Claro que nós gostamos da Hela que apareceu em Thor: Ragnarok (2019). Contudo, conheça a verdadeira deusa da morte na mitologia nórdica. Uma entidade que controla seu próprio reino e não é nem boa, nem má, mas apenas justa.
Provavelmente, você já deve ter ouvido falar esse nome alguma vez na vida. Se você viu Thor: Ragnarok, filme de 2019 da Marvel, sabe que o personagem foi interpretado de maneira elegante por Kate Blanchett (a mesma que fez a elfa Galadriel em O Senhor dos Anéis e o Hobbit). Pois saiba que de fato, a personagem Hela existe. Só que é claro que, como uma vilã do Universo Cinematográfico da Marvel, buscou-se uma licença poética. Nas narrações nórdicas que originaram o personagem, ela não pode ser chamada de vilã. Trata-se sim de uma deusa que busca o equilíbrio e a justiça.
Primeiramente, esqueça a ideia de que Hela busca a todo o custo o trono de Asgard. Ou o controle dos Nove Reinos. Também esqueça que ela é parente de Odin. Na lenda original, não é informado desse parentesco. Hela (que também pode ser grafada como Hel) é a deusa do mundo dos mortos, Hellheim. Seu nome levaria ao inglês hell (inferno), porém seu significado é bastante distinto. Enquanto o contexto judaico cristão coloca este mundo como um lugar de fogo e enxofre, para o sofrimento das almas que não alcançaram a graça divina, o domínio de Hela é frio. Ou melhor, é enevoado.
Com preguiça de ler toda toda a matéria? Não devia. Eu sei que você gosta de mitologia nórdica, afinal está aqui não é mesmo? Mas, se mesmo assim você prefere um resumo desta pequena matéria sobre Hela, a versão original do mito nórdico, confira:
- É normal pegar certas influências para se criar uma obra, e a Marvel gosta de fazer isso com os mitos nórdicos. É o caso das história da Thor, o deus nórdico do trovão, personagem fundamental da empresa. Contudo, com a mitologia nórdica também temos a entrada de Hela, a deusa da morte.
- Dando as devidas licenças poéticas, a mitologia nórdica tem uma postura diferente da Hela do MCU e dos quadrinhos. Ela não é filha de Odin, mas sim de Loki. Ela não sai de seu mundo e nem mesmo vai interferir nos acontecimentos do Ragnarok, o fim do mundo asgardiano.
- Mesmo assim, seu poder é supremo dentro de suas terras, o enevoado Hellheim. Aqueles que morreram doentes e sem glória vão para o seu mundo. Porém, ela cuida de todos os de bom coração. Para os ímpios, apenas o gelo de Nilfheim é o destino.
Tanto é que Hellheim pode ser identificado também como o “Casa das Névoas”. Aqui, Hela detinha o poder absoluto, tal como Hades na mitologia grega. Seu reino era servido por aqueles que morreram idosos, doentes ou sem glória de batalhas. Para a cultura viking que venerava Hela, era necessário, para acessar os salões de Valhalla – o equivalente ao Paraíso cristão – morrer com glória ou em batalha. Todos aqueles que não conseguiam isso ficariam em um mundo opaco, sem vida. Mesmo assim, se ainda aquelas pessoas tivessem sido boas em vida, Hela os acolhia. Era comum que a deusa cuidasse de todos que ali chegavam.
No Hellheim, Hela detinha o poder absoluto, tal como Hades na mitologia grega. Seu reino era servido por aqueles que morreram idosos, doentes ou sem glória de batalhas.
Agora, os de péssimo coração tinham um próprio lugar especial. Como dito, Hela não era boa nem má, mas apenas justa. E ao perceber que uma alma não virtuosa chegara em seu reino, ela poderia mandá-lo para o mundo mais profundo da mitologia nórdica, o Nilfheim. É um mundo onde a realidade não existe prontamente, e o frio e a névoa são ainda mais densos do que o de Hellheim. Ali é onde crescem as raízes profundas da Yggdrasil, a árvore que sustenta os Nove Mundos. É o lugar mais frio, gélido e “sombrio” que se pode chegar. O reino de Hela era guardado por um cachorro chamado Garm. Análogo ao que Cérbero é para o já citado Hades.
Agora, diferente de sua contraparte da mitologia grega, não existe detalhes de que Hela saía de seu mundo. Uma vez que era detentora de Hellheim, seu destino era de prontamente cuidar de todas as almas que ali entravam. Nem mesmo no Ragnarok, o fim do mundo nórdico ela ousará participar da batalha dos deuses, decidindo se apartar da briga titânica. Mesmo que seu pai, Loki seja um dos percussores do fim. Isso mesmo que você leu, Hela é filha de Loki e irmã de Fenrir, o lobo gigante. Em termos de características físicas é conhecida como não muito bela. Uma vez que parte de seu corpo é normal, enquanto o outro está em decomposição.
A principal história de Hela que chega a atualidade é a descrita por Snorri Sturluson, diplomata e escritor islandês da idade Média. É dele a autoria do principal escrito mitológico nórdico, a Edda em Prosa. Aqui, a história é a seguinte: Loki teve três filhos com uma giganta chamada Angurboda (original Angrboða) a deusa do medo. Além de Fenrir e Hela, o terceiro era a serpente de Midgard. Odin então solicitou que seus soldados pegassem as três crias e levassem para o seu palácio. Ali, ele dividiu as três perigosas criaturas; a serpente foi jogada no oceano de Midgard (a Terra), Fenrir foi aprisionado em correntes especiais. Enquanto isso, Hela foi levada para Nilfheim, só que Odin lhe deu o poder de controlar um outro reino, e ser a deusa da morte. Sendo assim, ela criou Hellheim e o controlava como regente absoluta.
Depois disso, ela aparece novamente após a morte de Baldr, um acontecimento que repercute no Raganarok. Segundo a mesma Edda em Prosa, Hermod, asgardiano, vai até as terras de Hela montado em seu cavalo de oito patas, Sleipnir suplicar para que Baldr retorne a vida. Contudo, a deusa é implacável e informa que somente permitira se todos os asgardianos chorassem pela morte do deus. Infelizmente, isso não acontece pois a gigante que morava em Asgard Thökk não chorou pelo deus. E assim, Baldr continuou nas terras de Hela para todo o sempre. Enquanto o restante dos Asgardianos e dos Nove Reinos iniciavam os acontecimentos do Ragnarok. Essa história, como pode perceber, encontra similaridade com a descida de Orfeu aos infernos pela mitologia grega.
Curiosidade: Hoje, na Islândia, pequeno país insular no Atlântico Norte é proibido que os pais adotem o nome de Hel ou Hela para os seus filhos. Essa impossibilidade foi incorporada pelo Comitê de Nomeação da Islândia, órgão governamental que cuida dos nomes dos nascidos no país. Vale destacar que a Islândia se orgulha de seu passado nórdico, e possui uma cultura de preservar sua língua e suas raízes. Não por menos, o islandês é o hoje considerado o mais “arcaico” dos idiomas nórdicos, muito próximo ao nórdico antigo, o que possibilita que um islandês consiga ler a Edda em Prosa, produzida na Idade Média, sem dificuldade.