Desde que iniciou o seu Universo Cinematográfico, a Marvel elaborou uma fórmula que se tornou o feijão com arroz de todo gênero de super heroi. Seu uso se tornou tão exagerado que o termo genérico virou senso comum. Sucedendo a épica fase do Infinito, o Multiverso foi instaurado, e como parte dessa nova história temos Doutor Estranho No Multiverso da Loucura, filme de 2022. Pela graça de Kevin Feige, o chefe da Marvel Studios, e com a arte de Sam Raimi, temos um filme que foge a regra do genérico. O Multiverso é escanteado e a aventura é muito mais episódica. Mesmo assim, é um respiro com toques de terror no mundo do Mago Supremo e da Feiticeira Escarlate. Cuidado com o que você lê, especialmente se for o Darkhold, e viaje entre as dimensões com essa Crítica do Guariento Portal de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura.
Mandar aquelas criaturas atrás dela ao invés de mim, foi misericórdia. E, apesar da sua hipocrisia e insultos, eu pedi para que você saísse em segurança da minha frente. Você esgotou minha paciência. Mas eu espero que você entenda, que ainda assim, o que está prestes a acontecer… Serei eu sendo… razoável.
Feiticeira Escarlate antes de destruir Kamar-Taj, sendo totalmente razoável em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Crítica do Guariento Portal.
UM FILME COM A ALMA E O ESTILO DE SEU CRIADOR:
Primeiramente nesta Crítica, Doutor Estranho No Multiverso da Loucura é um longa metragem autoral. Ou seja, tem a semente de seu diretor, Sam Raimi, que já havia andado por estes reinos. Afinal, ele é responsável tanto pela trilogia original do Homem Aranha da Sony, antes do MCU e de pérolas como Arraste-Me Para o Inferno (2009) e a franquia A Morte do Demônio. Essa última feita com o orçamento de uma pastel e um copo de caldo de cana. Dessa forma, Multiverso da Loucura deixa para trás as câmeras fixas e a cor neutra do padrão de qualidade e o deturpa para melhor. São cores mais vibrantes, com contrastes com a escuridão, assim como sobreposição de cenas, zoom na fuça dos personagens, ângulos obtusos e uma câmera objetiva que lembra um dos momentos de A Morte do Demônio: A Ascensão (2023).
Esse jeito do Sam Raimi cria uma identidade que não foi vista no filme original do Doutor Estranho de 2016, sob a batuta de Scott Derrickson, que também brincou com o terror em O Exorcismo de Emily Rose (2005). Entretanto, Doutor Estranho No Multiverso da Loucura não é um filme de terror. Quem diz isso erra feio e erra rude. O longa tem elementos de terror, como a possessão de corpos moribundos e até mesmo a magia do Darkhold. Assim como tem momentos de comédia, em uma junção do terrir que é o sangue mutante de Sam Raimi. Em termos técnicos, os efeitos especiais são quase impecáveis. Lembre-se do quase, especialmente na apresentação de poderes dos personagens principais e da sua viagem psicodélica de alguns segundos pelo Multiverso. Afinal, embora seja um filme do Doutor Estranho, a estrela do protagonismo também se encontra na figura da Feiticeira Escarlate.
UMA CONTINUAÇÃO DO SOFRIMENTO DA FEITICEIRA ESCARLATE
Toda essa qualidade de Multiverso da Loucura é aprimorada com a trilha sonora, que consegue ser minimalista na subida de uma escada ou até acima do tom em uma batalha musical com a Quinta Sinfonia de Beethoven. E o figurinode todos os personagens, muito bem produzidos. Esse de fato não é nem de longe o problema do longa. Que, como dito, de maneira técnica e artística, é impecável e uma novidade dentro do padrão genérico da Marvel. Se aproximando mais de Thor: Ragnarok (2017) do que Os Eternos (2021). Acontece que seu Nêmesis, fora de Resident Evil, se encontra no roteiro. Esse sim segue stricto sensu a fórmula Marvel. Por mais que exista qualidade na atuação impecável do Doutor Estranho de Benedict Cumberbacht e uma tentativa da Feiticeira Escarlate de Elizabeth Olsen, o texto que tem Multiverso no nome simplesmente abandona esse conceito, relegando a apenas um caminho.
