Poucos filmes podem ser considerados como a virada de chave para uma carreira, ou para um estúdio inteiro. Nos jogos, não há como falar de Nintendo sem The Legend of Zelda, sem Super Mario e sem Pokémon. Já no mundo cinematográfico, a New Line Cinema não pode esquecer a trilogia do Senhor dos Aneis, e alguém como a Disney, a casa de Mickey Mouse, teve seus percalços, seus calabouços e seus dias de glória. O nevoeiro podia estar se dissipando e a luz finalmente entrando, mas ninguém sabia quando. E quem seria o responsável por retornar os tempos de produções aclamadas como Cinderela, filme de 1950 e Branca de Neve e os Sete Anões, animação do distante ano de 1937. É nessa história agridoce que entra a força de A Pequena Sereia, de 1989, para um dos períodos mais frutíferos da Disney, a sua Era de Renascimento.
Sim, antes de Beyoncé e seu álbum, a Disney também enfrentou um momento que precisou sair de suas próprias cinzas. Basta lembrar que, desde a década de 70 do século XX, o estúdio passava por problemas de produção. Seus filmes já não angariavam dinheiro, e nem público como antes, e uma Era Sombria desanimava os espectadores. Não que as produções fossem detestáveis como é Gaston, personagem vilão de A Bela e a Fera. Mas não havia aquele ímpeto de ver os filmes produzidos pelo estúdio estadunidense. Algo devia ser feito. E de fato foi. Os arquivos do estúdio foram revirados. E de suas histórias, uma se sobressaiu: a de uma sereia do Reino de Atlantis que se apaixonava por um príncipe. Esse enredo inicialmente foi visto para ser lançada nos idos de 1940, logo depois de Fantasia, mas foi descartado.
Os arquivos dos estúdios Disney devem ter histórias que não acabam mais.
Era o início do desenvolvimento de A Pequena Sereia, ou Little Mermaid no original, uma história que se baseava nos escritos do dinamarquês Hans Christian Andersen, também conhecido pelo conto The Snow Queen, ou “A Rainha de Gelo” no Brasil. O mesmo que aliás seria usado décadas depois para o gelo de Anna e Elsa de Frozen, animação de 2013. Porém, voltando para 1989, o primeiro passo foi dado. Escolher a história. Agora, era necessário chamar um time de notáveis e entender o caminho que essa história deveria seguir. Com a direção de John Musker e Ron Clements, as ideias foram postas na mesa. Depois de décadas, esse seria um filme musical. E para essa trilha, fora chamado ninguém menos que Alan Menken, que marcaria o estúdio depois de A Pequena Sereia e toda a Renascença.
Buscando algumas fontes dos tempos em que a Disney fazia história de princesas, foi forjada a trinca que levaria todo o peso de A Pequena Sereia. Primeiro, uma protagonista mulher que consiga cativar o público e que, mesmo em um ambiente diferente, consiga ter suas semelhanças com o mundo humano. Segundo, uma vilã que roube parte da tela quando se apresenta, demonstrando o antagonismo divertido e maléfico como A Madrasta e a Rainha Má dos tempos da Era de Ouro e Prata. Por fim, apostou-se em musicais. Esse último pode até ser questionável, mas é correto dizer que quando uma música é imponente, tudo melhora para princesas ou vilãs. Com todos estes pontos traçados, o desenvolvimento de A Pequena Sereia seguiu. Inclusive, esta é a última animação inteiramente feita a mão. Todas as animações depois de Ariel teriam algum auxílio de computação gráfica.
O Renascimento guarda muita das condições da Era de Ouro da Disney.
Criava-se uma expectativa da mesma forma que em 1937, com Branca de Neve. A Disney apostava alto demais neste novo caminho, e não havia condições de um erro. Até pelo fato de que como dito, a situação da empresa em termos de importância e financeira já não era das melhores. Seria Úrsula, a Bruxa do Mar, cantando Poor Unfortunate Souls maléfica demais ao ponto de afastar o público? Ou será que Under the Sea era tão ingênua ao ponto de fazer a trama se perder de vista? Claro que tudo isso era como uma sombra Vodu do Dr. Facilier por dentro dos estúdios da Disney. Que aliás esperava a rejeição ou aceitação de A Pequena Sereia para seus futuros trabalhos. Na fila de sucessão, havia já a produção aberta de A Bela e a Fera, que seria lançado em 1991 e sucedido por Aladdin, de 1992.
Ou seja, o tempo rugia mais que qualquer leão da savana africana. O estúdio trabalhava praticamente com produções em larga escala e em pouco tempo, uma por ano para ser exato. Todo o seu Renascimento basicamente foi incorporado com produções anuais, até finalizar com Tarzan, filme de 1999 que encerra esse momento histórico da Disney. Porém e finalmente, é chegado o dia 17 de Novembro de 1989, e tanto trabalho realmente se transforma em satisfação e resultado. A Pequena Sereia vira uma estrela, trazendo público, dinheiro e uma nova roupagem para um estúdio que passava por sua decadência. A história de Ariel, suas canções brilhantemente interpretadas e uma vilã impecável trouxeram o que a Disney precisava. Os números não falham. A Pequena Sereia foi a primeira animação a bater a meta dos cem milhões de dólares em sua estreia.
A Pequena Sereia foi a semente subaquática que levou ao Renascimento.
Mas os louros da glória não foram apenas no comércio. A Trilha Sonora de Menken, que se destacou de maneira exponencial, também chegou as grandes premiações, como o Óscar, o principal prêmio do cinema mundial. A questão é que A Pequena Sereia, a semente do Renascimento da Disney ganhou os dois prêmios ao qual participava nesta área. O de melhor Trilha Sonora e o de Melhor Música, por Under the Sea. É claro que, com o sucesso e a receita de A Pequena Sereia, a Disney não ia mexer uma vírgula em absolutamente nada. Pelo contrário, faria suas produções futuras seguirem pelo mesmo percurso. Finalmente, encontraram um ponto de trazer de volta o interesse do público com animações. Era o pontapé do Renascimento, uma das Eras mais prolíficas da Disney.
Claro que é impossível dizer que com apenas um filme, toda uma Era é criada. Porém, A Pequena Sereia é o baluarte que seria aprimorado com A Bela e a Fera, Aladdin, até o supra sumo e a maior bilheteria desta Era, O Rei Leão, de 1994. É possível dizer que, sem o sucesso de A Pequena Sereia, o Renascimento da Disney talvez nem ocorresse, da mesma forma que a história de uma jovem que amolece o coração de uma fera amaldiçoada também teria sido bem diferente. No fim das contas, o sopro do Oceano vindo do Rei Tritão trouxe o mais puro ar fresco para as produções cinematográficas da Disney. E aliás, esse vínculo com o público é uma das explicações da escolha do estúdio em converter tais animações em filmes live-action, como vem fazendo desde a segunda metade dos anos 10 do século XXI.
Texto escrito originalmente por Anna Vitória Guariento. Sendo assim, revisado por Vítor Hugo Guariento.