Os anos 80 do século XX foram o mais puro suco do gênero trash quando falamos do mundo cinematográfico. O primeiro Evil Dead, ou “A Morte do Demônio” foi lançado por Sam Raimi em 1981. Tivemos também The Thing, ou “O Enigma de Outro Mundo” do igualmente competente John Carpenter. Porém, além de tomates e palhaços assassinos do espaço sideral, tivemos criaturas bizarras em que seu apetite voraz causava pânico e medo em uma população de uma pequena cidade. É basicamente esse o enredo de The Blob, “A Bolha Assassina”, de 1988, um remake de um filme anterior de 1958. Abusando de sangue, vísceras e de seu vilão viscoso, resta saber se é claro se esse Ditto de outro planeta é competente em dizimar suas vítimas nesse Revisitando o Passado aqui no Guariento Portal. Pegue sua pipoca com muita manteiga, e cuidado com o que você pode tocar.
Primeiramente, neste Revisitando o Passado, o ponto de destaque de “A Bolha Assassina” sem dúvida é a própria Bolha. A criatura não tem olhos, não tem garras e nem mesmo é um assassino em série com uma faca ou uma serra elétrica. É simplesmente algo que caiu e vazou de dentro de um meteorito. Dentro do seu instinto mais banal, essa criatura gosmenta é capaz de se alimentar de praticamente qualquer coisa orgânica, inclusive braços, pernas e corpos humanos. É então que a seleção natural começa, com a criatura evoluindo drasticamente em tamanho enquanto digere, como um enorme estômago invertido suas vítimas de uma cidade interiorana do Colorado, nos Estados Unidos. Não há razão para o vilão, ele é apenas uma criatura que busca absorver tudo e continuar crescendo. Então, quando ela se aproxima de suas vítimas como uma Mamba Negra, esperem por um bote com muito sangue.
Efeitos práticos que até hoje evoluíram melhor do que Pokémon.
Aliás, os efeitos práticos de “A Bolha Assassina” são eficientes, embora absurdos como qualquer filme trash desejaria ser. A movimentação da Bolha Assassina por entre bueiros, vielas e qualquer caminho minúsculo deixa evidente que poucos lugares estão a salvo, e até mesmo frestas de janelas e de cabines telefônicas não estão a salvo. Do total de dezenove milhões de dólares do orçamento da época, nove milhões foram gastos com efeitos, sejam eles práticos ou por computação gráfica. Claro que os efeitos gerados pela computação envelheceram que nem leite. Apodreceram na verdade. Porém, a parte prática de “A Bolha Assassina” confere um estranho e gelatinoso charme a este filme. Lógico que a prudência deve estar na mente do espectador. O filme, lançado em 1988 não pode ser visto com os mesmos olhares cinematográficos de Hellraiser de 2022, por exemplo.
Sendo assim, definitivamente, não espere por um longa com uma mensagem poderosa ou com um enredo digno de Óscar, pois “A Bolha Assassina” passa muito longe disso. Absorvendo e dando um abraço muito forte no gênero trash – bem mais do que outras criações, como o próprio “Enigma de Outro Mundo”. Existe um toque que beira ao ridículo no longa, o tornando completamente despretensioso. As situações impostas para o prosseguimento da narrativa beiram ao ridículo, embora balanceada com muito sangue e restos de corpos para todo o lado. Ao ponto de que A Bolha parece ter tal consciência que gosta dela mesma em criar cenas inusitadas. O diretor do longa, Chuck Russell começaria a mostrar suas veias cômicas em “A Bolha Assassina”, mesmo que seu ápice tenha sido com O Máskara, de 1994. Claro que um grupo de pessoas pode não achar graça do humor protagonizado em com a Bolha.
A comédia não é involuntária, mas parte de A Bolha Assassina.
