HABLA, ESTA GENTE HABLA … PERO NO PORTUGUÉS:
Quando se trata do universo dos jogos, é comum que se fale dos Estados Unidos, da Europa e do Japão. Porém, regiões periféricas como a América Latina vêm ganhando cada vez mais importância. E com ela, o Brasil, o maior mercado de jogos eletrônicos na região. Segundo a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames), o Brasil é o décimo maior mercado consumidor de jogos no mundo. Essa movimentação chegou a 2,3 bilhões de dólares somente em 2022. Com tamanho crescimento, é natural que esse mercado demande questões, como a localização de títulos em português. Algumas desenvolvedoras, sejam indies ou estúdios consagrados, já embarcaram nessa demanda, outras estão ainda incipientes, mas algumas parecem desconsiderar essas demandas. Esse último caso tem como expoente a The Pokémon Company, responsável pela franquia Pokémon, a quarta mais rentável do globo, com 480 milhões de unidades em títulos vendidos até 2023.
O ATRASO NA LOCALIZAÇÃO DE CONTEÚDO NÃO É DE HOJE:
Aliás, Pokémon não é uma franquia qualquer. Comemorando 29 anos em 2025, com os primeiros lançamentos de Pokémon Red e Green (1996) no Japão, os títulos apresentam localização em idiomas como o italiano, o alemão, o francês, e mais recentemente, a partir de Pokémon Legends: Z-A (2025), o espanhol da América Latina estará incluso através do braço latino americano da The Pokémon Company. A Companhia parece andar como um jabuti enquanto outras desenvolvedoras, com menor poder de mercado, estão em franca vantagem. Os exemplos não faltam. No mundo indie, por exemplo, Hades (2020), o excelente roguelike indicado para Jogo do Ano da Supergiant Games, foi devidamente localizado. O mesmo aconteceu com o aventureiro Raji: An Ancient Epic (2020) da Nodding Head Games e com o roguelike Cult of The Lamb (2022) da Devolver Digital, este último por meio de uma atualização após o seu lançamento.
Dos grandes estúdios, com exceção da Square Enix que parece manter a mesma concepção da The Pokémon Company, a localização parece ter se tornado a regra, e não a exceção. Dos jogos de tiros em primeira pessoa, como Call of Duty: Black Ops 6 (2023), da Activision, passando pela aventura de Immortals: Phoenix Rising (2020), da Ubisoft, ao terror de Resident Evil Village (2021) e à ação de caçada de Monster Hunter Wild (2025), ambos da Capcom. Esses exemplos não só possuem todos os seus textos e menus em português como também são dublados para o idioma do Brasil, se tratando de uma localização completa. No caso de Pokémon, isso sequer existiria, uma vez que não há voz. Assim, é inevitável questionar até quando uma franquia tão rentável quanto Pokémon pode rumar contra essa maré ou pelo menos nadar com tão pouco afinco nas questões de localização no Brasil.

NEM A NINTENDO, QUE NÃO É PARÂMETRO ESTÁ A FRENTE DE POKÉMON:
Claro que, se a análise for feita em uma ótica maior, a Nintendo não tem bons precedentes, mesmo que possua algum. Tendo se retirado do mercado brasileiro em 2015, a Gigante de Kyoto retornou em 2020 e um ano depois lançou Mario Party: SuperStar (2021) como o primeiro jogo localizado. Desde então, a empresa vem tentando se reconciliar, lançando jogos como Super Mario Bros. Wonder (2022), o primeiro título de plataforma do encanador bigodudo com essa localização, assim como Pikmin 4 (2020), um jogo especial para os amantes da estratégia, e a aventura solo de Zelda em The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom (2024). Essas localizações são importantes, é claro, mas foram lentas se comparadas com suas principais concorrentes. Basta lembrar que, em 2011, Uncharted 3 encerrava até então, a jornada de Nathan Drake no PlayStation 3 da Sony. E com localização integral.
Acontece que, se tratando de Pokémon, as coisas se tornam mais complexas. Isso porque, embora tenham direito sobre a marca a Nintendo, a Creatures Inc. e a Game Freak, sendo este último o estúdio responsável pelos jogos, como Pokémon Scarlet e Violet (2023). Entretanto, quem comanda a distribuição da marca Pokémon é a The Pokémon Company. E isso não somente para o ambiente eletrônico, mas também vale para as animações, os eventos e as Estampas Ilustradas. Então, com essa distribuição de tarefas, a cobrança sobre localização deve recair sobre a The Pokémon Company. Afinal, o lançamento do espanhol da América Latina foi revelado pelo diretor da Companhia para a América Latina, o Senhor Tomas Cortijo. Existem títulos localizados, mas tratam-se apenas de spin off’s, como Pokémon Unite (2021), disponível para Switch e dispositivos mobile e o fenômeno Pokémon Go (2016).
USANDO CENAS DE SÃO PAULO PARA O ESPANHOL LATINO AMERICANO:
Essa situação é insustentável por dois motivos. Não estamos falando de uma franquia recente que precisa ainda criar o seu próprio mercado. Somente com bonecos nos Estados Unidos, Pokémon movimentou cerca de um bilhão de dólares em 2024. Isso é maior que o Produto Interno Bruto (PIB) de nações como São Tomé e Príncipe, na África, que produziu 711 milhões de dólares em 2024. Ademais, as dificuldades de localização diminuem pela estrutura da franquia. Não há voz nem em Pokémon Legends: Arceus (2023), que trouxe inovações na estrutura dos jogos. E nem uma enorme quantidade de textos. Mesmo assim, esse argumento é frágil até no estilo RPG, afinal Shin Megami Tensei V: Vengeance (2024), da Atlus, que tem uma história complexa e com uma grande quantidade de textos, foi localizado num trabalho soberbo.

Também não é possível deixar para trás a importância do mercado brasileiro. O argumento de desinteresse de localização poderia ser racionalmente aceito no início do século, quando a franquia lançou Pokémon Gold e Silver (2000). Porém, os tempos são outros. Há uma integração maior em termos de tecnologia de áreas periféricas, como o México e o Brasil. Se antes era comum o uso de jogos para aprender a língua inglesa, agora, a demanda do mercado nacional é a localização. É uma mudança de paradigma que só foi possível com o reconhecimento do tamanho e também do engajamento da comunidade brasileira. Em um mundo onde a tendência são as redes sociais, o brasileiro é o segundo que mais engaja, pelo menos é o que diz a Comscore em sua pesquisa de 2023. O Brasil só perde para a África do Sul, outro mercado também periférico, ou melhor, emergente.
NÃO HÁ DESCULPAS PARA QUE POKÉMON NÃO TENHA PORTUGUÊS:
Essa lentidão em localizar seus jogos leva à frustração e à sensação de que a The Pokémon Company não tem interesse, sendo algo retrógrado e uma desrespeito com o mercado brasileiro. E mesmo com alguns avanços, como a abertura de redes sociais em português e eventos nas grandes cidades do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo. Mas esses avanços estão aquém. Não há argumentos válidos para a demora de localização no mercado brasileiro. Pokémon Sword e Shield (2019) já eram alvos de questionamentos com a falta de português. E seis anos depois, nada mudou nos jogos. Enquanto isso, outras franquias não só se ajustaram como melhoraram. Em termos financeiros, Pokémon é maior do que Assassin’s Creed da Ubisoft, Forza da Microsoft e Uncharted da Sony. Porém, Pikachu e Companhia se apequenam cada vez mais nesse desinteresse. Resta a dúvida do que será a Décima Geração.
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