No cinema de terror, é lugar comum o uso de maldições e da escuridão. O ótimo Quando as Luzes de Apagam (2016), o inventivo Sorria (2023) e o medíocre Verdade ou Desafio (2018) são apenas alguns exemplos que apareceram nos últimos anos nos cinemas ou nos streamings da vida. Juntando-se a este grupo, temos Boogeyman: Seu Medo é Real, filme de 2023 com cara e cheiro de produção para as plataformas digitais. Baseada num conto do mestre estadunidense Stephen King, lançado em 1973, o mesmo ano de O Exorcista. Boogeyman é simples e didático, conseguindo evoluir em um dever de casa sem inovação, mas interessante. E é isso mesmo que você verá nesta Crítica do Guariento Portal. Só mantenha seu armário fechado e as luzes ligadas, jogando um Ghost of Tsushima ou um Super Mario Bros. Wonder da vida para aliviar a pressão e manter tudo iluminado.
Sem sombras de dúvidas Boogeyman: Seu Medo é Real vai agradar e muito os fãs do gênero com um filme simples, mas que sabe exatamente aonde quer chegar e cumpre o que promete desde o seu inicio. Claro, alguns pontos como a demora do estabelecimento da real problemática podem incomodar um pouco, mas o carisma dos personagens principais compensa ao ponto de nos importarmos e desejar que nada de ruim os aconteça mesmo nos momentos mais difíceis. Em meio a tantos remakes e tentativa de sucesso de filmes do gênero esse se destoa como uma boa adaptação de King agradando tanto quem quer tomar alguns sustos, quanto quem quer ver uma boa história de terror do clássico bicho papão.
Agenor Florentino, em sua Crítica de Boogeyman: Seu Medo é Real no Ultraverso (3,5 / 5,0).
UM CONTO DE STEPHEN KING QUE GANHA AINDA MAIS CONTORNOS:
Para começo de conversa, Boogeyman: Seu Medo é Real é o típico filme que ninguém dá nada por sua produção. Mesmo sendo produzido pela 20th Century Studios, de A Noite das Bruxas (2023). Como dito, o filme é baseado em um conto de Stephen King que narra uma consulta de um homem com um psicólogo, relatando as estranhas mortes de seus três filhos. Esse é basicamente, o primeiro ato de Boogeyman. Contudo, o foco de toda a narrativa fica com a família desse psicólogo, que sofreu uma perda recente, sua esposa e mãe de duas crianças em um acidente. E é aqui que o filme ganha seus contornos ao trabalhar as formas de luto. É visível que mesmo tentando seguir, o pináculo de família se encontra rachado. Mesmo sendo psicólogo, o pai não sabe como proceder com a criação das filhas e logicamente, as mesmas sentem falta da mãe.
Esses sentimentos de perda e luto fazem com que a família comece a ser atormentada por uma criatura que até o segundo ato parece ser apenas uma materialização de toda aquela dor e dificuldade com a perda de um ente querido. A direção de Rob Savage é eficiente em não mostrar criatura alguma, mas o relance que com toda certeza são jumpscares evidentes mas interessantes. Nessa primeira metade de Boogeyman: Seu Medo é Real, não é possível distinguir entre uma criatura sobrenatural ou algo psicológico e físico. Aqui, temos o bom uso das sombras, da luz e do som. Visto que a manifestação da criatura ocorre somente com tudo na escuridão. Assim, uma bola de luz ou o videogame ligado fazem um contraponto que deixa nos cantos mais profundos da visão periférica a realidade de que existe alguma coisa.
BOAS ATUAÇÕES E UM TEXTO QUE VERSA SOBRE A MORTE E O LUTO:
Assim sendo, o roteiro, o ponto mais baixo da imensa família de longas de terror, em Boogeyman: Seu Medo é Real é aceitável e coerente. Mark Heyman e Scott Beck, do apreensivo Um Lugar Silencioso (2018) conseguem balizar essa neurose entre fantasia e realidade nos primeiros momentos. Inclusive, com o patriarca da família que obviamente não acredita quando suas filhas, especialmente a menor, começa a ser perseguida pela criatura. Que sim, após a segunda metade já se torna característica ser uma entidade conhecida como o Bicho Papão. Entretanto, o trio principal de forma alguma é raso, e cada um dos personagens guarda sua individualidade e sua forma de superar, ou pelo menos tentar apaziguar o luto que é a perda de alguém tão importante. Essa dualidade faz com que o espectador se apegue cada vez mais aquela família arrancada de sua normalidade.
Começando pelo pai das duas meninas, Will Harper. Psicólogo para os outros, é visível a dificuldade dele em falar sobre o luto da esposa e seu distanciamento com as filhas. Há um caminhão de cobranças sobre as suas costas. A filha mais velha, Sadie, sente a ausência no período mais instável da vida, a adolescência. E mesmo sendo ainda nova, tenta ser o amparo de seu pai e de sua irmã. Por fim, a jovem Sawyer, que desde o início tem medo de escuro e logicamente será a primeira a ser atormentada pela entidade do armário, o Bicho Papão. É possível dizer que a interação entre os personagens reforça a ideia de que a criatura busca famílias destroçadas para poder se alimentar. E a atuação do bom elenco deixa claro as cicatrizes que a morte pode deixar nos vivos.
