Durante os primeiros dez anos dos anos 2000, o cinema ocidental de terror observou com atenção a sua contraparte oriental. Enquanto nessa região o gênero sofria uma certa decadência, Japão, China e o Sudeste Asiático cresciam em um terror sobrenatural de suas próprias origens. Não tardou para que o Ocidente buscasse remasterizar pérolas como Ringu e Ju-On, que dariam origens respectivamente aos filmes O Chamado e O Grito. Em relação ao O Grito, a versão ocidentalizada refere-se ao longa produzido em 2003, trazendo a mesma história, com a diferença de que a maior parte dos atores são americanos. No Japão, uma família é morta com requintes de crueldade, criando uma espécie de maldição do rancor dentro da residência do crime. E, em O Grito de 2020, vemos uma atualização dessa maldição. Agora, é saber se ela realmente é produtiva ou é uma banheira de água suja.
O Grito (2020) é uma tentativa de revitalização do clássico de 2004, com novas histórias e uma boa iluminação. E só:
Primeiramente, como aspecto positivo de O Grito de 2020, temos uma espécie de histórias paralelas. Ao invés de se focar de maneira exclusiva em um núcleo, o espectador é transportado para três histórias simultaneamente, que, em algum ponto da narrativa se encaixarão até que de forma estruturada. A maldição do rancor começa a transpassar fronteiras, não estando mais presa a casa dos longas originais, mas sim a pessoas. Assim, Fiona Landers, uma americana que trabalhava na casa em Tóquio em 2004 acaba levando a maldição para a sua casa. É então que uma série de mortes começa a acontecer com todos que entram ou tem o mínimo de contato com aquela família. Temos a história da detetive Muldoon com o Detetive Goodman (Démian Bichir, que fez o Padre Anthony Burke de A Freira), além do corretor de imóveis e de mais um casal que se muda para a casa.
Além disso, também conta para o longa pelo menos a direção artística, embora com algumas falhas. A linha de cenário abusa de tons em amarelo, especialmente no período noturno. Não importa qual casa esteja, em qual rua esteja, os vidros, as lâmpadas são todas nesta tonalidade que acaba usufruindo do poder da luz e das sombras. Em especial, a casa onde ocorrem os crimes da maldição possuem vitrais que não harmonizam, mais deixam uma sensação de que algo está fatalmente estranho no lugar. Outras aspecto é que O Grito de 2020 não tem medo de usar de cenas de gore para impactar, bem diferente do terror quase subliminar e de alto impacto do Japão, claro que este também usando em alguns momentos cenas perturbadoras. Infelizmente, para o desastre do longa, esses são os únicos pontos positivos que pode se destacar desta nova versão do clássico de terror.
Praticamente tudo que o longa toca não tem a qualidade necessária. E em especial o esquecimento completo da maldição original:
Um ponto que irrita severamente a nova versão de 2020 de O Grito é a deturpação completa da assombração original. Para quem não conhece a história, O Grito foi o responsável por eternizar os Onryo Kaiako e Toshio, além do gato que também foi morto. Aqui, eles simplesmente são esquecidos e em seu lugar entra a pequena Melinda, filha assassinada dos Landers. O fantasma original aparece em poucos segundos, e na maior parte do tempo, são os personagens que morreram que tomam a cena dos vilões. Basicamente, O Grito trás uma espécie de retorno a lá zumbis, como se a maldição fosse contagiosa ao ponto de que os personagens ressurgissem para assassinar outros de seus pares. Poderia ser uma boa ideia, se não fosse tão mal estruturada e se baseando em uma obra de terror japonês. Basicamente, retira-se todo o conteúdo cultural nipônico que pesou nos longas anteriores.
Em conjunto com esse esquecimento completo das raízes da franquias, entra um roteiro que pode até tentar inovar com o argumento de histórias paralelas. Porém, estas narrativas não são interessantes, salvo exclusivamente do ramo policial. Os personagens ali dispostos não criam empatia suficiente, e quando da necessidade de estarem em situações de perigo não se apresentam de forma humana. Além disso, uma boa obra do gênero horror sobrenatural deve contar com momentos de tensão e sustos. Ju-On, o original e a versão americanizada poderiam ter defeitos, mas existem cenas que de fato apresentam estas características. Em sua nova reformulação, não há uma única cena em que esse sentimento persiste. Há sim uma ideia de conexão com os anteriores, como a cena da mão no chuveiro. Mas em nenhum momento ele consegue arranhar o espectador com o medo. Um filme de terror que praticamente não assusta.
