Conhecimento é poder. Embora Cersei Lannister possa não concordar com esta afirmativa em um dos melhores diálogos de Game of Thrones, são vários os panteões onde o “conhecimento” é visto como algo a ser alcançado. Ou com sua própria personificação. Enki para os sumérios; Toth, para os egípcios; Nanã para o povo iorubá, Atena para os gregos e Minerva para os romanos, são exemplos de entidades que personificam o conceito de sabedoria. Mas tem gente, ou melhor, deuses que querem ser esses bisbilhoteiros e saber de tudo. É o caso do Pai de Todos, Odin, o Senhor de Asgard. De seu trono em Valhalla, ele observa todos os Nove Mundos na Mitologia Nórdica e em Assassin’s Creed Valhalla. E nessa sua empreitada, ele precisou perder um olho e jogá-lo num poço para ter todo o conhecimento. Porque? Isso a própria mitologia vai responder.
Pois bem, Odin pode ser o Pai de Todos, mas não é nem mesmo o filhote mais velho do mais velho deus nórdico. Tal como os Olimpianos e os Titãs entre os gregos, antes da classe dos Aesir – ao qual Odin pertence – existiam deuses gigantes anteriores, e entre eles estava Mímir, o deus da sabedoria. Todo o conhecimento e a sabedoria de Mímir vinha de um poço, em que antes do amanhecer ele bebia para ter todo o conhecimento do mundo. Uma rotina eterna. Esse poço ficava nas profundezas de uma das três raízes da Yggdrasil, a árvore que pela cosmologia nórdica, era o pilar de todos os Nove Mundos. Porém, Odin soube dessa história, e ele já era conhecido por ser um deus que prezava acima de todas as coisas a busca pelo conhecimento. E sim, acima de tudo… e de todos.
Se temos a Mãe Suprema na Índia, temos o Pai de Todos.
Para Odin, não havia empecilho para que ele conhecesse a chave da sabedoria. Certa vez, tentando entender como funcionava a Yggdrasil, ele fez questão de se pendurar, se ferir e ficar sem comer durante uma semana para saber sobre as runas. Todos os dias, também pela manhã, Huginn e Muninn, seus corvos, sobrevoaram todos os mundos e ao cair da tarde, voltava para sussurrar em seu ouvido as novidades. Ou seja, Odin também tinha traços de fofoqueiro em plena Mitologia Nórdica, querendo saber de tudo que rolava mundos afora. Claro que, depois que chegou ao seu ouvido uma certa história de um poço que poderia dar o conhecimento supremo de quem bebesse sua água, Odin não pensou em outra coisa, senão em encontrar esse lugar. E assim marchou por toda a distância da Yggdrasil, de seu topo até as profundezas.
Na fronteira entre o abismo sem fim, Ginnungagap e a terra dos gigantes de gelo, Jotunhein, o Pai de Todos encontrou o poço, o Mímisbrunnr. Esse é o termo em nórdico antigo bem criativo para “Poço de Mímir”. Ao lado do poço, que para alguns autores era mais próximo de um lago, estava o gigante Mímir,. Ou melhor, a cabeça do deus, uma vez que ele foi decapitado pela guerra entre os Vanir e os Aesir. Como você viu em God of War de 2018 e Ragnarok em seu PlayStation. Ele conta que sua sabedoria vem do poço, porém, ele só poderia permitir que Odin bebesse daquela água se uma oferenda fosse feita. Nesse caso, o sacrifício necessário era que Odin deixasse de ver o plano físico para ter todo o conhecimento. Não pensando nem mesmo duas vezes, o deus nórdico saca uma faca e arranca seu olho.
Na Grande Batalha dos Deuses, todo o conhecimento é necessário.
As traduções da Volüspa, a primeira parte da Edda em Prosa em nórdico antigo, chega a relatar que Odin jogou o seu olho dentro do poço. E, mesmo com dor, ficou agraciado por tomar um pouco daquela água. Assim, Odin passou a ser o mais sábio dentre os deuses. Após a guerra entre seus parentes de outro plano, envolvendo brigas de família, pilhagens, lanças e escudos, além de muito ferro e navios no vigor das ondas buscando levantar e reinar, Mímir passa a ser uma espécie de conselheiro de Odin. Pelo menos sua cabeça decepada, que se transforma em um artefato divino ao sussurrar o conhecimento obtido para o Senhor de Valhalla. Que agora também estava caolho é claro. Porém, parece que Odin não foi o único que perdeu alguma coisa em busca de conhecimento. Aqui, temos a clássica figura de Heimdall.
Acontece que mesmo que o islandês seja o idioma vivo mais próximo do nórdico antigo, ainda assim traduções podem conter problemas. E Heimdall está envolvido nisso. Tudo por causa de um termo, hljóð. No nórdico antigo, essa palavra pode ser traduzida como “chifre” ou “audição”. É dito que Heimdall deixou isso no Poço de Mímir. Ou seja, mais um bisbilhoteiro teve de deixar algo como sacrifício. O problema é que no mesmo Volüspa, o chifre de Heimdall é o Gjallarhorn, o instrumento que o deus nórdico irá soar o Ragnarok, da mesma forma que as trombetas do Apocalipse cristão. Então, já existindo um termo próprio para o “chifre” de Heimdall, hljóð poderia ser visto como audição. Assim, enquanto Odin teve de dar um de seus olhos – o sentido da visão – Heimdall deu um de seus ouvidos ou orelha – o sentido da audição.
Foi nessa busca que Odin acabou perdendo – em sacrifício – o seu olho.
O poço de Mímir é tão importante na cosmologia nórdica que com apenas um gole, Odin adquiriu toda a sabedoria. No entanto, ele não é filho único, existindo outros dois poços – ou lagos – que também estão enterrados perto das raízes de Yggdrasil. Felizmente, nenhum deles faz alguém perder um olho para poder beber de sua água. O segundo deles é Hvergelmir, a fonte borbulhante em nórdico antigo que está em Niflheim, que é a nascente de todos os rios que levam aos Nove Reinos. Por fim, temos o Urðarbrunnr, que é dito ser um lago de fato coberto por um lodo branco que é a morada das três nornas. Os três poços são vizinhos da gélida terra de Helheim, onde reina Hela, que não é tão bela quanto a Cate Blanchett. Quanto a perda do olho de Odin, existe um significado.
Além de deixar marcada a figura do deus nórdico, quer seja em Vikings, a série de TV, quer em animações japonesas, como Shuumatsu no Valkyrie, a viagem de Odin e seu sacrifício físico marca a ascensão completa do Pai de Todos, tendo que deixar algo para trás. Uma jornada do herói do melhor estilo nórdico, para um objetivo maior, aprender todo o tipo de conhecimento e desvendar os seus mistérios. Com a Gungnir, a lança que nunca erra e montado em seu notável cavalo, Sleipnir, filho de Loki – sim, o deus da trapaça é mãe deste cavalo – Odin estaria se preparado para o fim de sua era. Agora, com o conhecimento necessário, ele se transformaria em um dos mais poderosos rivais dos gigantes de fogo em sua derradeira batalha, mesmo que pereça pelas mandíbulas de Fenrir, no Apocalipse da Mitologia Nórdica, o Ragnarok que não o da Marvel.