A FÉ NÃO PODERÁ O PROTEGER DE UMA EXPLOSÃO:
A religião e a ciência, na maior parte das vezes, não caminham de mãos dadas. Dos estudos de Galileu e Copérnico, da queima de livros e pessoas na Inquisição e das descobertas tecnológicas do mundo moderno, cria um sisma maior que o de 1054, entre o Oriente e o Ocidente. E, usando justamente deste argumento, Anjos e Demônios, de 2009, busca criar um mistério em que não apenas ciência e religião são pilares, como símbolos antigos também. Dirigido por Ron Howard, de Uma Mente Brilhante (2001) e baseado no livro homônimo de Dan Brown, a trama se desenrola em meio ao Conclave da Igreja Católica e uma ameaça terrorista em Roma. Acelerado e embalado por algumas reviravoltas, o thriller sofre com a falta de ousadia e certa superficialidade, mesmo com segurança e recompensa na trilha sonora e na atuação de um de seus coadjuvantes, disponível no Max.

UMA TRAMA ENTRE FÉ E CIÊNCIA NO VATICANO:
Impossível não começar qualquer menção a Anjos e Demônios e não destacar aquilo que todo filme deve prezar, a diversão. Seguindo a linha de seu antecessor, O Código da Vinci (2006), o espectador é levado para uma trama com uma sucessão de pistas e enigmas dignos de Sherlock Holmes. O ritmo dos acontecimentos não dá margem para o tédio, e o cenário romano religioso contribui para o fascínio visual, mesmo se tratando de um filme com 146 minutos de duração. A distribuição entre os atos é competente e praticamente clássica. Crimes são cometidos, corpos são espalhados por Roma e tudo deve ser solucionado antes do atentado final, contra o Trono de São Pedro. De outra forma, Anjos e Demônios melhora o caráter investigativo da obra de Dan Brown, sendo um legítimo thriller que entretém, especialmente para quem aprecia mistérios históricos e simbologias ocultas.
TOM HANKS ATÉ SUSTENTA, MAS O MELHOR É O CAMERLENGO:
Claro que, para entreter e manter certa diversão, Anjos e Demônios deve se calçar na atuação. Embora não seja o trabalho mais emblemático de Tom Hanks, seu simbologista e persona non grata no Vaticano, Robert Langdon equilibra inteligência e senso de urgência. Mesmo sendo um arquétipo prático do homem das letras sem emoção. Já Ayelet Zurer, como a cientista Vittoria Vetra, é funcional, mas completamente sub aproveitada. Agora, quem realmente se destaca é Ewan McGregor como o Camerlengo Patrick McKenna, trazendo camadas à figura religiosa, com carisma e ambiguidade. Porém, sem esquecer seu poder de comandar a Igreja durante a Sede Vacante, ao ponto de ser o mais humano dos personagens. Infelizmente, todos os outros personagens não têm o condão de se aprofundar em seu nível psicológico, estando apenas no senso de urgência. Mas, para um filme como Anjos e Demônios, isso não é algo definitivamente ruim.

ROMA É DIGITAL MESMO ENTRE ANJOS E DEMÔNIOS:
Outro ponto no qual Anjos e Demônios se destaca, de maneira grandiosa, são seus pontos técnicos, a começar pela fotografia, assinada por Salvatore Totino, que é visualmente impactante. Diferente do estilo de Conclave (2024) que é realista e abusa de efeitos práticos, a reconstrução de Roma e do Vaticano, muitas vezes, se utiliza de CGI. Porém, ela é convincente e respeita os detalhes arquitetônicos dos prédios originais, sendo difícil acreditar que não usaram a Praça de São Pedro ou a Fonte dos Quatro Rios de Bernini para as filmagens. Esses efeitos especiais são equilibrados, e não se sobrepõem à narrativa. O uso dramático da iluminação reforça os temas de luz e trevas e verdade ou ilusão, que tentam dialogar com o roteiro. Visualmente, Anjos e Demônios acerta precisamente, entregando uma estética condizente com sua temática simbólica e de segredos tanto da Igreja quanto das pessoas em volta.
HANS ZIMMER E A SONORIDADE DO SAGRADO:
Todo esse simbolismo cria uma atmosfera mística que não deve só ser sustentada pela imagética das cenas e da arquitetura, mas também pela trilha sonora. E nesse aspecto, Anjos e Demônios conta com as composições do vencedor do Oscar Hans Zimmer, de O Rei Leão (1994) e Duna (2022), sendo um dos grandes destaques do filme. A música combina corais grandiosos com ritmos urgentes, refletindo quase que um conflito entre fé e razão, que permeia também o livro que se tornou base para o filme. Zimmer cria um pano de fundo emocional poderoso, intensificando a tensão nos momentos cruciais. A trilha não apenas complementa a ambientação religiosa como contribui ativamente para a construção do suspense, elevando a experiência do espectador. Essa crescente sensação de urgência é compreendida com acordes cada vez mais poderosos, contando com órgãos e o canto gregoriano típico da Igreja Católica.