Embora não seja vital, como filme continuação, é importante que o espectador tenha ciência de fatos antecessores para entender a Loucura do texto. Assim, ver Vingadores: Ultimato (2019), Doutor Estranho (2016) e a série WandaVision (2021) da Disney +, criará a realidade da Feiticeira Escarlate, mesmo que com base em contradição. Com a vida cheia de perdas, primeiro de seu marido Visão, que ela mesma assassinou ao destruir a Jóia da Mente, e depois seus filhos criados pelo Poder do Caos, a Mestra de Wundagore só tem um propósito. Encontrar uma realidade onde seus filhos existem e viver nela. Mesmo que para isso ela tenha que desviver uma criança especial que consegue viajar por entre os inúmeros Universos, a jovem América Chávez. Essa criança acaba caindo na realidade do já conhecido Stephen Strange, depois de várias variantes do Mago Supremo, na Terra 616, a Terra original dos acontecimentos na Marvel.
O LADO MÁGICO DA MARVEL É INSTÁVEL, ASSIM COMO A MENTE DE WANDA:
Claro que com a Feiticeira Escarlate virada na Ordem 66, ou seja no Lado Negro da Força, ela e o Doutor Estranho se tornariam rivais. O que ocasiona a destruição de Kamar Taj, o templo dos magos na Terra. Afinal, o destino de Wanda é realmente destruir o mundo, como já predizia o Darkhold e Agatha Harkness, e algo bem comum nos quadrinhos. Porém, mesmo com tanto poder e com tantas sequências catastróficas, a ligação das cenas e a urgência dos meios utilizados pela Wanda, que leu muito bem Maquiavel junto das passagens de Chtlon não é o melhor do mundo. Separadamente, as cenas são sensacionais. Como um filme que exige a ligação, elas são ilhas da imaginação. Capaz de trazer fan service especialmente com a inclusão dos Iluminatti, que são derrotados com extrema facilidade com a Dominação Onírica de Wanda na realidade onde seus filhos finalmente estão vivos.
Essa facilidade por si só é o Pomo da Discórdia do roteiro, pois os poderes da Feiticeira Escarlate variam conforme a história a determina. A criatura mais poderosa da Terra é capaz de derrotar as criaturas mais inteligentes de um Universo em questão de dez minutos, mas demora outros quarenta para retirar o poder de uma criança indefesa. O mesmo pode ser dito da inteligência do Dr. Estranho, que com apenas o folhear de duas páginas do Darkhold, ele se torna um especialista em Dominação Onírica e Magia do Caos. Por mais que os personagens secundários, como Wong e a Cientista Christine Palmer digam os inúmeros perigos dessas tarefas. Claro que a desobediência rende excelentes cenas onde os moldes do terror aparece. Porém, como dito, o caminho para se chegar a esse lugar é tão pedregoso que a cabeça do espectador bate no teto do carro várias vezes.
É UMA BOA ENTRADA DE TOQUES DE TERROR NO MUNDO DA MARVEL:
Tudo isso é claro que leva a um terceiro ato que cobra o seu preço como um gênio da garrafa. O combate do mundo mágico da Marvel é interessante, mas o importante é levar a consciência da Feiticeira Escarlate que ela cometeu vários excessos. Se desvirtuando daquilo que um dia foi quando ajudou Sokovia na Era de Ultron (2015), o Capitão América na Guerra Civil (2016) ou a luta final de Ultimato. Os fins assim não justificam os meios, e ela se transforma em um monstro que é apavorante até mesmo para os seus próprios filhos. Essa chave que é virada na mente da Feiticeira em Multiverso da Loucura é o suficiente para entender que o Darkhold deve ser desintegrado não somente dessa realidade, mas de todas as outras, mesmo que isso custe a vida de Wanda. Que, como sabemos na Marvel, pode não ser tão permanente assim.
