Existem escritos que não necessariamente precisam existir no mundo real para criar uma verdadeira literatura ao seu redor. Isso vai muito por exemplo com a qualidade do autor, ou com o tempo que se passa, que do ostracismo sua obra vai ao estrelato. Essa é a segunda opção para falar de Howard Phillips Lovecraft, escritor americano conhecido pelo clássico Os Mitos de Cthulhu. Igualmente, não dá pra negar linhas e parágrafos de cunho abertamente racistas do autor, fato que não pode ser velado e nem passado pano algum. Os leitores do terror cósmico criado por Lovecraft provavelmente escutaram ou leram sobre o Necronomicon, o grimório que trás uma série de feitiços e artes das trevas para quem o possuir. Aliás, o livro já foi reverenciado em uma série de filmes e livros. Assim, o Guariento Portal vem trazendo mais uma Curiosidade sobre esse livro: perigoso e tentador.
Atenção: Ao falar sobre o Necronomicon e colo ele aparece em filmes e séries, é provável que você veja acontecimentos da série WandaVision e de A Morte do Demônio, filme de 2013. Em outras palavras, tem spoiler a caminho nessa Curiosidade. Então, se acaso não tenha visto nenhum desses mencionados, por favor, retorne em um outro momento, nós esperamos. Agora, se mesmo assim deseja prosseguir ou já os viu, sinta-se a vontade.
Não está morto o que pode eternamente jazer, e após eras estranhas, até mesmo a morte pode morrer.
Frase supostamente atribuída em uma das páginas do Necronomicon de H. P. Lovecraft.
O Necronomicon começou como uma criação da mente de H.P. Lovecraft. Porém, com um bom background conseguiu confundir muita gente, que acreditou que os encantamentos e invocações dentro do grimório de fato existem… Ou vai que existe mesmo!
Primeiro, é bom começar essa Curiosidade falando sobre a etimologia de algumas palavrinhas apresentadas. Grimório, pelo próprio sotaque da palavra vem do francês gramaire, a mesma raiz para a palavra gramática. Contudo, tal palavra significa um conjunto de escritos que normalmente tinha caráter ocultista, não importando se artes naturais ou artes das trevas, mas no conjunto imenso conhecido como “magia”. Especialmente na Idade Média, tudo que falava de termos como demônios, anjos, invocações ou ervas era considerado como um grimório. Já diretamente ao Necronomicon, seu nome original seria Al Azif. O que comprovaria sua escrita em regiões árabes e seu aparecimento perto da cidade de Damasco, na atual Síria. Al Azif aliás é o termo usado para falar dos sons produzidos pelos insetos a noite, e que os antigos povos do deserto acreditavam serem os sons dos demônios.
Já o nome Necronomicon vem do grego mesmo, e da mesma raiz de necromante, necrotério e tudo mais. Ou seja, relacionado com a morte. Uma tradução seria Livro em Memória dos Mortos. Pouco importa como você chamar, em várias ocasiões que ele foi relatado em filmes e séries, assim como na escrita de Lovecraft, o livro detinha conhecimento oculto necessário para que o magista, aquele que estuda os conceitos mágicos, deter grande poder. Seja invocando entidades tão antigas quanto a própria existência, como viajar por dimensões inexploradas pela raça humana. O problema é que tudo gera uma consequência, e somente ao abrir e folhear as palavras dentro do Necronomicon, o mágico pode simplesmente surtar e beirar a insanidade e a loucura. Não por menos, um dos textos que esse livro aparece se chama Nas Montanhas da Loucura.
Como vários outros grimórios que de fato se tem conhecimento moderno, o Necronomicon teria sido banido pela Igreja Católica e guardado em lugares singulares. Mas o conhecimento de Lovecraft foi o suficiente para que ele não fosse esquecido, e a Marvel bebeu dessa fonte para o seu Darkhold.
O texto da história do Necronomicon começa a se confundir com a história humana mesmo a partir daqui. Depois de sua descoberta em Damasco, o livro passou por várias mãos, até que no Século XIII ele teria sido traduzido para o latim, a língua franca da Europa daquela época. A Igreja Católica obviamente não gostou nenhum pouco, e baniu o livro de todas as terras de onde ela poderia mandar. Desse banimento geral, algumas cópias foram sendo guardadas. Diz-se que há uma nas Bibliotecas do Vaticano, onde provavelmente tem tudo mesmo. Já outros dois exemplares estariam no Museu Britânico de Londres e o outro na Biblioteca Nacional de Paris guardados a sete chaves. O problema é que nem mesmo estes locais ou nenhuma outra pessoa apresentou provas de que o Necronomicon de fato existe, e essa Curiosidade considera como fato isso.
Como você pode perceber, na verdade, Lovecraft conseguiu trazer um background bem extenso para o livro dentre de seus escritos. Fazendo até mesmo com que se acredite que ele de fato existe, e todas estas instituições estariam omitindo as informações e obviamente, com um grimório tão poderoso, não informariam estar sob seu poder. Outras ordens, voltadas para a Magia moderna juram de pé junto que na verdade detém o verdadeiro Necronomicon, e que esse falado por Lovecraft é uma versão suja e pouco detalhada do um outro livro. Aliás, esse é o mesmo conceito que a Marvel faz questão de usar em um livro que é uma contraparte do Necronomicon. Afinal, que livro tem poderes das trevas e pode trazer a completa loucura para todo aquele que o lê? Obviamente se espectador de WandaVision, acertou se disse o nome do Darkhold.
A Feiticeira Escarlarte não nasce, ela é forjada. Não precisa de coven algum para fazer encantamentos. Seu poder é maior do que o Mago Supremo. E seu destino é destruir a humanidade. Sim, isso é o que está escrito no Darkhold, por Curiosidade!
