Normalmente, o mundo dos games serve, para a maioria dos jogadores, como um escape do mundo real. Se aventurar em uma fantasia medieval como Dark Souls. Ou então capturar criaturas em Pokémon e lutar contra deuses gregos em God of War são apenas uma das várias hipóteses. Contudo, existe um lado que apavora, assombra e mostra como uma realidade pode ser terrível. É o caso, por exemplo, de games como Limbo e This War of Mine e de nossa Análise aqui presente, Beholder. Criado pelo estúdio siberiano Warm Lamp e lançado pela companhia estadunidense Alawar Entertainment em 2016, o jogador é colocado em um mundo onde a sua vida é do Estado. E todas as suas ações são para o Estado, no melhor estilo de 1984. Será que o game, testado para a versão Nintendo Switch é bom? Prepare-se e seja investigado nesta Análise do Guariento Portal.
Correntes invisíveis em um mundo opressivo e sem vida.
Antes de tudo nesta Análise, o primeiro ponto que se destaca em Beholder é a inteligência com que sua premissa é relatada. Na pele de Carl Stein, um simples homem casado e pai de dois filhos, o jogador é colocado pelo Estado no cargo de síndico de um prédio. No entanto, ao invés de zelar para segurança e harmonia de seus vizinhos, o que Beholder faz é te transformar em um verdadeiro X-9 para este Estado. Por meio de câmeras ou através da mais pura conversa, o jogador deve descobrir os segredos mais profundos de seus inquilinos. Depois, ele deve relatar tudo – tudo mesmo – para o Ministério da Ordem. Se por exemplo for proibido escutar músicas e alguém o fizer, você deve informar seus superiores para que a polícia proceda com o restante.
E é neste ambiente opressor que as histórias de seus inquilinos em Beholder são tão interessantes. Alguns elementos de fato serão tão antipáticos que você mesmo poderia colocar arsênico em sua bebida. Porém, basta informar que ele está contrabandeando drogas para que a polícia o leve para longe. No entanto, outros não farão absolutamente nada, porém o Estado assim exigirá sua cabeça sem piedade alguma, como um rei soberbo que acabou de sentar-se em seu trono. A questão é que, se não o fizer, é a cabeça do jogador quem ficará a prêmio. Assim, Beholder é um game desconfortável de maneira proposital, pois a todo o momento, por mais que a razão o faça questionar seus atos, o ambiente em que você vive o obrigará a fazer. Pelo bem de sua família você terá de realizar as maiores atrocidades.
O estilo gráfico e sonoro traz a atmosfera de opressão.
Entretanto, Beholder não vive somente de espionagem, mas também do gerenciamento daquele pequeno mundo chamado de prédio. Ali, no meio de tamanhas missões que devem ser concluídas, o jogador deve agregar poder assim como dinheiro para manter suas instalações, obter favores e comprar itens de vital importância. Manter os aposentos em ordem permitirá que outros hóspedes apareçam. A questão é que, para obter dinheiro e poder, é necessário seguir à risca o que o Ministério ordena que você faça, mesmo que seja o despejo de uma família inofensiva. E tenha ciência, tais valores quanto mais tempo passar naquele mundo, serão necessários se acaso o jogador quer manter sua família em perfeito estado de conservação. Qualquer deslize facilmente é fim de jogo para você e toda a sua família. Afinal, o Estado só lhe vê como mero fantoche.
Geralmente, os jogos de videogame te colocam na pele dos revolucionários, que vão contra o dominador opressor e após muito esforço, conquistam a liberdade para seu grupo, povo, ou para si mesmo. Mas, e quando a missão é justamente a de ajudar um governo a manter o controle? É o que acontece em Beholder, um jogo que te coloca como investigador e vigilante do Ministério da Ordem de um regime opressor. Beholder é um game bem interessante. Mais do que um simples gerenciador de apartamentos, o jogo te traz fortes questões morais e te incentiva a tomar decisões cruéis, em determinados momentos. Seu universo sombrio, somado a um contexto opressor e ao desconforto que você sempre sentirá ao executar suas tarefas o diferenciam da maioria dos jogos do gênero.
