NÓS SEQUESTRAMOS UMA VAMPIRA BAILARINA!
Desde que o irlandês Bram Stoker escreveu Drácula, a criatura conhecida como vampiro nunca mais dormiu em seu caixão em paz. Passando pela cinematografia de Béla Lugosi, de Christopher Lee e obras mais modernas como Drácula de Bram Stoker (1992) e Van Helsing: O Caçador de Monstros (2004) reinventam, do gótico ao aventureiro, o clássico de criaturas que odeiam a luz do dia e amam um sangue fresco. É nessa leva que temos Abigail, filme de 2024 que moderniza não o conto original, mas sim a mitologia vampírica trazendo a jovem do título. Que nada mais é do que uma vampira sanguinária disposta a brincar com a sua refeição. Resta saber é claro se a harmonia de Tchaikovski está presente nesse filme, ou se esse Lago dos Cisnes nada mais é do que uma faixada para um imenso vazio em ideia, conceito e aclamação.
A BRUTALIDADE COM DOSES HOMEOPÁTICAS DE HUMOR:
Primeiramente, é impossível não relatar o bom uso de efeitos práticos em Abigail, o que quer dizer a abundância de sangue falso na tela. Assim como desmembramentos, explosões e decapitações, como se A Morte do Demônio: A Ascensão (2023) fosse uma espécie de mãe adotiva. No entanto, diferente de algo realmente perturbador como a franquia O Albergue, Abigail é brutal e divertido, com um tom de comédia que em alguns momentos beira ao ridículo. E isso não é ruim em sua concepção. Sam Raimi, de Arraste-me Para o Inferno (2009) é o percursor de um subgênero chamado terrir, que mistura esses elementos tão dissonantes. E Abigail bebe do cálice sagrado dessa fonte. Assim, o longa, quando da necessidade de mostrar a maldade da pequena bailarina, não tem pudor algum em elevar em algumas vezes a quantidade de sangue, com algumas sacadas que só poderiam existir em um clássico de comédia.
Aliás, não é somente os efeitos práticos que são um dos pontos altos do filme. O cenário também. A mansão vitoriana que claramente lembra uma aventura de Resident Evil é mais do que o suficiente para ter passagens secretas, lugares sinistros e uma biblioteca. A ação consegue usar todos os lugares possíveis, fruto aliás de uma boa direção de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que trabalharam em Pânico VI (2023) e em Casamento Sangrento (2019). No qual inclusive parece ser uma outra fonte de inspiração para Abigail. O jogo de luzes e sombras é bem utilizado, mesmo se tratando de momentos bastante óbvios no qual o espectador sabe o que vai acontecer, o que acaba não criando medo, nem pânico. No entanto, é claro que nada disso não seria possível se os personagens não fossem minimamente decentes para construir a história.
CRIANÇAS PODEM SER REALMENTE ASSUSTADORAS, AINDA MAIS UMA VAMPIRA:
E isso não é problema em Abigail. Afinal, a protagonista, ou melhor, antagonista é, com o perdão da palavra, surtada, psicopata, mas carismática. Abigail (Alisha Weir) começa sendo uma menina doce que dança balé. Porém, basta o segundo ato começar para que essa amigável menina se torne uma assassina que gosta de dançar com suas presas, bem ao estilo Reagan McNeil em O Exorcista (1973). Ou melhor, como a Condessa de Sangue das histórias européias. Aqui, temos duas subversões; a caça se tornando o caçador e pureza de uma criança. Na outra ponta, temos o destaque de Joey (Melissa Barrera), uma das sequestradoras que acaba se transformando em uma espécie de final girl com o desenrolar da narrativa. De restante, todo o grupo é bastante coeso, e a maior parte do tom de comédia está na interação desses personagens, em especial com o brutamontes Peter (Kevin Durand).
Como falado, esse exagero não é um problema, e de certa forma é uma marca do longa. Porém, há certas fraturas em Abigail que acabam levando o filme para uma obviedade. E tudo isso se deve ao roteiro. É evidente as diversas fontes, seja do cinema até mesmo dos games que o filme teve a liberdade de captar. Do mito do vampiro, até mesmo de conceitos de filmes policiais e de confinamento. Junte isso há uma versão livre de A Filha do Drácula e temos uma salada chamada Abigail. Infelizmente, essa junção é rápida e extremamente estereotipada. Os personagens são os arquétipos típicos. O detetive corrupto que se acha o líder da quadrilha, o brutamontes com falta de inteligência, a jovem que, pelas questões da vida foi para um mal caminho. Tudo isso é jogado em apenas dez minutos como contexto para os personagens.