No mundo dos quadrinhos e do cinema da Marvel, a existência do Necronomicon não é apagada, mas é diminuída uma vez que o Darkhold ganha mais potência. Chamado de Livro Xiita dos Condenados, sua historiografia é mais emocionante. Feito em pedaços de pele de deuses caídos, o Darkhold é um conjunto de conhecimento de Chthon, o Deus do Caos e um dos primeiros a existir. Sobrevivendo após a morte de seus irmãos por terem se transformado em demônio e brigado entre si para decidir o futuro da existência, Chthon deixou os escritos na Terra como uma espécie de portal para que possa influenciar tudo. Especialmente com aqueles que leem o Darkhold. Um dos locais de mais força de seus poderes caóticos é o Monte Wundagore, a mesma montanha conhecida pelo nascimento da Feiticeira Escarlate, vulgo Wanda Maximoff.
Se por um lado o Necronomicon não destaca com maestria exatamente o que pode ser invocado, além de “criaturas” baseadas na obra de Lovecraft, a Marvel fez questão de quase enumerar as coisas que existem no Darkhold. Nesse conjunto de letras, temos desde a invocação de deuses como Chthon e outros terrivelmente malévolos, nestes termos, além de questões como fazer sua vontade se sobrepor a vontade dos outros até se transportar para o Limbo e outras terras. Enfim, dá pra perceber que coisa boa dentro do Darkhold é raridade. E se embora ele está de posse de Wanda Maximoff agora, importante mencionar também a outra aparição do Necronomicon dentro do mundo do entretenimento. Vindo da mente de Sam Raimi, mas precisamente o remake bem mais hardcore de A Morte do Demônio, também conhecido como Evil Dead, de 2013.
Esqueça os Kandarianos do original, aqui o Naturon Demonton trás uma criatura ainda mais poderosa e complicada de se combater. Embora tudo pudesse ser resolvido se alguém não lesse um livro que tinha duzentos avisos de “não leia” entre suas capas, sujas de sangue.
Se por um lado, o longa original de 1981 apostava até mesmo em momentos de comédia que acomodava o terror sobrenatural, o remake de 2013 vai pra outra vertente, e abusa do terror de verdade. Aqui não tem piada nem nada, e o Necronomicon está presente como o portal para o tinhoso mesmo, não sendo mais um Demônio Kandariano, mas sim um Tomador de Almas. Na história do longa, a jovem Mia é dependente de drogas e vai para uma cabana na floresta passar um belo fim de semana junto com o irmão e alguns de seus adorados amigos. O que ninguém sabia é que sempre tem que ter alguém que não tem o que fazer e vai futucar um livro feito de pele humana e escrito com sangue. Aliás, essa é a mesma forma que fazem questão de dizer que o Necronomicon original foi feito.
Aqui em A Morte do Demônio de 2013, o livro tem o nome alterado para Naturon Demonton, que é o original visto em 1981. Só que a diferença é que além de invocar o Tomador de Almas, ele também apresenta uma maneira de salvar as pessoas que foram possuídas por ele. Embora nenhuma delas de fato “salve”, pelo menos no plano físico. As três formas são mutilação, enterrar vivo ou queimar ao estilo Bruxa na Inquisição Medieval. É claro que depois que um dos amigos acaba lendo as palavras profanas, o caldo entorna completamente com muito gore que marcaram esse remake bem mais sombrio e realista que qualquer outro até então feito. Fica então a recomendação, se você ver algum livro esquisito manchado, com gravuras estranhas ou com palavras expressas para que você não o leia, obedeça.
Como Curiosidade, o Guariento Portal acredita que o Necronomicon é fruto da imaginação de seu criador. E um artefato com excelente história. Agora, se alguém nos apresentar esse texto de fato, talvez não leremos, mas iremos acreditar que ele possa até ser de verdade.
Assim, essa Curiosidade termina mostrando um pouco de como uma história – desde que bem construída – pode ganhar ares de verdade, como também influenciar e aparecer em outras mídias. No caso, o Necronomicon de Lovecraft vem da década de 20 do século XX, quando o autor escrevia seus contos em um jornal americano. Contudo, o tempo passou, a mitologia envolta de suas criaturas cresceu ao ponto de que passou a ser reverenciado como uma grande escritor. Mesmo que mais recentemente seu nome tenha caído no problema do racismo. Quanto ao Livro dos Mortos, a Marvel fez questão de aprimorar digamos assim para o seu Universo essa criação, o chamando de Darkhold. O famigerado Livro dos Condenados. Já A Morte do Demônio trás um perfil ainda mais sinistro do livro, se encaixando perfeitamente na sua história. Tudo provem de um mesmo lugar.
* Como dito acima nessa Curiosidade do Guariento Portal, o Necronomicon não tem uma confirmação de verdade, mas sim uma criação de seu autor, H. P. Lovecraft. Ocorre que até mesmo ele teve certa influência para criar esse grimório em livros que de fato existente. Bem, não necessariamente livros, mas conjunto de histórias e narrativas que foram colocadas em livros que narram sobre o contexto da morte e o pós vida. Especialmente em nações e civilizações que acreditavam nisso. É o caso do Livro dos Mortos Egípcio, do Livro dos Mortos Celta e do Livro dos Mortos do Tibet. São três escritos que podem apresentar diferenças gritantes com o proposto por Lovecraft, mas o influenciaram na sua criação. Já Wandavision pode ser assistida através do streaming Disney Plus, através de seu cadastro. Boa leitura e até a próxima com mais uma Curiosidade, Lista ou Análise de alguma coisa.