Júnior Cândido, em sua Análise de Beholder: Complete Edition na Arkade (Sem Nota).
O Português ajuda a entender o quão difícil é viver aqui.
A parte gráfica, aliás, de Beholder também se encaixa perfeitamente com toda essa temática. Feito na Unity 3D, todos os personagens são simples, uma visão em preto, como se realmente fossem sombras acobertadas por aquela grande entidade que é o Estado. As vozes são inaudíveis e a música que fica a todo o momento é irritante e melancólica. Tudo isso se traduz em uma atmosfera tenebrosa, mas que a Warm Lamp soube fazer como ninguém. Afinal, da mesma forma que o já mencionado This War of Mine, aqui a felicidade não existe. Quanto mais o jogador se aventura neste mundo, mas dramática fica a situação da família de Carl, pois, além de todos os problemas com os inquilinos, até mesmo seus filhos e sua esposa também estão sob o olho do Estado. Ninguém está imune a absolutamente nada.
Viver neste mundo de Beholder, além de dar uma sensação de desgosto e aflição é difícil. Existem momentos em que o game parece querer que você falhe miseravelmente, pois as missões, que possuem tempo para serem concluídas precisam de várias condições, desde falar com quatro ou cinco pessoas até mesmo a fazer situações impensáveis, como roubar de seus vizinhos. E, a localização para o Português disponível na versão do Nintendo Switch também auxiliar ainda mais na imersão daquela história. Não será uma, nem duas ou três vezes que o jogador morrerá pelas mãos de seus vizinhos, será preso ou verá um de seus entes queridos perecer simplesmente pelo fato de você não conseguir um simples remédio. Tão duro quanto uma guerra ou o limbo do mundo cristão, o Estado Opressor e Orwelliano também tem suas amarras vermelhas.
Ser um X-9 para o regime cansa, até mesmo em seus controles.
Entretanto, por mais que o game da Warm Lamp tenha toda essa singularidade e seja um game muito mais cabeça do que simplesmente o esmagamento de botões, ainda assim Beholder tem suas falhas. E uma delas se encontra especialmente em sua jogabilidade. Bem no início dessa Análise, dissemos que o game é simples e complexo ao mesmo tempo. Pois bem, a aventura é quase ao estilo point-and-click, ou seja, você deve procurar clicando em determinados lugares, no melhor estilo detetive, ou falar com seus inquilinos. Porém, essa é basicamente a jogabilidade presente em Beholder, e, mais cedo ou mais tarde, isso começa a cansar. Afinal, basicamente, um inquilino vai chegar, você deverá instalar câmeras, falar com ele para descobrir algumas coisas e falar com o Ministério. Não há mudanças significativas na jogabilidade, que é exatamente assim o tempo todo.
Outro ponto de destaque negativo é que, unindo essa repetição quase infinita de sua forma de jogo, com a dificuldade de algumas missões, mesmo no modo fácil, fazem com que Beholder não seja um jogo que se destaque pela longevidade. É muito mais fácil encontrar jogadores que simplesmente desistiram de jogar o game, do que se mantiveram na repetição até encontrar um final feliz inexistente. Beholder é o típico game em que o jogador não encontrará um final feliz e que a ética e a moralidade passam longe. Por mais que essa atmosfera de que o mundo o está oprimindo seja a ideia de seus desenvolvedores, e que todos os outros aspectos, como a trilha sonora, a arte e a narrativa façam com maestria a imersão do jogador dentro deste mundo que, dentre mundos, ninguém iria querer viver.
Definitivamente, é um game a ser pensado depois do fim.
O título nos coloca na pele de um instrumento de espionagem e opressão. Mas um instrumento que é facilmente descartável, o que gera todo o sentimento de urgência e a inclinação para escolher o caminho que nos vai gerar menos problemas, seja ele o mais acertado eticamente ou não. Distopias precisam ser repensadas, já que nossas sociedades caminham com passos cada vez mais largos em direção a tudo de triste, seco e violento que conhecemos nessas obras. Se as angústias das pessoas se refletem nas obras que consomem, eu espero que Beholder, 1984 e tantos outros, não precisem vender tanto assim. Mas enquanto isso, Beholder cumpre um importante papel de lidar, de forma jogável, com os temas do totalitarismo, da burocracia, das relações de poder, da resignação e do enquadramento ao que nos cerca.