De certa forma, Doutor Estranho No Multiverso da Loucura ganha pontos quando o aspecto é inovação, mesmo com seus erros grosseiros de história. A narrativa é escarrada o gênero Marvel de cinema, com a contradição básica no comportamento de Wanda. Porém, o filme ganha uma aura justamente pela técnica de seu diretor. É algo que não ofende e muito pelo contrário, que afaga a história mágica de dois personagens que tem momentos sombrios no mundo dos quadrinhos. Não por menos, vilões como Mefisto, um demônio tal como o Pazuzu e Lamashtu da franquia O Exorcista aparece em suas bandas desenhadas. Então, essas pequenas sementes engrandecem e criam um novo olhar dentro dos heróis da Marvel, abrindo até mesmo um formato para criaturas como o Motoqueiro Fantasma. Afinal, não há como fazer um filme no tom de Guardiões da Galáxia (2014) de alguém que representa os Filhos da Meia Noite.
NÃO É UM PASSEIO PELO MULTIVERSO, MAS AGRADA ESTA CRÍTICA:
No fim das contas, Doutor Estranho No Multiverso da Loucura mais acerta do que erra. Sendo inclusive um filme divertido por inovar dentro de uma fórmula já saturada quando de seu lançamento. Basicamente, a boa direção e os efeitos quase impecáveis, com a exceção de um terceiro olho desnecessário, alinhados com a atuação do próprio Dr. Estranho levam as amarras do filme do Livro de Vishanti até às profundezas do Darkhold. A manipulação das câmeras e até mesmo a inserção de pequenos jump scares criam uma alma que dificilmente será roubada. É também uma espécie de contraponto para o desgaste do gênero de herói, que após Multiverso da Loucura teria pouquíssimos acertos e muitos erros em seus filmes, como o fraco Homem Formiga e a Vespa: Quantumania (2023), o terrível Thor: Amor e Trovão (2022) e o sem sentido As Marvels (2023).
Mesmo sendo um filme continuação, o que tiraria de Doutor Estranho No Multiverso da Loucura o peso da apresentação, seu roteiro com diálogos rasos é o ponto fraco. A aparição de outros heróis não influencia em nada no andamento. Pelo contrário, complica a vida de Wanda que tem seus poderes aumentados e diminuídos com a conveniência do roteirista. O que poderia se transformar na base de uma próxima fase vira um simples episódio, como se estivesse angariando personagens no game Marvel Ultimate Alliance 3: The Black Order do Nintendo Switch, sem ligação alguma. Mesmo assim, no lançar de muitos feitiços nesta Crítica, Multiverso da Loucura é um filme interessante e divertido. Longe de ser o melhor da Marvel pode fazer. Mas pelo menos sai de sua identidade básica com um final tentador de uma Incursão. Só poderia ter apostado em uma história mais coesa em seus 126 minutos.
Números
Doutor Estranho No Multiverso da Loucura (2022)
Trazendo uma alma que se remexe com toques de terror, Doutor Estranho No Multiverso da Loucura (2022) é uma criação autoral de Sam Raimi com ótimos efeitos e uma direção artística bem diferente. O problema mesmo se concentra no roteiro e na relação dos protagonista, em especial na visão de mundo da Feiticeira Escarlate.
PRÓS
- A direção com os trejeitos de Sam Raimi garantem que o Multiverso da Loucura seja uma história autoral.
- Com exceção de um momento, os efeitos especiais e a trilha garantem uma boa jornada.
- Saída do estilo Marvel de forma criativa, com apresentação artística, figurino e técnica diferenciada.
- Excluindo o termo Multiverso, é possível se divertir com essa história que se torna episódica.
CONTRAS
- O roteiro do filme não consegue concatenar as grandes cenas dos eventos. A ligação e as falas dos personagens são genéricas.
- Benedict Cumberbacht é excelente, mas os outros personagens são jogados para escanteio, inclusive Elizabeth Olsen, mesmo sendo essencial.
- Os efeitos da viagem de Estranho e Feiticeira poderiam levar a eventos catastróficos, mas por enquanto é apenas uma teoria.