Direção e atuação dos personagens é extremamente fraca e chega a desagradar, não criando vínculo algum com o espectador:
Contudo, se isso já não fosse o suficiente, até mesmo a direção se encontra perdida. Nicolas Pesce, (do premiado em Cannes Os Olhos de Minha Mãe) praticamente erra em todas as perspectivas que tenta usar. Quando se faz questão de criar uma cena com densa atmosfera ou com sustos, usa inadvertidamente a trilha sonora, alertando o telespectador que algo está para chegar. Os jump-scares, que devem ser usados com cautela ou muito bem encaixados, são atirados para todos os lados. Ao ponto de que em O Grito (2020) no meio da narrativa o espectador se encontra saturado de cenas sobrenaturais. Se James Gun em Invocação do Mal consegue captar uma essência aterradora sem mostrar sua criatura até metade do filme, aqui nesta adaptação a cena de cada um dos espíritos vingativos satura, tirando qualquer sensação de surpresa. Afinal, os espíritos estão na tela praticamente a todo momento.
E, com um roteiro extremamente raso, a obra é completamente pasteurizada. Até mesmo as atuais são unidimensionais. É sim tentando dar uma camada extra a cada núcleo da história, mas o espectador não cria uma simpatia por praticamente ninguém. O único destaque positivo pode ser a atuação de Andrea Riseborough como a Detetive Muldoon. Praticamente todos os outros personagens são rasos, tendo em três linhas identificadas suas motivações. Até mesmo Lin Shaye (que participou de Halloween e Sobrenatural) está unidimensional. Claro que o uso de diversos núcleos diminuiria o tempo de tela dos personagens, mas isso jamais quer dizer que a profundidade de suas ações também seriam diminuídas. Por fim, com um argumento, já visto na franquia, mas praticamente jogado na narrativa de O Grito (2020) que é o de queimar a residência assombrada, o longa termina com uma espécie de cliffhanger para uma possível sequência.
Basicamente, era melhor ter deixado Kaiako e Toshio, a Maldição do Rancor no Japão. Pois de utilidade, o Grito (2020) não acerta em nada do que se propõe.
No fim das contas, O Grito (2020) é péssimo como película e igualmente ruim como uma nova reprodução do gênero de terror do começo dos anos 2000. Buscando inovar em um gênero que normalmente é levado para a mesmice, o longa peca em praticamente tudo que tenta, com poucas exceções. Assim, a primeira delas, o uso de histórias paralelas, algo utilizado no original japonês mas não na primeira versão americana. Isso trás para a maldição uma ar de maior perigo, em que ninguém que se encontra perto do acontecimento está a salvo. Já quanto a iluminação e a parte mais técnica de cenários, mesmo com algum enjoo de usar a mesma paleta de cores, ela consegue criar uma sensação de que algo está errado. E a própria casa onde ocorrem as assombrações é bem estruturada, com vitrais que chegam a ser assustadores.
No entanto, isso não salva o longa de ser ruim. O pior aspecto de O Grito (2020) é basicamente esquecer a maldição japonesa e pasteurizar para algo americanizado. Não há praticamente componente algum da cultura japonesa, sendo jogado inclusive na narrativa. A direção também não convence, ora buscando refazer cenas já conhecidas do longa, sem sucesso, ora trazendo sustos para entidades que mais se transformaram em zumbis do que fantasmas de vingança, os chamados Onryo. Toshio e Kaiako praticamente desaparecem desse longa, dando espaço para uma nova família que é amaldiçoada. No fim, a atuação rasa de praticamente todos os personagens e as ações que o roteiro leva para chegar ao sem fim induzem que o título é extremamente raso e pouco estudado em suas obras originais. Em outras palavras, Toshio e Kaiako devem estar revoltados com o que fizeram com sua história.
Veja mais no Guariento Portal se gostou desta Crítica de O Grito (2020). Saiba que o longa até tenta, mas não consegue chegar aos pés dos originais japonês e americano dos anos 2000. Não deixe de comentar também, pois é muito importante para o crescimento e desenvolvimento deste Portal!
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* O Grito (2020) está disponível por meio do sistema de streaming da HBO, o HBO Go. Entretanto, os títulos originais, seja Ju-On, de 2003, assim como The Grudge, de 2004 podem ser encontrados de maneira esporádica em outros sistemas, como a Netflix e Telecine. A título de curiosidade, vale lembrar que os dois longas anteriores tem a presença de Takashi Shimizu, o criador original da franquia. Porém, nesse, mesmo tendo o nome de Sam Raimi (de Evil Dead) Shimizu não participou de nada envolvendo o novo longa.
Números
O Grito (2020)
Esquecendo o original japonês de 2003 e a versão americana de 2004, O Grito (2020) foge da origem da Maldição com uma péssima história.
PRÓS
- O uso de histórias paralela faz com que a Maldição do Rancor seja uma "antologia".
- A iluminação, em tons de amarelo deixa o perigo ainda mais evidente.
CONTRAS
- Personagens completamente unidimensionais e desvalorizados na narrativa.
- Roteiro que esquece absurdamente suas origens no passado japonês.
- Trilha sonora mal utilizada, estragando momentos de sustos, assim como os jump-scares.
- Direção perdida, não compreendendo o momento correto de criar tensão.
- Ações completamente sem sentido, e deduções ilógicas para os personagens ali apresentados.