Reviver uma franquia pode fazer com que qualquer diretor fique entre o céu e o inferno. Ainda mais quando o seu DNA está entranhado em algo que deu errado. É o caso do estadunidense David Gordon Green, que depois de trazer Halloween (2018), fez duas continuações que foram para o limbo da ruindade. Não satisfeito, coube a ele também trazer de volta para as telas do cinema nada menos do que O Exorcista, franquia iniciada em 1973 com aquele que é considerado o melhor filme de terror de todos os tempos. É nessa mistura eclética que temos O Exorcista: O Devoto, filme lançado em 2023 que tem um legado tão pesado que falha miseravelmente em quase tudo que propõe. É por isso que dessa vez, nem é preciso de água benta, somente inteligência, algo que nem O Exorcista do Papa (2023) precisou tanto para assistir na Prime Video.
A PACIÊNCIA CONQUISTA TODAS AS COISAS, MAS NÃO ESSE FILME:
O Exorcista: O Devoto, para o nobre entusiasta no gênero é o típico filme de possessão demoníaca. Entretanto, ele tem a péssima ideia de se passar no mesmo Universo creditado no original de 1973, onde Pazuzu, após uma sessão de tabuleiro Ouija passa a controlar uma garota. Essa história, décadas depois é extremamente conhecida dentro e fora do filme. E o seu reboot em forma de legado segue stricto sensu a mesma fórmula. Um dupla de garotas, após brincar de invocar o espírito da mãe de uma delas na floresta, desaparecem por três dias, e quando encontradas, começam a agir de forma sobrenatural. Algo que o casal Ed e Lorraine Warren já cansaram de falar que não se pode fazer. A questão é que o ritual só ocorre na marca dos pênaltis, e durante os seus 121 minutos, o longa metragem anda em círculos.
O andamento da carruagem de O Exorcista: O Devoto, é mais esburacada que as ruas do interior do Brasil. O primeiro ato apresenta um casal de fotógrafos em que, devido a um terremoto no Haiti, acabam se separando para todo o sempre. Treze anos depois, já nos Estados Unidos, vemos que Victor Fielding, o fotógrafo em questão, vive com sua filha Angela, porém desacreditado na fé. Algo tradicional nesse tipo de filme. Acontece que arrastando a coleguinha de escola Katherine, as duas se embrenham na mata, invocando uma entidade que ninguém sabe o nome. Apenas por entrevista do diretor é que passamos a saber que se trata de Lamashtu, uma entidade suméria da mesma linhagem de Pazuzu. Acontece que a busca das desaparecidas e os efeitos da possessão duram a maior parte do filme, desestabilizando qualquer bom andamento da película.
QUEM DERA SE A QUESTÃO DA POSSESSÃO FOSSE O PROBLEMA PRINCIPAL:
Se há algo que possa ser visto como positivo em O Exorcista: O Devoto, está nas atuações das duas garotas e na maquiagem usava no decorrer do trabalho espiritual. Lydia Jewett e Olivia O’Neill, na pele respectivamente de Angela e sua amiga Katherine sabem como amedrontar e com uma fisicalidade extremamente interessante quando necessário. Dando os devidos louros, o filme só não é uma jornada para o Inferno por causa das duas e dos bons efeitos de maquiagem. A dupla, ao lado de Janet Hodgson, personagem de Invocação do Mal 2 (2016), fariam um triunvitaro que até mesmo Valak e Asmodeus se assustariam. Aliás, há um orvalho da madrugada vem do núcleo de apoio na pele da mãe de Katherine. Porém, as coisas positivas param aqui. Pois adiante, o que vem é só desgraça. Antes fosse canastrão que nem Arraste-me Para o Inferno (2009).
E essa desgraça começa pelos outros personagens, e sua enorme quantidade. O Exorcista: O Devoto tentou ser uma composição eclética trazendo diversas ordens religiosas para o mesmo ritual. De padre católico a líder batista, com direito a pastor pentecostal e uma sacerdotisa africana, todos se unem para um bem maior. Temos um encontro ecumênico que faria a Igreja Universal se sentir ofendida. É uma ideia interessante, mas pessimamente executado. Todos estes personagens são simplesmente jogados no longa, não dando tempo do espectador entender essas diferenças. Nem mesmo os pais de ambas as crianças são passíveis de alguma ligação. O fotógrafo Victor por exemplo, só tem uma única expressão, mesmo com sua filha sendo queimada no Inferno. Quando há o plot twist em que ele passa a acreditar em algo, simplesmente a falta de reação descredibiliza notavelmente esse momento.
