXI foi vista como tóxica pela comunidade internacional. Não por menos, embora as outras etnias tenham membros sendo julgados no Tribunal Penal Internacional, é sobre os sérvios que pesam os piores momentos. É o caso do Massacre de Srebrenica e o Cerco de Sarajevo. Este último é o mais longo cerco a uma cidade europeia e fonte para a criação, pela polaca 11 bit Studios do game This War of Mine (PC via Nuuvem, PS4, One, Switch). Isso não tem como contestar por nenhum dos lados.
Tudo corria bem entre Albânia e Sérvia. Até o minuto 42.
Se na Copa do Mundo o encontro destas seleções não ocorreu, diferente foi nas Eliminatórias para a Euro de 2016. Mais conhecido também como Campeonato Europeu de Futebol. Era 14 de Outubro de 2014. Provavelmente você estava jogando Super Smash Bros, do Nintendo 3DS, ou quem sabe Final Fantasy XIII (PC, PS3, 360). Ou então esperava ansiosamente, pois era o dia de lançamento de The Evil Within (PS4/PS3, 360/One, PC via Nuuvem) o novo game de terror de Shinji Mikami, o criador de Resident Evil. Porém, em Belgrado, capital da Sérvia, no estádio Partisano, estas duas seleções se enfrentavam de torcida única. Por questões de “segurança”, somente a seleção sérvia tinha torcida. Até então, tudo transcorria normalmente, com a Albânia marcando três gols. No entanto, chegou o fatídico minuto 42 do segundo tempo, e tudo desandou.
Com a torcida nenhum pouco amena da Sérvia gritando palavras como “Ubij, ubij Šiptara”, algo tenebrosamente traduzido como “Mate, matem o albanês”, um drone de algum nacionalista albanês simplesmente sobrevoou o campo com uma bandeira da Albânia. Ou melhor dizendo, da Grande Albânia em campo. Um jogador sérvio, Stefan Mitrović então foi até o drone e arrancou a bandeira, sendo pega no chão pelo atacante albanês Bekim Balaj. Foi o suficiente para que os torcedores invadissem o campo e a partida terminasse em muita confusão e pancadaria, com o time da Albânia sendo atacado pelos invasores sérvios. Isso com toda certeza você nunca verá em uma partida protagonizada em um FIFA 21 (Series S/X, PS5, PC, Switch) da Electronic Arts ou em um e-Football (PS5, Series S/X, PC) da Konami em toda a sua vida.
A Grande Albânia e a Grande Sérvia são conceitos problemáticos.
Tudo bem, mas por qual desgraça uma bandeira com a grande Albânia foi o motivo da partida de futebol ter sido suspensa? A resposta está na geopolítica. Se você jogou Victoria II (PC) sabe como funcionam os casus beli para a anexação de regiões. A Grande Albânia é uma ideia nacionalista albanesa, e por óbvio que, em linhas gerais, indaga que todo território onde existam membros da etnia albanesa devem ser vinculados a um estado albanês. O mesmo ocorre com a Grande Sérvia, que destaca que onde existirem sérvios, tais regiões devem fazer parte de um único território sérvio. A questão para a Albânia é que existem regiões de maioria albanesa dentro de Montenegro, da Macedônia do Norte, da Grécia e especialmente no Kosovo. Essa região, aliás, é de maioria albanesa e se autoproclamou independente em 2008, logicamente não reconhecida pela Sérvia pois é território desta.
Assim, falar de uma Grande Albânia é o mesmo que dizer, em linhas gerais, que o Kosovo não é sérvio. E para um sérvio, isso é pior do que xingar a mãe deles, pois essa região faz parte da construção da nacionalidade sérvia. Em 1389, foi ali tomada uma batalha em que os eslavos perderam para o então poderoso Império Otomano. No entanto, mesmo com a derrota, os eslavos ortodoxos do Sul – atualmente os sérvios – se vangloriam por ter precedente naquela região desde o século XIV. E como aquela terra é um marco sagrado, nunca será retirada da Sérvia ou de qualquer outro estado sérvio que vier a surgir. Então, somente com isso se percebe que não foi uma boa caírem na mesma chave Albânia e Sérvia para jogarem uma partida de futebol.
Existem partidas que a UEFA reza para que nunca aconteçam.