Porém, para os amantes do trash, e sabendo exatamente o que o filme representa, existem sim momentos para gargalhadas. Um claro exemplo é a cena do cinema, em que A Bolha simplesmente invade no meio de um longa que mais aparenta ser uma versão de baixo orçamento de Sexta Feira 13. O desespero do público é desmedido e a movimentação da bolha com a acidificação de corpos beira ao surrealismo germânico. Com toda certeza, a suspensão de descrença é bastante necessária em “A Bolha Assassina”. Assim, de certa forma, é necessário atualizar sua expectativa apenas pelo título do filme, para que o espectador saiba exatamente o que irá assistir. Sabendo disso, poderá curtir com tranquilidade os absurdos bem dirigidos e os efeitos bem produzidos, com uma trilha sonora adequada e uma fotografia particularmente interessante neste Revisitando o Passado.
O que mais se sobressai é a caracterização da bolha assassina e sua violência inexplicável. A partir do momento em que cai na Terra, seus ataques se sucedem contra os habitantes de forma brutal e repulsiva ao liberarem um excesso de gosma e de sangue durante a absorção das vítimas. O estilo trash, não apenas é criado pelos criativos ataques encenados (invadindo o corpo da vítima ou a sugando de surpresa, por exemplo), como também pelo CGI utilizado na composição da criatura – os efeitos visuais podem estar datados e destoantes do cenário e dos personagens, porém conseguem reforçar o tom fantasioso da história. Além do terror ocasional provocado pelos ataques, há também um bom humor próprio da diversão pretendida pelo roteiro.
Crítica de A Bolha Assassina, de 1988. Por Ygor Duarte, em Cinema com Rapadura (7/10).
Temos gore? Temos sim! Mas não espere por atuações de primeira linha.
Agora, justamente nesta situação de atualizar as expectativas, o gênero trash não é conhecido por atuações estelares que farão chorar de emoção. “A Bolha Assassina” passa longe disso. Porém, embora tenha qualidade em parte do roteiro em desvirtuar o antagonista humano para protagonista, a atuação é simplesmente mediana. Claro, “A Bolha Assassina” acaba ganhando pontos no sentido de logo na primeira metade de seus atos, simplesmente destruir aquele que estava escrito na testa ser o protagonista de todo o enredo, e transformar o badboy que fuma, anda de moto e tem jaqueta escura e mullets (Kevin Dillon) como o mocinho de toda a trama. Junto com a final girl (Shawnee Smith), líder de torcida e interesse amoroso do falecido, cabe a dupla resolver o mistério do motivo da Bolha ter aparecido naquela região e o que de fato ela representa.
No fundo, e tendo de se destacar neste Revisitando o Passado, ambos os personagens tem um certo carisma. Porém, não passam de um carisma raso onde na verdade quem é o personagem principal é a Bolha. E por tal motivo, acabam não sustentando tanto o enredo do filme, dividido tranquilamente em três atos. Até a metade do segundo momento, “A Bolha Assassina” tem uma cadência relativamente tranquila. O vilão passa por toda a cidade dizimando seus habitantes, sejam eles os mais queridos do vilarejo ou os mais odiados. E mesmo que apareçam cerca de cinco minutos de tela. Todos vão virar em algum momento lanche da criatura. Porém, quando aparecem membros do governo colocando uma conspiração da Guerra Fria no meio do longa, a situação começa a descarrilar ainda mais do que gente burra que abre a Configuração dos Lamentos e invoca os Cenobitas.
Com o cuidado no encanamento sem chamar o Mario, temos diversão.
O terceiro ato, o enfrentamento da criatura é tão rápido e rasteiro que se transforma em algo sem nexo com a derradeira cena final, que deixaria uma brecha para uma possível continuação, que jamais existiu. No ranger de todas as gelatinas, “A Bolha Assassina”, mesmo sendo um remake de um filme de 1958 acaba trazendo sua própria identidade. Uma vez por ter passado exaustivamente como um filme de horror com tendências cósmicas e no fim das contas, pelo seu antagonista. Sim, pode parecer que uma Bolha virulenta canibal, uma mutação do Pokémon Kantoniano Ditto não teria nenhum carisma para ser a vilã de um filme de horror. Porém, no mundo trash, onde tudo é quase possível, o longa acaba tendo uma identidade gosmenta, pegajosa e que coloca o filme como um clássico cult do gênero trash de sua época.
