Pouco tempo atrás, o Guariento Portal falou sobre Khonshu, o Deus da Lua da Mitologia Egípcia que foi absurdamente bem aceita pelo público. Então, aproveitando que a voz do povo é a voz de Deus, trouxemos dessa vez mais uma Curiosidade, pois a gente é desses. Agora, diferente da criatura divina de Cavaleiro da Lua, temos um personagem bastante terreno. Se você já tinha certa idade na década de 90 ou jogou Kingdom Hearts, série de games da Square Enix, sabe da existência de um menino pobre de Agrabah que acaba encontrando uma lâmpada mágica. A história de Aladdin, no modelo Disney de ser pode ser bastante conhecida, e tem até Análise aqui. Mas, assim como Branca de Neve, sua história “original” é um pouco diferente dentro dos contos das Mil e Uma Noites. Então, vamos para as areias do deserto em mais uma Curiosidade do Guariento Portal.
Majestade, na capital de um reino da China, muito rico e muito vasto, de cujo nome não me lembro no momento, vivia um alfaiate chamado Mustafá. Sem outra distinção que a dada pela prática de seu ofício. Mustafá, o alfaiate, era um home muito pobre, e seu trabalho mal rendia o suficiente para sustentar a ele, à mulher e a um filho de Deus lhe dera. Esse filho, que se chamava Aladdim, fora criado de maneira muito negligente. Isso o fez desenvolver inclinações viciosas. Era malcriado, teimoso e desobedecia ao pai e à mãe. Assim que cresceu um pouco, seus pais não conseguiam mais segurá-lo em casa.
Parte do Conto de Aladdim e a Lâmpada Maravilhosa dentro de As Mil e Uma Noites (Traduzido Obviamente).
Aladdin não era meigo, mas sim bastante abusado. No entanto, sua história não é tão antiga quanto outras de As Mil e Uma Noites. Na verdade, foi colocado como um bônus dentro do livro depois de sua tradução para o francês. Na verdade, era uma história oral passada na região do Médio Oriente.
Para começo de conversa, Aladdin, a história original tem algumas peculiaridades. Estando dentro do imenso grupo das Mil e Uma Noites, a história não foi contada por Sheherazade ao Rei Xariar em troca de sua vida noite após noite. Na verdade, Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa, como é o nome da história original só foi colocada dentro dos contos através do francês Antoine Galland. Ele foi o responsável por ocidentalizar os contos do Médio Oriente, alguns de natureza oral de um maronita sírio chamado Hanna Diyab. Então, podemos dizer que Aladdin é um conto exótico, porém bem mais recente do que vários inclusos em As Mil e Uma Noites. O outro problema é que nos mais antigos estilos da história, Aladdin tinha aspectos árabes, mas ocorria em uma “certa cidade da China”; o que poderia colocar o nosso personagem com uma aparência diferente do que a Disney costuma implantar.
Mas calma, embora a história de Aladdin passe “em uma certa cidade da China”, outros termos parecem destacar que aquela sociedade já tinha certo domínio muçulmano. O governante local é dito como “Sultão” ao invés de “Imperador”. Além disso, na história aparecem muçulmanos e até mesmo judeus. Porém, não se nota sequer uma mísera alma budista, taoísta ou confucionista, religiões que se encontravam na China na época datada do conto. Indo pra lá e pra cá nas pesquisas, é possível dizer que o termo “China” era usado por muçulmanos para lugares exóticos, até mesmo com lugares onde Alá era o único Deus. É o caso do povo tadjique (onde hoje está o Tadijiquistão), assim como o povo uigur, povo étnico turco que habita dentro do território chinês onde ficava a antiga Rota da Seda. Tirando agora a questão geográfica, a história tem poucas alterações, mas importantes.
Você pode achar que Aladdin nunca teve um amigo como o Gênio, ou que a Noite da Árabia é sempre tão quente, mas não tem música na história original. Por mais que ela prossiga uma narrativa muito próxima, mas que foi “diminuída” pela Disney para ficar mais simples e rápida em suas adaptações.
Aladdin começa diferente do que a Disney mostra. Um jovem rebelde e desobediente que não quer seguir no ofício de seu pai, Mustafá, que era alfaiate. No entanto, as diferenças param por aqui. Aladdin é recrutado para uma caverna no meio do Magreb por um feiticeiro, que se passa por seu tio, irmão de seu falecido pai. É dito que naquele lugar há uma lâmpada mágica habitada por um gênio. No entanto, a caverna está cheia de armadilhas. Porém, o anel mágico dado por este feiticeiro (que não tem nome de Jafar) o salva até que ele chega a lâmpada, porém inadvertidamente, ele a esfrega depois que o feiticeiro o trai. Assim, Aladdin acaba liberando o gênio e consegue. Agora, com o auxílio da criatura, o garoto se torna um Príncipe, e consegue se casar com a Princesa (Badroulbadour e não Jasmine), a filha do Sultão local.