A questão é que essa partida não precisava nem ser de Copa do Mundo, mas é um exemplo rápido e prático para demonstrar como conflitos mal resolvidos na geopolítica ultrapassam a barreira do esporte. Até hoje, por exemplo, a questão kosovar é uma pedra no sapato de toda a região balcânica, assim como das ditas potências ocidentais – sempre envolvidas em tudo – tal como a Rússia. Quanto à partida, ela não foi terminada obviamente pelo tumulto generalizado que ocorreu depois do minuto 42. Porém, incorreu em penalidades para ambas as seleções. Como a Albânia saiu do campo em pleno jogo – afinal, estavam sendo agredidos – os pontos foram dados para a Sérvia. Porém, ela os perdeu como punição pela falta de segurança em Belgrado. Ninguém ficaria com ponto algum, e tiveram a dor no bolso ao desembolsar 100 mil euros.
Com o problema ocorrido no Partisano em 2014, a Albânia e a Sérvia entraram no seleto grupo de times que só podem se enfrentar se for por meio de videogame mesmo. Sim, existem partidas que embora não sejam proibidas, os europeus rezam para que nunca aconteçam. Porém, parece que a Sérvia é a problemática do parquinho, pois embora não tenham uma proibição própria contra a Albânia e a Bósnia, a Sérvia nunca joga uma partida contra o Kosovo. Tudo isso pelas ranhuras genocidas no meio do esfacelamento da Iugoslávia ainda na década de 90 do século XX. Qualquer internacionalista ou leitor pode verificar o problema em larga escala que foram as guerras de independência das repúblicas dos Bálcãs e o papel da Sérvia em ser odiada por praticamente todos os outros países da região. Só não é odiada pela Rússia, que é sempre do contra.
Existem imigrantes, e eles até hoje guardam muitos ressentimentos.
Aliás, uma partida contra a Croácia, que também foi parte da Iugoslávia também não é proibida, porém a mágoa da independência croata volta e meia aparece no coração sérvio. Essa Copa do Mundo não promoverá um encontro direto entre estas duas nações. Porém, a Suíça, a mais neutra dentre todas as nações, tem jogadores que não são tão paz e amor assim. Especialmente quando se fala de Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri, os principais atacantes que adivinhem, tem descendência direta de albaneses e kosovares. Então, provocações é o que não faltam. Como foi o que aconteceu na Copa do Mundo de 2018 na Rússia, quando um gol suíço foi comemorado com o símbolo da águia de duas cabeças da Albânia. Óbvio que isso é motivo para alimentar ainda mais o ódio sérvio, mais além do que o do Congo ao mencionar o Rei Leopoldo II da Bélgica.
Mas, voltando aquela partida, é claro que ganhando de 3 x 0, a Albânia foi até o Tribunal e apelou, uma vez que seus pontos foram retirados pela justificativa de abandono. O imbróglio só foi realmente decidido no Tribunal Arbitral do Esporte. Naquela ocasião, já no ano de 2015, a Albânia recupera estes pontos uma vez que o diagnóstico foi que a Sérvia, como mandante e tendo a exclusividade de torcedores tinha a obrigação de cuidar da segurança. E ao ser desleixada com esse cuidado, fez com que a Albânia não tivesse escolha e abandonasse o campo. Com esses três pontos, a Albânia se sentou na janelinha e passou em segundo em seu grupo, deixando para trás ninguém menos do que a Dinamarca. A Sérvia não se classificou, ficando em quarto, e viu seu rival, na política e no futebol, avançar para a competição mais importante de seu Continente.
Nos Bálcãs, não há vencedor. Todos perderam em algum momento.
Então, antes de olhar o futebol como um esporte de paixão nacional, como é o caso do Brasil, saiba leitor que ele nem sempre é sinônimo de alegria. Existem questões que extrapolam completamente as quatro linhas de um campo, e de seus jogadores. A questão sérvia e toda a região balcânica, aliás, é um barril de pólvora que faz o Oriente Médio parecer um estalinho no meio do canhão que ali se desenvolveu. E o pior, que não foi resolvido. Fronteiras são complicadas e os jogadores mais ávidos de Civilization VI (Switch, PC via Nuuvem, Xbox, PS4) sabem disso. O problema é que no mundo real, ao invés do entretenimento eletrônico, existe uma história triste, sanguinária e que mostra que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.