Se você acompanha o Guariento Portal, sabe que Quake completou vinte e cinco anos de lançamento. E como comemoração, ganhou uma versão remasterizada com Quake Remastered para diversas plataformas, incluindo o Xbox Series e o Nintendo Switch. Contudo, se Quake pode ser considerado um game percursor de seu gênero, ele também foi o instrumento de tortura para todos os seus desenvolvedores. Quem vê o ano de 1996 apenas sabe do sucesso estrondoso que foi o título. Porém, não sabe nem da metade que o título passou por reviravoltas de estilos, ora se tornando próximo de seu primo, ora sendo tão distinto que nem mesmo os mais conhecedores da franquia imaginavam. Inclusive com a criação de uma engine própria para o game. Foi necessário trabalho, discussão e muito suor para que Quake se tornasse o que de fato é pelo estúdio id Software.
Hoje comemoramos o 24º aniversário de Quake, o aterrorizante jogo multiplayer 3D explosivo para um jogador de 1996. Ele foi difícil de se conceber, mas o game ainda resiste ao teste do tempo e ainda é jogado todos os dias.
John Romero em 2020, pelo Twitter, quando Quake comemorou seu 24º aniversário.
Voltando a década de 90, pegue uma equipe estupidamente talentosa, e igualmente revolucionária. Junte tudo isso em um caldeirão de ideias e o que pode ter saído uma excelente ideia antes, pode criar faíscas e um incêndio agora:
Mas antes disso, vamos lembrar do passado. Voltemos a década de 90 do século passado. O estúdio americano id Software surfava em uma onda maravilhosa com o lançamento de Doom, sucesso absoluto em 1993 e seu sucessor, Doom II, em 1994. Com uma ação frenética e colocando o jogador na pele de um executor de demônios, rapidamente o game se colocou como uma sementinha do que viria a ser o gênero de tiro em primeira pessoa, o chamado FPS. É então que o pessoal da id, mas precisamente o nome de John Carmack salta a tela. Com uma ambição de sempre fazer algo melhor, assim como o salto em tecnologia, o desenvolvedor decidiu fazer uma engine do zero, não utilizando assim todo o código que ajudou o estúdio a construir Doom. Mais tarde, essa engine teria o nome do mesmo game, Quake, e se tornaria um software livre.
Enquanto Carmack ficava com a criação e construção de uma nova engine, tendo a companhia de Michal Abrash e John Cash, a maior parte do time de desenvolvimento da id Software se preocupava com a parte conceitual, o cenário e os gráficos da nova aventura. Nessa seara, ficaram nomes como John Romero (não confundir este Romero com o diretor George Romero de filmes de zumbis como o Clássico A Noite dos Mortos Vivos), Sandy Peterson e Adrian Carmack. As primeiras informações que se tem de Quake é que ele seria bem diferente. Primeiramente, ele foi descrito como uma game em que o jogador controlava um personagem semelhante ao deus asgardiano Thor. Assim, seus ataques seriam feitos com o uso do martelo do deus. Porém, também pensou-se inicialmente que os níveis seriam produzidos com uma arquitetura asteca. Porém, isso sequer durou meses depois do início do desenvolvimento.
Quake poderia ter sido qualquer coisa. Cenários mais medievais, com dragões… Ou quem sabe com pirâmides astecas dentro de suas fases. Não foram poucas as concepções de ideias. Pena (ou não, quem sabe) que elas eram extremamente problemáticas na nova engine, que ainda estava em desenvolvimento.
É então que o jogo novamente passou por uma inspiração absurda de ideias. Pensou-se em colocar dragões e uma ideia mais medievalesca, assim como elementos de RPG, mas essa ideia também foi desandando conforme o tempo. Não se queria aproximar Quake, até então uma ideia abstrata, de Doom, e sim criar algo bem distinto. No entanto, John Carmack continuava a trabalhar na nova engine, e esse seria o problema principal da id enquanto produzia o game. Uma vez que criar um título em uma engine ainda em desenvolvimento é absurdamente difícil. E assim foi feito. Enquanto o time de desenvolvedores de cenário elaboravam sua parte, haviam problemas na engine que depois deveriam ser consertados, ou que a engine não permitira e deviam ser reformulados. Desta forma, o time começou a não se entender muito bem. A criação da Quake Engine durou cerca de um ano.
Nesse período, que em outros games, como o já citado Doom era de dois meses, o time de cenários pouco avançou. Justamente pelo motivo de que era praticamente impossível criar cenários de acordo com suas ambições em uma engine que ainda estava em desenvolvimento. John Romero inclusive, em uma de suas várias entrevistas em que relata seu período na id Software diz que nesse período, uma das piores partes eram as texturas e as mecânicas de gameplay. Pois assim que equipe colocava dentro da nova engine, ela simplesmente não funcionava, e eles precisaram refazer praticamente do zero. Um típico inferno astral no desenvolvimento de Quake. Somente depois dessa parte do desenvolvimento da engine, a equipe se viu diante de um impasse e precisou de reunir de fato para encontrar o caminho. Afinal, o que Quake realmente seria?
Sabe aquele problema que quando se trabalha em grupo tem que ter aquele momento de sentar e decidir o que realmente se deve fazer. Então, a id Software teve de fazer isso, mas nem todos saíram tão felizes dessa reunião:
Se Carmack queria ser revolucionário com uma engine dotada de tridimensionalidade, Romero queria ser revolucionário no game design. É então que o time veria seus piores dias, pois não havia mais encontro de ideias. Tempo vai e tempo vem, finalmente Quake foi tirando seus conceitos originais e se tornando cada vez mais próximo do que é visto hoje como franquia e de seu primo, Doom. Na verdade, Quake usaria ainda as mesmas armas de seu quase antecessor, tendo a id Software trabalhado em melhorar aquilo que já sabiam fazer de melhor. Elementos mais fortes de RPG foram esquecidos, e ao invés de criaturas completamente demoníacas, o que se estabeleceu foi uma forte ligação com as histórias e o mundo de H.P Lovecraft, um dos maiores escritos do gênero de horror da literatura mundial. No entanto, nem todos gostaram dessa ideia, em especial Romero.