Claro que existem pontos positivos em “A Bolha Assassina”, além de seu antagonista. Os efeitos práticos, como dito neste Revisitando o Passado, podem beirar ao lúdico. Porém, são eficientes em mostrar corpos sendo decompostos por ácido ou digeridos das mais variadas formas. Sendo que alguns chegam a explodir com a forma que a Bolha faz ao caçar suas presas. A dinâmica do enredo também não é de todo mal, muito auxiliada justamente pelo fato de que a Direção de Chuck Russell sabe como usar os fundamentos do trash para trazer um filme que, mesmo com cenas fortes, acaba por não se levar a sério. A fotografia e a trilha sonora contribuem para que “A Bolha Assassina” não invente a roda do seu original, afinal trata-se de um remake. Porém, consegue ele mesmo ter sua identidade.
Um clássico cult que aterroriza parcela do público, e diverte bem mais.
Claro que há pontos negativos e mais pegajosos do que um caramujo ou os resquícios da Bolha. Em primeiro lugar, as atuações são apenas regulares. Elas estão presentes de tal forma que o espectador não fique ansioso pela sobrevivência de alguns, mas sim de abrir caminho para que o antagonista posta consumir um grande grupo de carne, e depois ter o embate final com uma final girl que com todas certeza iria preferir se digladiar com Freddy Krueger de A Hora do Pesadelo do que com uma geleia que não é de morango. Além disso, “A Bolha Assassina” acaba não se segurando em suas quase uma hora e meia de duração. Até o segundo ato, quando não se sabe muito sobre a Bolha, o filme mantém um clima de suspense, mesmo com risadas exponenciais. Porém, a inclusão de membros do governo cria uma espécie de buraco desnecessário.
No fim das contas, o caro leitor pode sempre se perguntar, como faz em todo Revisitando o Passado, “A Bolha Assassina” é um filme divertido? E a resposta é praticamente a mesma, que nem na Física. Depende do referencial adotado. Sabendo bem que o filme é um símbolo do gênero trash, e não esperando um terror macabro como O Exorcismo de Emily Rose ou A Profecia, pode-se encontrar diversão despretensiosa e descontraída. Mesmo com alguns deslizes, o longa pode até não ser um filme para um público amplo, e nem ser algo excepcional mesmo dentro de seu gênero. Porém, este Revisitando o Passado destaca que com excelente dose de suspensão de descrença, assim como risadas voluntárias fazem de “A Bolha Assassina” um exemplo do gênero e do estilo trash da década de 80 do século XX.
Números
A Bolha Assassina (1988)
Um evento que parece ser do espaço faz com que um meteorito caia na Terra, e com ele uma criatura que só sabe comer. E nesse caso, a comida são os pobres humanos de uma cidade do interior dos Estados Unidos. Esse é o enredo do filme A Bolha Assassina (1988), com direito a corpo decomposto, sangue e uma comédia desproporcional.
PRÓS
- Os efeitos práticos do longa segue inteligente até os dias de hoje. A Bolha em si é muito bem feita.
- O gênero trash em sua essência; gore, irracionalidade e fios de comédia se misturam.
- Direção bem honesta em misturar o enredo com uma boa fotografia e trilha sonora.
- Não inventa a roda por ser um remake, mas consegue ter seu próprio coração em forma de geleia.
CONTRAS
- Quem é o personagem principal é a Bolha, os humanos são somente coadjuvantes.
- Os efeitos especiais podem ter envelhecido como leite azedo, mas até para a época não são tão bons assim.
- Da segunda parte do longa até o fim, temos uma bolha de narrativa que contradiz o final.