RON HOWARD É UM ANJO NA DIREÇÃO:
Mesmo com elementos técnicos fortes, Anjos e Demônios tem certos deslizes antes de defeitos maiores. E um deles é a direção de Ron Howard. Em um primeiro momento, é possível observar certa eficiência do diretor ao estruturar o suspense com cenas tensas e boa fluidez. Uma evolução considerável de seu trabalho anterior, bem mais arrastado nos mistérios do Louvre e da sucessão de Jesus. O ritmo ágil evita que a narrativa se torne enfadonha, apesar das longas exposições, que também existem no material original de Dan Brown. Ou melhor, são ainda maiores no livro. No entanto, falta uma assinatura autoral ou decisões estéticas mais ousadas, desde o enquadramento até a edição. Howard aposta no seguro e tradicional de um thriller hollywoodiano, sendo quase um acadêmico do cinema, um manual do mínimo a ser feito. Por um lado, agrada ao grande público, mas deixa a desejar em originalidade.
A SIMPLICIDADE É UM DEMÔNIO COM UMA FACA DE DOIS GUMES:
Outro ponto, e dessa vez um erro do filme, é o seu roteiro. Escrito por David Koepp e Akiva Goldsman, a narrativa de Anjos e Demônios é simples. Um grupo de antigos inimigos da Igreja Católica, os Illuminati, sequestra dentro do Vaticano quatro cardeais, os preferidos para a sucessão, durante o Conclave. Como a Guarda Suíça e a Gendarmeria Italiana não conseguem encontrar pistas, solicitam apoio ao Professor Robert Langdon. Enquanto isso, um artefato de antimatéria é roubado na Suíça e será usado para explodir o Vaticano. Com essa premissa interessante, temos, na verdade, uma simplificação que serve para atingir um público mais amplo. Isso torna o filme mais acessível, mas reduz a densidade filosófica. Anjos e Demônios até é funcional, com diálogos claros e estrutura narrativa eficaz, mas é completamente superficial, sem nenhuma ousadia que poderia melhorar o material aventuresco da obra de Dan Brown.

TAL COMO OS ILLUMINATI, SÃO TRADICIONAIS NO ROTEIRO:
Assim, com essa lógica da cartilha de um thriller de investigação e suspense, Anjos e Demônios opta por uma abordagem extremamente conservadora, perdendo oportunidades de inovação tanto em sua trama quanto em questões mais técnicas, como a direção. O embate entre ciência e religião, que poderiam ser melhor abordados em um contexto mais filosófico em sua essência, são tratados de maneira superficial. Em outras palavras, a adaptação do livro para o cinema foca na ação em detrimento de todos os outros elementos, o que empobrece a experiência para quem busca reflexões mais profundas. A estrutura de enigma e perseguição funciona bem e não é completamente irreal quanto no seu antecessor, mas poderia ir além do simples entretenimento tardio. Anjos e Demônios acaba sendo um bom manual, que seria repetido também em seu sucessor, Inferno (2016), com algumas adaptações circunstanciais. É algum tipo de evolução.
MELHOR QUE O LOUVRE, MAS SEM O IMPACTO DA MONA LISA:
Além das questões mais tradicionais, Anjos e Demônios também tinha em suas asas um fator extra. Após o impacto de O Código Da Vinci, havia grande expectativa sobre o desempenho do filme. Assim como os questionamentos inevitáveis que a Igreja Católica, participante da trama, mesmo que contra sua própria vontade, publicaria. Neste caso, a produção, comandada por Brian Grazer, investe pesado em escala e efeitos, em especial no terceiro ato do longa, mas não consegue replicar o mesmo impacto cultural que a época foi desvendar as mensagens sublimantes no quadro da Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Embora tecnicamente superior ao primeiro, e com uma história inclusive mais dedicada, mesmo que com erros, Anjos e Demônios perde a novidade e apresenta um tom mais genérico e até mesmo simplicista de sua aventura. Ainda assim, garante sua posição como entretenimento sólido dentro do universo de Dan Brown.

VISUAL FORTE, PROFUNDIDADE FRACA E NOTA: 7.3/10.0.
No fim das contas, e depois de uma enorme perseguição pelas igrejas de Roma, Anjos e Demônios é um thriller visualmente espetacular. Com uma trilha sonora poderosa, ritmo envolvente e atuações interessantes para este tipo de filme. No entanto, existe uma falha no roteiro em não explorar com mais profundidade os dilemas que propõe e se mantém em uma zona segura. A direção tem sua competência em manter os atos coesos, mas trata-se de um filme genérico. A grandiosidade de um conflito moderno entre a ciência e a religião é apenas um subterfúgio para uma ação frenética. Mesmo assim, Anjos e Demônios não desaponta. Não será um filme de debates como Dois Papas (2019), porém sua estrutura de cinema pipoca é funcional. Gostou da Crítica? Não deixe de explorar outros thrillers com símbolos e mistérios aqui, no Guariento Portal e no IMDB.
Números
Anjos e Demônios (2009)
Anjos e Demônios, filme de 2009 dirigido por Ron Howard é um thriller de visual. Com uma trilha sonora poderosa, e um ritmo envolvente que intriga o espectador. Entretanto, existe uma falha no roteiro em não explorar com mais profundidade os dilemas que propõe e se mantém em uma zona segura, sem levantar grandes questões.
PRÓS
- Enigmas, mistérios e símbolos que intrigam o espectador.
- Langdon é o protagonista, mas quem brilha é o Camerlengo.
- Ótimo uso de efeitos especiais na recriação de Roma e do Vaticano.
- Trilha sonora e fotografia se integram na essência do mistério.
CONTRAS
- Direção de Ron Howard é segura e competente, mas tradicional demais.
- O roteiro é superficial em todas as suas funções e histórias.
- Anjos e Demônios é um manual genérico de um thriller de Hollywood.