Ok, pessoal. Parece que todo mundo está especulando se Quake vai ter um estilo RPG de ação leve. Errado! O que a id faz melhor e domina? Você pode dizer “ação”? Eu sabia que você podia. E assim Quake será um game de ação constante e agitada por toda parte – provavelmente mais ainda do que Doom.
Post de John Romero traduzido após as [muitas] divergências interno sobre o estilo que Quake seria.
Resolvido o problema do que Quake seria e com a engine construída e em funcionamento, não havia tempo a perder… Mesmo. Aumentando ainda mais o estresse do time de desenvolvimento com o uso de táticas que convenhamos, devem ser abolidas na indústria, como o Crunch.
Mesmo que a contragosto, John Romero trabalhou até o fim no desenvolvimento de Quake, uma vez que a ideia que o game tomou nunca foi a sua ideia. Mesmo tendo ele informado a mídia por meio da internet a época que o game seguiria o caminho que a id Software sabia fazer de melhor, a ação frenética e até mais agitada do que Doom. No entanto, não pense que mesmo depois de decidido o destino do futuro game que o trabalho ficou menos problemático. Foram cerca de sete meses de trabalho ainda mais duro tendo de produzir tudo aquilo que, enquanto a Engine era feita, não foi possível. A estafa do time de desenvolvimento era tamanha que era comum que alguns membros simplesmente não aparecessem ao trabalho, e sem explicação alguma. Crunch, a famosa jornada extenuante de trabalho para se terminar um game foi utilizada em Quake.
No fim desses sete meses, se havia alguém dentro da id Software que queria ver o código desse jogo era praticamente ninguém. Algo bastante similar a estafa mental e física causada por um desenvolvimento conturbado, como mais recentemente ocorreu com a polaca CD Projekt Red com Cyberpunk 2077. No entanto, voltando a 1996, ao término da criação de Quake, a id Software perde sua primeira grande peça, o próprio John Romero. Se por um lado Quake foi um sucesso, sendo consagrado como uma joia de revolução do FPS em três dimensões, essa joia teve um lado maléfico que começou a cobrar imediatamente o preço por todo aquele tempo. E isso não foi somente com a saída de Romero. Se antes Carmack e Romero eram considerados inseparáveis, a criação do game os fariam não se comunicarem por um longo período de tempo.
Pode ser que ninguém tenha morrido com a produção de Quake, e que o sucesso posteriormente tenha fechado ele lado sombrio de sua história. Porém, o preço teve de ser pago assim como todos os Lannisters que pagam sua dívida. O time da id Software jamais seria o mesmo.
A forma com que Quake foi produzido em 1996 também mexeu com o modo de desenvolvimento da id Software. Assim, o estúdio norte americano pegaria o que de bom houve no desenvolvimento do novo game e o aplicaria em seus futuros lançamentos. Mesmo assim, o time dos sonhos, a equipe produtora do clássico Doom e Doom II havia se desmantelado para todo o sempre. O que dá pra tirar de conclusão da produção de Quake? De que problemas sempre vão existir, mas que uma coordenação deve existir, assim como em tudo na vida. Mesmo com um certo hiato após o desenvolvimento de franquias como Doom, Quake e Wolfenstein, a id passou o início do século XXI já sem o brilho que detinha anteriormente, até que em 2009 ela foi comprada pela Zenimax Media, grupo responsável pela Bethesda Softworks.
Eu realmente acredito que Quake foi mais influente para os videogames do que Doom.
Tim Wiilis, que trabalhou no time original e ainda trabalha na id Software sobre Quake.
Todas essas tretas estão disponíveis em um livro chamado Master of Doom, que conta a extenuante criação de Quake, e também outras histórias da id Software. Agora, se você quer mesmo é jogar, pode comprar a versão Remastered. Mas se tiver um Xbox e for assinante do Game Pass, você tem um grupo de benefícios:
Em relação a franquia Quake, vale lembrar que, com a compra da Bethesda pela Microsoft, e consequentemente de todos os seus estúdios, os games já lançados estão disponíveis no Xbox Game Pass. Esse é o serviço de assinatura para os jogadores que detém um Xbox One, Xbox Series S/X ou PC. No caso, além de Quake Remastered, que pode ser jogado e comprado em outras plataformas como o PlayStation 4, PlayStation 5 e Nintendo Switch, o console da gigante americana possui seus dois sucessores. Quake II, lançado em 1997 e Quake III: Arena, de 1999. Vale lembrar que, diferente do primeiro game que recebeu um trato no visual além de melhorias, os outros dois estão disponíveis apenas em suas versões originais, pois estavam atrelados as plataformas de seus lançamentos. Quake 4, a título de curiosidade, não foi desenvolvimento completamente pela id Software, mas sim pela Raven Software.
* Para a construção desse especial histórico, é necessário dar os louros a quem antes já falou sobre o assunto. Além do livro citado, Master of Doom, também serviu de fonte a este especial uma reportagem do Senhor Daniel Álvares no site Terra (que está destacada como fonte), assim como pesquisas em entrevista para a Revista Rolling Stones norte americana. Há também uma busca de fontes. Nossos agradecimentos a estas fontes que, sem elas, não seria possível produzir este material, uma vez que vieram antes do que aqui é escrito no Guariento Portal.