Não se sabe se o mago africano, entendido em fisionomia, percebeu no rosto de Aladdin o necessário para a execução do plano que era o motivo de sua viagem, ou se antes procurara informar-se com os membros da família do rapaz para ficar sabendo como ele era, e qual era a natureza de suas inclinações. Fosse como fosse, depois de reunir as informações que queria, abordou o rapaz e, fazendo-o afastar-se alguns passos de seus amigos, pergunto a ele: “Meu filho, teu pai não se chama Mustafá, o alfaiate?”. Eu sou teu tio; teu pai era meu irmão. Faz vários anos que estou viajante, e assim que chego de volta aqui na esperança de revê-lo e dar a ele a alegria de minha chegada, tu me dizes que ele morreu.
Parte do Conto de Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa que trata da chegada do feiticeiro.
Os problemas começam a acontecer depois que Aladdin se casa com a filha do Sultão. E aqui, não tem simplesmente a derrota do antagonista. É morte mesmo, pelas mãos do próprio protagonista. Algo comum quando você pega contos antigos como Branca de Neve e Chapeuzinho Vermelho, bem mais sangrento em suas versões originais.
Seu palácio é ainda mais maravilho do que o de seu sogro. Mas erra quem acredita que tudo termina bem, pois os problemas que Jafar traria na adaptação da Disney começam depois do casamento. Sabendo que Aladdin se tornou um Príncipe, o feiticeiro tenta roubar a lâmpada maravilhosa se transformando em um comerciante de lâmpadas. Bom em palavras, ele consegue fazer com que a esposa de Aladdin troque sua antiga lâmpada – o lar do gênio – por uma nova. Assim, o feiticeiro consegue fazer com que o palácio do protagonista seja transferido para o Magreb. Porém, Aladdin tinha uma carta na manga, ou melhor, um anel no dedo. Aliás, o mesmo anel que o feiticeiro havia dado para entrar na caverna. É descoberto que há a força de um gênio menor, e com sua inteligência, Aladdin consegue matar o feiticeiro e reaver seu palácio.
Porém, no melhor estilo Casos de Família, o irmão do feiticeiro aparece buscando vingança, sendo este “mais poderoso e mais malvado”. Se passando de uma velha senhora – mas que dessa vez não vende maçãs – o segundo feiticeiro acaba fazendo com que a esposa de Aladdin permita que ele fique em sua residência. No entanto, alertado pelos dois gênios, o da lâmpada e o do anel, Aladdin dá cabo a vida do segundo feiticeiro antes mesmo que ele pudesse fazer qualquer coisa contra sua família. Assim, e somente depois destas duas provações é que Aladdin e sua esposa tem um pouco de paz dentro do reino. Com a morte de seu sogro, Aladdin ascende como Sultão, deixando agora sua dinastia com dias felizes e de glória, sendo a lâmpada passada de geração em geração dentro de sua linhagem, protegendo o povo e a família real local. Temos finalmente um final feliz.
Aladdin pode ser mundialmente conhecido pela sua versão animada da Disney de 1992, que deixa tudo mais “clean”. Contudo, sua história passada de geração em geração, como cultura do Oriente Próximo ainda encanta e tem bem mais detalhes do que você, meu nobre leitor pode imaginar.
Assim, o Guariento Portal pode dizer que a história da Disney é levemente pasteurizada de seu homólogo árabe chinês. Em contraponto com o filme de 1992 e com o live action de 2019, o enredo foi bastante simplificado, tendo o feiticeiro e o vizir do Sultão, dois personagens distintos tendo sido colocados na pele do poderoso e maligno Jafar. Retirou-se a existência de dois gênios e a princesa tem um nome bem mais tranquilo de se dizer. No entanto, como você percebeu nessa Curiosidade, o “grosso” da história de Aladdin e como ele conseguiu a sua Lâmpada Maravilhosa podem não pertencer aos primórdios de As Mil e Uma Noites. Mas se integrou tão bem dentro da cultura desses escritos que sem dúvida alguma, se transformou em uma dos mais conhecidos contos árabes lidos e relidos em todas as partes do mundo.