UM EMARANHADO DE FONTES CRIATIVAS LEVAM ABIGAIL A PERDER O SEU RUMO:
Outro aspecto é a sonoplastia. Óbvio que a obra de Tchaikovski no primeiro ato contribui com uma impressão positiva. Porém, especialmente nas vozes dos personagens em seu estado vampiresco, há o uso de algum equipamento artificial que torna a torna extremamente sintética, desnecessário e que não agrega. Isso contudo acaba sendo um pequeno hematoma dado a principal problemática do filme, sua cadência. Há momentos em que, embora não foque em seus personagens, o longa tenta buscar uma relação melodramática que não se desenvolve. Essa irregularidade é sentida em seus 109 minutos de duração e também aparece em outros filmes desse gênero como em Drácula: A Última Viagem do Deméter (2023). Mesmo com todo o seu extremismo visceral, Abigail acaba perdendo tempo com questões desnecessárias. É possível perceber que o abuso dos clichês não oferece uma inventividade, mas sim um emaranhado de fontes cortadas para criar uma história.
No fim das contas e depois de algumas mutilações, Abigail é estranhamente divertido, mais até que Entrevista com o Demônio (2023). Com o abuso de efeitos práticos e uma comédia que beira ao pastelão, o filme consegue criar uma atmosfera grotesca com risadas despretenciosas. O cenário também é espetacular e não deve em nada a qualquer casa assustadora, e potencializado pela plasticidade da antagonista, que sem dúvida alguma rouba o filme. O problema se encontra, de forma pontual na sonoplastia, e em maior grau na estrutura do filme. A direção é eficiente em praticamente todas as suas cenas, mas existem irregularidades e desvios na história que são perdas de tempo. Mesmo assim, com um pedaço do braço no subgênero terrir, Abigail é uma interessante inserção na mitologia dos vampiros. Desde é claro que você não tenha receio de ver vísceras e que não espere algo que subverta o gênero.
OS VAMPIROS ESTÃO EM TODO O CANTO, ESPECIALMENTE NA PRIME VÍDEO:
Abigail pode ser um dos grandes exemplos do terror visceram de 2024, mas ele não é o único disponível nas telas dos srtreamings. Em especial é claro, da Amazon Prime Vídeo, parceiro do Guariento Portal. Embora fora do eixo vampírico, o Prime Vídeo tem outras franquias disponíveis como A Hora do Pesadelo, clássico da década de 80 do século XX onde Freddy Krueger era o senhor dos pesadelos. Ou então, reacendendo a máscara de Ghostface, Pânico VI, uma das inserções anteriores dos diretores de Abigail. O que não falta são filmes com muito sangue. Mas lembre-se atentamente de olhar a classificação indicativa do filme. Alguns desses exemplos não são recomendados para menores de 18 anos de idade no Brasil. Assim, observando essas normas, você pode se divertir e tirar as suas próprias conclusões. Prepare seu suco de uva e vá agora mesmo assistir o catálogo do Prime Vídeo.
Números
Abigail (2024)
A filha de um criminoso acaba sendo sequestrada por um grupo de criminosos. Porém, o que eles não sabem é que a jovem, que adora O Lago dos Cisnes é uma vampira. Essa é a premissa de Abigail, que embora abuse dos clichês de vários gêneros, é extranhamente divertido e com um toque de humor que poderia ser problemático, mas não é.
PRÓS
- Uso muito inteligente de efeitos práticos, ainda mais se tratando de um terror visceral e muito sanguinollento, alinhado com um ótimo cenário.
- A antagonista consegue roubar o cenário com todas as suas facetas, levando a história a todos os seus pontos necessários.
- A inserção do humor não um fator que cria uma marca registrada no longa, trazendo boas sacadas nas interações dos personagens.
- Mesmo com seus defeitos, o filme consegue trazer uma diversão expansiva para o espectador que já tenha um conhecimento do que será visto.
CONTRAS
- Embora o adorável uso de Tchaikovski, a sonoplastia não é tão produtiva, em especial nas vozes dos personagens vampirescos.
- O abuso dos clichês não seria problema se em alguns momentos o filme não soubesse exatamente para onde ir, sendo uma colcha de retalhos de outros gêneros.
- O roteiro tem seu problema, em especial quando busca uma carga damátrica em seus personagens ou na antognista, o que se torna uma perda de tempo.