TUDO PASSARÁ. MAS TALVEZ A RAIVA DEMORE UM POUCO:
Tudo isso caminha para um roteiro sem coesão, sem lógica, sem dinamismo e sem carisma. Estabelecido o exorcismo, seria necessário findar esse problema. Acontece que essa finalização deixa mais perguntas do que respostas. O que de fato aconteceu? Tentando compreender o final, é possível dizer que a entidade demoníaca brinca ao estabelecer que aquelas pessoas devem escolher quem vive e quem morre. E a escolha pode ser literalmente uma Escolha de Sofia. Mas é surreal que isso se apresente com apenas uma única frase. O roteiro do próprio Green e de Petter Sattler abusa de informações jogadas e sem nexo. E não sabe usar nenhum de seus personagens, especialmente o retorno da atriz Ellen Burstyn como Chris Macneil, que vivenciou os horrores do filme de 1973. Ela aparecendo ou não torna-se completamente irrelevante.
Em termos mais técnicos, O Exorcista: O Devoto parece beber na fonte dos mesmos maneirismos de seu diretor quando dirigiu a nova Trilogia de Halloween. Temos cortes secos, vários planos de ruas, calçadas e árvores, e momentos de jump scares onde uma revoada de uirapurus fazem mais barulho do que deviam. A trilha sonora é mediana e até a tentativa de amedrontar com a aparição da criatura é fraca. São alguns frames que se você piscar vai perder. Algo que James Wan com as franquias Sobrenatural e Invocação do Mal sabe fazer direito. Nessa parte, não há nada de louvável, sendo um emaranhado de tudo que já foi presenciado no gênero. Só que O Exorcismo de Emily Rose (2006) é até Stigmata (1999) sabem usar melhor essa ideia de entidade do que este filme que carrega o nome de O Exorcista no lombo.
O SONHO DE VER O EXORCISTA DE VOLTA SE ARRASTA PARA O POÇO:
No fim de toda essa reza selvagem, O Exorcista: O Devoto é chato. Um filme raso e completamente chato que detinha uma proposta interessante. Mas, como a sina do gênero, a execução do longa é a pior possível. Desde o início, o reboot tinha cara de que não seria inventivo, e obviamente não é. Mesmo com o grupo de Vingadores do Exorcismo, em alusão ao grupo de heróis da Marvel. Esse ecumenismo em si sequer faz sentido e somente atrapalha, mesmo que, como dito, tenha sido uma ideia interessante. Durante as quase duas horas de jornada, os personagens poderiam ser trocados por robôs que o espectador não sentiria diferença alguma. Com as já ressalvas dos personagens da Senhora Miranda West, de sua filha possuída Katherine West e de Angela Fielding. O desperdício é ainda maior com os minutos de tela de Ellen Burstyn.
Assim, com exceção da parte técnica da maquiagem e a atuação das protagonistas, O Exorcista: O Devoto entra em um labirinto e não sabe como sair. Seu andamento é trôpego, lento e sem nenhum tipo de carisma. As informações suscitadas acabam se contradizendo e os personagens não são cativantes. O final, mais visceral, parece independente de todao o restante do filme Nem mesmo a parte técnica que envolve a direção e sonoplastia conseguem salvar a película de ser um grande desastre, fazendo com que David Gordon Green se superasse dessa vez. Pena que do pior jeito possível até para um longa de terror. De toda forma, O Exorcista: O Devoto é uma experiência ruim do gênero de possessão. Se caso queira assistir, não espere de forma alguma por diversão. Uma perda de tempo e de muito dinheiro da Blumhouse e da Universal Pictures.
Números
O Exorcista: O Devoto (2023)
Ao longo de 121 minutos de duração, David Gordon Green faz de O Exorcista: O Devoto uma péssima sequência legado. É o famoso filme que poderia ter sido, mas nunca foi, especialmente no roteiro, seu buraco negro, mesmo com uma boa maquiagem e atuação do núcleo principal.
PRÓS
- Ótima atuação do núcleo de protagonistas, tanto na fisicalidade quanto na questão da maquiagem.
- Embora destoante, o final seco e o subtexto da escolha e do comportamento humano são interessantes.
CONTRAS
- O roteiro não é algo senão ruim. A cadência das ideia é extremamente demorada e não cativa ninguém.
- Os personagens que poderiam engrandecer o vínculo emocional com o filme e a franquia não são usados e são inexpressivos.
- Esteticamente, não há algo que já não tenha sido visto em outros filmes do gênero de possessão. Nem mesmo a reutilização da trilha.
- A aparição de tantos núcleos e personagens faz com que o filme perca tempo de tela sem explicar absolutamente nada.
- Desde o início, o longa parecia não ter a intenção de inovar. Pois bem, além de não inovar usa dos maneirismos já ultrapassados e conhecidos.