É irônico escutar que games e filmes não podem se misturar com política. Porém, ainda bem que diretores e desenvolvedores não pensam assim. Nem mesmo os mais fantasiosos, como Assassin’s Creed, franquia da francesa Ubisoft, que não deixa de mostrar desde as Guerras do Peloponeso ou a Guerra pela Independência Americana. Agora, quando o assunto é conflito político, além de House of Cards e Game of Thrones, é possível revisitar toda a franquia Star Wars e os passos de Sheev Palpatine. O futuro Chanceler da República que se transforma em Imperador, usando as bases democráticas para isso. Entre suas ações, está a Ordem 66, uma espécie florida de Noite dos Longos Punhais que elimina qualquer tipo de força contrária a sua soberania. No caso da história, os jedis. Assim, esconda seu sabre de luz e vamos para Mustafar neste Especial de Política [Parte I] do Guariento Portal.
Então, o que de fato foi a Ordem 66? De uma forma não tão resumida assim, trata-se de um plano muito bem elaborado, por década, de Sheev Palpatine – ou Darth Sidious para os íntimos – para o controle da galáxia. Tudo começa com o Protocolo Clone 66, que é instalado no exército dos clones criados pelo agora Chanceler como forma de manter a segurança de toda a sociedade republicana. Essa ascensão de Palpatine como Chanceler da República pode ser vista na segunda trilogia de Star Wars – que cronologicamente é a primeira – os Episódios I, II e III. Esse Protocolo foi colocado secretamente em todos os clones de Jango Fett, que carregavam um chip neural que melhorava suas ações em batalha. Assim, quando ativado, esses clones deveriam fazer uma única coisa; matar todos os jedis e simplesmente apagar da existência essa força política.
O Protocolo que era para conter se transformou em algo para eliminar.
Contudo, para todos aqueles que perguntavam sobre o Protocolo, Palpatine era ágil em falar que tratava-se de uma forma de travar os poderes do Conselho Jedi. Isso caso eles fossem os responsáveis por um Golpe de Estado. Assim, estava-se prevenindo que o Império caísse sob a tutela “corrupta” da Ordem, que nesta época já era taxada como ineficiente. Óbvio que essa história era promovida pelo Pomo da Discórdia plantado pelo próprio Palpatine. O que se obteve na verdade com a Ordem 66 foi um verdadeiro massacre de todos os Cavaleiros Jedi e de seus Padawan. A ordem se tornou extinta, seus poderes não mais existiam e os sobreviventes agora deveriam vagar pela vastidão da Galáxia. Escondidos todos estavam dos soldados do Império. Aqueles que fossem capturados poderiam se tornar linhas de combate do Império, como acontece no game da americana Electronic Arts Star Wars Jedi: Fallen Order, de 2019.
Aliás, a Ordem 66 passa a ser fundamental em toda a trajetória de Star Wars. É a partir desse evento que, dentro da Galáxia, os Cavaleiros Jedi são vistos como mitos, lendas de um momento passado que não volta mais. O Episódio IV, Uma Nova Esperança, de 1977, é brilhante em destacar que os Jedi são seres quase utópicos. É com esse expurgo que diversas personalidades da franquia também passam a ter histórias cada vez mais aprofundadas dentro do Universo Expandido de George Lucas. É o caso de Grogu, o Baby Yoda que acalentou o coração do público em The Mandalorian, da Disney, e também de Ahsoka Tano, a antiga companheira de ninguém menos do que Anakin Skywalker – o Darth Vader – que sobreviveu ao massacre. Aliás, o Expurgo Jedi é usado claramente como o momento em que Anakin se entrega para o lado negro da força.
Analisar Star Wars é uma ode a Era dos Extremos de Hobsbawn.
Até então, tanto Jedis quanto Clonetroopers estavam lutando lado a lado, enquanto a conspiração vinha a surtir seus efeitos. É por isso que o massacre fora tão efetivo, os Jedi foram pegos completamente desprevenidos com a Ordem 66. E isso pode ser visto através da animação Clone Wars, que mostra esta década de batalhas. Sua programação era simplesmente brutal, nem mesmo as crianças Jedi poderiam sobreviver. Todos os campos de treinamento Jedi espalhados na Galáxia foram destruídos, e o Templo Jedi na capital da República, Coruscant, foi transformado no Palácio Imperial. Sem dúvida, os espólios da guerra foram usados para apagar qualquer intenção que viesse do vazio da força política Jedi e da ascensão completa de Palpatine. Foi uma jogada que pode ter demorado uma década, mas funcionou como nenhuma outra e sim, tem influências históricas mais perto do que você leitor ou leitora pode imaginar.
Essa sombra política de Star Wars tem claras evidências terrenas. Quando golpes de Estado ocorrem, expurgos como o ocorrido com os Jedi acontecem como forma de reprimir e reprogramar o pensamento da sociedade, tentando de toda forma centralizar a política em torno de uma pessoa. Exemplos clássicos são O Grande Expurgo promovido por Josef Stálin na União Soviética de 1937 e a Noite dos Longos Punhais, na Alemanha Nazista de 1934. Em ambos os casos, não haviam “revoltosos” por serem dizimados ou domados, mas sim classes políticas que participavam ativamente do Estado naquele período. Na Rússia Comunista, eram pessoas como fazendeiros de posses, membros do Exército Vermelho, intelectuais, cientistas e até agentes públicos, desde que tivessem algo de mínimo para desagradar Stálin. Quem se encontrava nestas fileiras era mandado sem passagem de volta para os terríveis Gulags, campos de trabalho forçados na Sibéria ou então assassinados.
A Noite dos Longos Punhais é o mais conhecido expurgo a moda Jedi.
Porém, é a Noite dos Longos Punhais que mais se parece com uma Ordem 66 dentro da sociedade nazista. Aqui, membros da S.A (Sturmabteilung) e detentores de poderes dentro do Partido Nazista foram assassinados a mando do Führer Alemão, como uma forma de consolidação do seu poder e diminuição de qualquer tipo de insegurança interna no partido. Claro que a intenção não é comparar o Conselho Jedi – de características nobres e virtuosas – com membros da S.A. Porém, fato é que ambas as representações se destacavam culturalmente e socialmente dentro de seus mundos. Na Noite dos Longos Punhais, não houve alternativa; após a Ordem ter sido proclamada, o final de todos era o mesmo que ocorreu com os Jedi, a morte ou então o desaparecimento para áreas além do Reich Alemão. Todo o poder político da S.A. foi perdido, por ordens de Hitler, tal como Palpatine fizera.
Tudo isso, de maneira paradoxal, pode ser descrito como o uso da força do Estado, e até mesmo da democracia para corroer a própria democracia. Pois veja, não haveria Ordem 66 em Star Wars se Palpatine não fosse colocado por seus pares como Chanceler. Além disso, depois da queda Jedi, ele foi ovacionado como Imperador em um discurso que encerra o terceiro longa, A Vingança dos Siths, de 2005. Da mesma forma, Hitler não feriria de morte a já combalida, porém democrática, República de Weimar se não fosse lhe dado o poder de tal nas Eleições de 1933. Ambos os ditadores chegaram ao poder por meio de manobras. Mas todos usaram a democracia e depois a esfacelaram. A Ordem 66, no fim das contas, só foi consumada pois todo o tabuleiro de xadrez foi perfeitamente dominado por dentro por Palpatine.