APRENDERAM COM DA VINCI AO USAR LUZ E SOMBRA, MAS EXISTEM DEFEITOS:
Saindo do roteiro, a parte mais estética do longa tem suas inventividades, mas também é seu ponto mais negativo. Como dito anteriormente, o uso da luz e da escuridão é interessante em Boogeyman: Seu Medo é Real. O filme sabe como esconder sua criatura e não mostrar a todo o momento. O problema é que o termo escuridão ganha outro relance especialmente no terceiro ato. Com a caça para destruir a criatura, o filme fica completamente em breu, e mesmo tentando aumentar o brilho da tela é praticamente impossível entender o que se passa. A direção de fotografia, competente nos outros momentos onde era possível enchergar algo se perde completamente. Entende-se a necessidade do escuro, mas Boogeyman não se passa na Westeros durante os eventos da Longa Noite, onde ninguém viu nada o que se passava em Winterfell.
É por isso que o terceiro ato de Boogeyman: Seu Medo é Real acaba perdendo pontos. Além de ser bastante previsível uma vez a confirmação de que se trata de uma criatura tão antiga quanto o mundo. Porém, não espere nada tão inventivo. O filme não tenta e nem espera ser um Exorcismo de Emily Rose (2005) ou um O Iluminado (1980). Pelo contrário, ele pega a receita caseira do bolo de filmes de criaturas, e a utiliza com qualidade. Bons sustos, um bom suspense e uma família com personagens que o espectador passa a se importar. Com todos esses aspectos, existem lampejos de inventividade na forma com que as sombras são usadas. No fim das contas, é melhor fazer o dever de casa de forma simples do que inventar e falhar miseravelmente, como em Olhos Famintos: O Ressurgimento (2022), um filme pavoroso por si só.
BOOGEYMAN NÃO É GENÉRICO, NEM INVENTIVO, MAS SIMPLESMENTE BOM:
Assim sendo, Boogeyman: Seu Medo é Real é um interessante filme de terror que mais acerta do que erra. Especialmente quando o assunto é roteiro, um dos pontos que esse gênero mais consegue negativar. Em sua primeira metade, o uso de que a criatura poderia ser real ou uma obra de uma família enlutada ganha contornos junto com os personagens, frágeis devido a perda sofrida. O contexto familiar é denso e bem representado pela atuação dos personagens. Afinal, não existe apenas uma forma de lidar com o luto. É essa fragilidade que acaba evocando a criatura que na obra original de Stephen King é bem mais metafísica. O uso da visão periférica, de cortes rápidos e da luz artificial e da escuridão também se fazem presentes e com qualidade até certo ponto do longa metragem, com alguns momentos de inovação.
Infelizmente, o terceiro ato é o que há de mais negativo dentro de Boogeyman: O Medo é Real. Tanto em termos de narrativa quanto em estética. A completa escuridão proíbe que o espectador veja o que está acontecendo, até o momento em que tudo é incendiado. A cena seguinte, que retorna a premissa de que a criatura poderia não ser real é uma espécie de filosofia que a família finalmente seguiu em frente. A interpretação fica a critério do espectador. Mesmo com esses pequenos defeitos, Boogeyman: Seu Medo é Real é um filme divertido para os amantes do gênero que inclui criaturas demoníacas que não se forja em sangue puro, como A Morte do Demônio: A Ascensão (2023). Mas que tem seus momentos ao fazer uma receita completa do que se espera em um filme desse estilo em seus 99 minutos de duração e estando disponível na Star+.
Números
Boogeyman: Seu Medo é Real (2023)
Boogeyman: Seu Medo é Real (2023) é o típico filme no qual ninguém acredita, mas acaba trazendo um bom arroz com feijão em um roteiro interessante que une uma criatura da escuridão, o temido bicho papão e a perda e as consequências do luto no interior de uma família.
PRÓS
- Boas atuações com personagens que sabem como conceber o luto e a sua tentativa de internalizar.
- Roteiro adequado que não se perde, e faz com que o espectador crie vínculos com a família.
- Bom uso da iluminação em determinados momentos, porém sem jamais mostrar o que não devia.
- A trilha sonora sabe como usar do silêncio, assim como momentos de apreensão dedicados que lembram Stephen King.
- A dualidade entre a criatura ser algo real ou um ser metafísico leva o espectador a duvidar de é realidade ou ficcção.
CONTRAS
- Não espere por nenhuma inovação. O filme usa apenas uma receita caseira de como fazer um filme de criatura.
- O terceiro ato peca tanto na história quanto na técnica, sendo algo eternamente escuro.