Pedro Vicente, em sua Análise de Beholder: Complete Edition na GameBlast (8.0/10.0).
Assim sendo, Beholder pode ser descrito como aquele tipo de jogo que não é destinado para todos os públicos. E que na verdade, o seu texto é muito mais pesado, difícil, profundo e quiçá filosófico. A existência de um Estado tirano trás claras menções ao mundo real, onde existe uma verdadeira batalha entre as liberdades individuais e os direitos coletivos e difusos. Essa realidade, aliás, produzido por um estúdio russo consegue passar todas as sensações de terror entre o ético e o moral, a privacidade e a opressão com uma narrativa densa com pitadas de gerenciamento. Essa sensação é particularmente afetada pela trilha sonora, pelas histórias de cada personagem e pela estética do game. Sem dúvida, Beholder é uma inovação dentro desse campo, mostrando mais uma vez a força de produções independentes com histórias singulares e muito criativas.
Criativo, a Warm Lamp trouxe uma forte distopia para os games.
Contudo, é claro que o game da Warm Lamp também tem seus problemas, mais centrados em sua longevidade e na sua jogabilidade. Como você viu nesta Análise. Mesmo tendo uma aventura inovadora, imersiva e sem defeitos técnicos, não há dúvidas de que essa Análise deu os louros, ainda assim, chega um momento que Beholder é chato. Chato no sentido de que, após o seu quarto ou quinto inquilino em que você terá de despejar ou ajudar, o jogador se verá em um Ouroboros de ações, repetindo-a desgraçadamente até não pode mais. Aliás, o termo desgraçadamente serve exatamente, pois provavelmente é assim que estará sua cabeça. Já quanto a sua longevidade, dado a junção da dificuldade e desta jogabilidade, é possível que o game, mesmo tendo mais ou menos dez horas de jogatina não crie vínculo com o jogador. Assim, não tem motivo de se jogar mais.
É então que você pode perguntar depois de ler toda essa Análise aqui no Guariento Portal; Beholder é divertido? Pois bem, a resposta não é simples. Divertido é se o jogador está ciente de que o game não vai te deixar em uma situação agradável. Jogar Beholder é estar ciente de que aquele mundo é opressor, e isso passa para o jogador dado a ótima imersão que o título tem, seja em qualquer plataforma, no Nintendo Switch ou no PC. Além disso, se o jogador tem o olhar de uma história profunda e curte ficar pensando depois da aventura, não há dúvida de que o game pode ser considerado conforme nossa Análise. Agora, como simples diversão descontraída, o Guariento Portal informa que esse game passa longe de qualquer descontração possível e imaginada. Então, esteja ciente de que tudo e todos podem estar te vigiando caso queira jogar Beholder.
Números
Beholder: Complete Collection (Switch)
Produzido pela russa Warm Lamp, Beholder tem como foco principal sua narrativa em apresentar um Estado controlador onde você meu caro jogador é apenas uma marionete. Faça tudo que o Grande Líder mandar, sem questionar o certo ou o errado e a sua vida e a de sua família estarão seguras. Até quando o Estado assim o quiser.
PRÓS
- Narrativa simples, mas consegue apresentar a opressão daquele ambiente.
- As histórias dos personagens se desenrolam com clareza e a imersão de que você se pega perguntando se é certo ou errado.
- O bom uso gráfico de apresentar o mundo e seus personagens, já que não existe singularidade. Todos são iguais.
- A trilha sonora melancólica assim como o senso de urgência das missões piora ainda mais a angustiante missão do jogador
- Localização em português ajuda a fluir a história assim como não há erros gráficos aparentes.
CONTRAS
- A jogabilidade peca ao ser repetitiva no estilo point-and-click e não apresentar nada além disso.
- A dificuldade do game pesa de maneira proposital mesmo no Modo Fácil, já que aquele mundo é realmente difícil de se viver.