Que a Netflix vem investindo em filmes próprios, isso é uma constatação. Dentre uma leva de novidades, um título que se sobressaiu dos demais foi Bird Box. O longa, estrelado por Sandra Bullock, foi visto por 45 milhões de contas no sistema de streaming em apenas 7 dias. Isso não é pouca coisa. Contudo, o filme deixou dúvidas na cabeça de quem o viu. O que são as criaturas? Embora não possamos saber, ela tem a sua origem dita dentro do próprio longa. Durante um determinado momento da história, o personagem Charlie relata uma série de mitologias onde o “fim do mundo” vem por criaturas demoníacas. Ele fala dos celtas, dos cristãos antigos e de uma entidade que parece ser a base fundamental, Aka Manah, do Zoroastrianismo.
Se você não conhece, esta religião deriva dos ensinamentos de Zoroastro, um profeta que teria vivido na região do atual Irã. Possuem livros considerados sagrados, como o Avesta, contendo mais cânticos do que histórias narradas, como a Bíblia. Aqui, temos uma dualidade bem mais visível do que em outras religiões, até mesmo com o cristianismo. Segundo o Zoroastrianismo, o mundo se divide entre o bem, Ahra Mazda, e o mal, Ahriman. Os dois seriam eternos rivais até que o fim dos tempos levaria a luta dos dois exércitos. Desta batalha, Ahriman seria derrotado. Além disso, enquanto Ahura Mazda corresponderia a Deus, com o Céu sendo o destino dos virtuosos. Ahriman detinha as chaves do Inferno, e em seu reino, o sofrimento era eterno.
Embora não seja “oficial” a presença da criatura em Bird Box parece vir do Zoroastrianismo:
Um de seus asseclas mais perversos era Aka Manah, oriundo da língua avesta, que significa “mente ou intenção maligna”. O farsi, o persa moderno derivado do avéstico, tal criatura é chamado de Akvan. Representado como um ser humano com cabeça de bode, ele se apresenta como o desvirtuador completo da humanidade. No caso, caberia a ele, manipular os seres humanos achando que estariam fazendo algo de bom, quando na verdade estariam se destruindo. Ou se distanciando de seu real caminho moral. Em Bird Box, tal imagem da criatura nunca é apresentada, mas percebe-se que aqueles que o observam não acham a ilusão tão ruim. Na verdade, acham que estão fazendo algo bom, como reencontrando um ente perdido, mas tudo era uma ilusão para levar a morte.
Dentro do Zoroastrianismo, a figura de Aka Manah aparece em seu primeiro livro, os Gathas. De produção do próprio Zoroastro, Akvan é um deva, que neste livro ainda não é um demônio, mas sim um deus antigo que estava por ser rejeitado pelos ensinamentos de Ahura Mazda. Com o posterior desenvolvimento da teologia zoroástrica, os devas foram transformados em seres demoníacos dispostos a destruir tudo. Do outro lado, teríamos os asuras, seres com o intuito de levar a humanidade por um bom caminho. O novo asura tanto aparece no hinduísmo, onde eles são representações demoníacas na verdade, e no nórdico, com os aesir.
Aka Manah é o seu nome, e uma contraparte da luz de Ahura Mazda:
No entanto, Aka Manah ganha seu status de perigo para a humanidade no Jovem Avesta. Aqui, ele é dito em cântico próprio que é um entidade demoníaca que auxilia Ahriman. Quando Zoroastro foi iluminado pelos ensinamentos de Ahura Mazda, Ahriman o enviou para persuadir o profeta em mudar sua mentalidade. Com jogos sórdidos de mente, Aka Manah fez inclusive 99 perguntas para quebrar a confiança de Zoroastro, mas não obteve sucesso. Por seu alto poder de manipulação, era fácil se passar como uma entidade benigna quando na verdade sua principal busca era a completa destruição. Mesmo sendo poderoso, Aka Manah tem a sua contra parte, Vohu Manah, traduzido como “Boa Mente” ou ” Bom Pensamento”. Os dois batalharão no final dos tempos e Vohu Manah ganhará.
Por fim, Akvan ainda aparece uma vez mais dentro do culto zoroastro. Nas epístolas de Zadspram, é dito que desde o nascimento de Zoroastro, tal criatura tentava de todo custo acabar com sua vida. E o tentou fazer assim que o profeta nasceu. Ainda é colocado como causa de Aka Manah o choro desesperado de crianças ao nascer. Já que ele apresentaria cenas do fim do mundo, enquanto que em outros, mascaria a morte como sensação de vida. Sim, com essa última frase, temos o link perfeito para a criatura de Bird Box. É claro que ela pode ser metáfora, mas sem dúvida, a alusão a essa entidade é perfeitamente possível.